Quando os sacerdotes bufões da media falam, incitando as
pessoas a pensarem isto ou aquilo, a rejeitarem A e seguirem B, ou vice-versa,
desde que sejam sempre passivas… eu tenho tendência para virar a cara para o
lado. É que me dá uma náusea, uma sensação de enjoo. Devo ser um caso muito especial,
pois senão eles/elas – mediáticos/as – estariam órfãos/órfãs de público.
Aquilo que verifico, afinal, é que todos estes «cientistas» de
pacotilha conseguem açambarcar a atenção dum número considerável de pessoas,
apenas usando as técnicas de «public relations» e da psicologia mais trivial,
mas sempre eficaz. Aliás, estas técnicas manipulativas são eficazes, sobretudo pela
simples razão de que têm um público cativo, previamente condicionado, tornado passivo.
A principal questão política - ou sociológica, se se preferir-
é que, nas sociedades desta era de consumo de massas e de democracia "representativa", tudo é feito para afastar as pessoas de uma verdadeira
intervenção na vida pública.
Os «especialistas» de tudo, ou seja, os «doutores da treta»,
encarregam-se de «pensar por nós», de falar e escrever o que lhes apetecer, nos
seus termos.
Aquilo que fazem ou dizem é relevante apenas porque lhes foi concedido o
monopólio da palavra e da presença nos écrans; os restantes membros da comunidade, os que
teoricamente são também cidadãos, apenas têm que ouvir e calar. Dizem-lhes: «vão votar»! Ao mesmo tempo que reduzem ao acto de votar toda e qualquer participação da cidadania, negam-lhe o conhecimento real e verdadeiro das escolhas que lhes apresentam …
O cidadão é tratado exactamente como sendo menor mental: tal é o desprezo pela inteligência do cidadão-eleitor, que apelam ao voto com campanhas publicitárias feitas de imagens e slogans vazios.
O sistema mantém-se pela passividade, pela exploração da tendência
para a preguiça, pela ausência de curiosidade, da grande maioria.
Este
sistema está desenhado para funcionar na perfeição, com cidadãos apenas
interessados em «resolverem» seus assuntos pessoais e seguirem os seus ídolos do
desporto, da canção, do cinema…
Estas formas de alienação funcionam por
personificação. O fã imagina-se na pele do seu ídolo: consegue aceder a um «estado
de graça», identificando-se com o jogador no relvado, ou a
cantora no palco, num cenário de sons e cores, etc…
Assim, transformou-se o povo numa enorme
multidão de adolescentes eternos/as, apenas desejosos/as de dar vazão a seus
desejos, às suas pulsões. Tais pulsões implicam sempre o consumir, o usufruir
dum estatuto especial ou «status», exclusivo duma «elite» do dinheiro. Não é preciso que este consumo seja óptimo, mas tem que ter a chancela mediática que identifica seus consumidores como gente privilegiada e que as
outras invejam – supostamente - por não terem possibilidade de tal
consumo de luxo, desse tal esbanjar, afinal.
Assim, o sistema político-mediático que nos governa está
permanentemente a inverter os termos daquilo que foi sendo consignado nas constituições e nas leis, ao longo de dois séculos e meio. Os textos legais permanecem, em muitos casos, mas são letra morta, porque não tem havido correlação de forças favorável a que se imponha o seu respeito. Este esvaziamento da democracia tem sido levado a cabo nos últimos 30 anos, pelas políticas ditas neoliberais no domínio económico, acopladas ao crescente autoritarismo político e à reconstituição dos privilégios para uma pequena minoria.
É essencialmente contra este neo-feudalismo que têm lutado os movimentos sociais nos finais do século passado e primeiros decénios do presente século.
A passivização do público, a sua transformação em seres
pulsionais, em «crianças para toda a vida» é o objectivo dos defensores dos privilegiados.
As pessoas estão condicionadas a pensarem os políticos como uma casta à parte: os que «sabem sobre todos os assuntos», que «têm ideais e que os defendem
com ardor», que - por vezes - mentem, mas «que se lhes deve dar um certo desconto».
O que as pessoas não compreendem é que os políticos
profissionais são pessoas comuns, com os seus defeitos e qualidades. Quando
são entrevistados ou participam num evento público, têm por detrás o
aconselhamento dos especialistas em imagem, têm gabinetes de apoio onde
pessoas com valências técnicas, que eles/elas não possuem, lhes vão decifrar questões de economia, de saúde, de relações internacionais, etc.
Assim,
aquilo que dizem em público, será ou aparenta ser, profundo; sobretudo, será aquilo que seu auditório cativo, seu eleitorado e o público em geral,
desejam ouvir.
Uma intervenção nesta política-espectáculo mais se pareceria com um jogo de espelhos. Tal intervenção seria análoga àqueles percursos
labirínticos nas feiras, com espelhos que nos desorientam e nos fazem andar em
círculo…
A primeira coisa que alguém terá de fazer se deseja entrar neste jogo, é desfazer-se de qualquer prurido moral quando se trata de abocanhar um naco de poder, de
influência, de visibilidade mediática… A segunda, será de escolher e seguir o líder, alguém com mais poder, em condições de favorecer o candidato, colocando-o numa lista em posição elegível.
Face a esta desoladora paisagem, face a este espectáculo de
cinismo e ganância obscenas, as pessoas sensíveis...
- ou se recolhem num mundo
pessoal, íntimo, cultivando seus «jardins secretos»;
- ou se sentem desesperadas
e descrentes de tudo e acabam por se auto destruir, pelas dependências a drogas
e de um estilo de vida que acaba por desembocar no suicídio, muitas
vezes.
As pessoas com carácter forte, rebelde, não conformadas, por vezes adoptam
uma postura quixotesca, sem qualquer esteio prático, porque não se inserem nas
lutas sociais, na vida quotidiana de seus concidadãos e sonham com românticos
Che, afinal um mito construído.
Os restantes, os que escolhem o caminho estreito da
resistência realista, mantendo-se próxima do sentir dos outros, sem se auto proclamarem
como chefes, estes são demasiado poucos para serem capazes, por si sós, de inverter a
tendência.
Embora tudo o que escrevi acima pareça de um pessimismo atroz, não o é, pois é a partir da constatação de uma dada situação, tendo identificado as nossas falhas de toda a ordem, que podemos encontrar os meios para se avançar.
Não se trata de cruzar os braços e lamentar a
nossa impotência, mas antes, de ver como ela foi construída, confeccionada pelos
poderes, embora ela não seja uma fatalidade. Porém, um diagnóstico crítico e auto-crítico é necessário para desenharmos estratégias individuais e colectivas, que não
terão de ser únicas, nem uniformes, mas que deverão ser confluentes.
Esta será a metodologia capaz de contrariar e inverter, subvertendo a presente ditadura, que se
reveste das aparências da liberdade e da democracia.
Ela será realisticamente eficaz e alcançará a sua finalidade, se conduzir a que as pessoas se ergam e livremente, democraticamente, moldem o presente e o
futuro de suas vidas e das sociedades.