Muitas pessoas aceitam a situação de massacres de populações indefesas em Gaza e noutras paragens, porque foram condicionadas durante muito tempo a verem certos povos como "inimigos". Porém, as pessoas de qualquer povo estão sobretudo preocupadas com os seus afazeres quotidianos e , salvo tenham sido também sujeitas a campanhas de ódio pelos seus governos, não nutrem antagonismo por outro povo. Na verdade, os inimigos são as elites governantes e as detentoras das maiores riquezas de qualquer país. São elas que instigam os sentimentos de ódio através da média que controlam.
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sexta-feira, 16 de novembro de 2018

COMO É QUE O IMPÉRIO DOS EUA TRATA OS SEUS «ALIADOS»

Escrevo este artigo como comentário do muito bem informado e lúcido artigo de Grete Mautner, abaixo:

Não irei repetir os argumentos desta autora, com os quais estou geralmente de acordo, apenas tentarei acrescentar algumas reflexões originais.

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As pessoas têm tendência a ver com olhos favoráveis o papel dos EUA em relação à política europeia. No entanto, a memória é curta, basta relembrar o caso Gládio, que está na origem dos «anos de chumbo» em Itália, ou o constante e dedicado apoio à aliança de Portugal de Salazar e Caetano, com a África do Sul do Apartheid, que foi o eixo estratégico dos EUA para combater a «ameaça soviética» em África e conduziu ao prolongamento de uma guerra insustentável e perdida à partida para as forças portuguesas. Pois os líderes políticos desta «grande democracia» americana, não têm muitos motivos de se alegrarem com uma independência, mesmo que relativa, do bloco UE, que se poderia autonomizar ainda mais do ponto de vista económico, político e militar-estratégico em relação ao «Big Brother» dos EUA. 
A imagem da diplomacia dos EUA é a do «bully» que ameaça e faz chantagem permanente com adversários e aliados. Vezes sem conta, os EUA fizeram exactamente o necessário para colocar europeus uns contra os outros, como no caso do golpe arquitectado, financiado e monitorizado pelo governo de Obama, que derrubou um governo constitucional na Ucrânia, pondo no poder líderes de movimentos de extrema-direita e a tomada de muitas riquezas estratégicas deste país pelos interesses americanos. A imposição toma o lugar da diplomacia num país sem cultura de verdadeira consensualização, de harmonização de interesses: os EUA, sempre que podem, tentam impor a sua «lei» ao resto do mundo. Veja-se o caso das sanções contra o Irão e o «torcer da mão» de uma UE sem verdadeiro contra-peso para essa chantagem (uma expressão de Obama, usada em relação a adversários, mas que estaria bem também em relação a «amigos»). 
Acumulam-se os sintomas de que a UE vai ser objecto de manobras para a desestabilizar, já que esta se atreveu a pronunciar o tabu máximo: a possibilidade de construção de uma defesa autónoma, sem necessidade de recurso à NATO e portanto, a prazo, o definhamento e finalmente a total secundarização, senão a morte, da aliança estratégica agressiva. 
No plano financeiro, a guerra surda entre o dólar e o euro já existe, com a subida do juro (iniciada há mais de um ano) das taxas da FED, enquanto os das taxas equivalentes do BCE se mantinham próximos de zero; isto foi drenar muitos capitais para os EUA. Mas não é tudo:
- As patentes e escandalosas benesses fiscais de que as grandes firmas americanas beneficiam (como Apple e Microsoft) no espaço da UE não seriam toleradas a empresas da própria UE, 
- O esforço de guerra que os europeus têm efectuado nas aventuras neocoloniais em África, têm drenado para essas operações, sob a bandeira da NATO, muitos biliões, ao longo dos anos. 
- A presença da NATO no Afeganistão, um fracasso militar (americano principalmente) que se prolonga há 17 anos, tem como resultado a mobilização de forças europeias, desde as mais ricas, como a Alemanha, até às mais pobres como Portugal.  

De facto, a geração de políticos medíocres e oportunistas, que tem o poder numa grande parte dos países europeus, tem favorecido o jogo americano. Mas, no geral, um «bully» tem tendência a exagerar e a causar reacções naqueles que escolhe como vítimas: a opinião pública de países centrais na UE cada vez mostra mais claramente o seu repúdio por líderes submissos e que prestam vassalagem aos EUA. Por este motivo, mesmo os mais servis vassalos têm de dar um ar de independência, de vez em quando. 
Muito se fala nos media europeus de uma onda de populismo misturando este com o «trumpismo», mas que são realidades e conceitos distintos. 
O que os chamados «populistas» europeus pretendem é substancialmente diferente do que pretende a liderança do império. 
Aqueles pretendem um reapossar dos comandos do governo em mãos nacionais, contra a oligarquia de Bruxelas que tem desempenhado o papel de poder imperial «subordinado», ou seja enquanto vassalo directo de Washington. 
Ao contrário, Trump pretende que os EUA voltem a um relativo isolacionismo, abandonando a ingerência permanente como «polícia» mundial, assim como uma reindustrialização do país, podendo assim livrar-se da dependência em que se encontra em relação à China, a qual se tornou uma espécie de «fábrica do Mundo».
Em qualquer instância, o comportamento futuro dos EUA em relação aos seus «aliados» será o mesmo que tem sido até agora: 
- Afundem-se as economias da zona Euro, para que o dólar e os mercados dos EUA possam flutuar e até prosperar com o sofrimento alheio. 
- Uma Europa fraca do ponto de vista económico não poderá ser capaz de forjar um exército poderoso que dispense a presença «amiga» das bases da NATO. 
Aliás, o constante acirrar da tensão, usando constantes provocações militares contra a Rússia, tem como objectivo mostrar aos europeus que eles continuam a «precisar» das tropas americanas para sua defesa, como no tempo da Guerra Fria nº1.
Uma Europa dividida por rivalidades e querelas mas temerosa de desagradar aos seus senhores, será sempre terreno propicio para a diplomacia americana, tal como ela costuma fazer com países do «Terceiro Mundo» na África, Médio-Oriente, América Latina, etc. Para os olhos dos imperialistas dos EUA, a Europa é um espaço a manter sob seu domínio.

Os europeus são sistematicamente «deitados por debaixo do autocarro» pelos seus aliados:
- São os que têm de aguentar com o pior das crises económicas, para usufruto de Wall Street, 
- São os que aguentam com o peso económico e também militar estratégico de uma ocupação permanente do território com tropas estrangeiras (as bases da NATO), colocando esses países automaticamente na mira de um ataque nuclear preventivo por parte dos russos (o que se torna mais provável com a constante arrogância e provocação que tem sido a política americana em relação a estes)
- São os que têm de aguentar na sua fronteira com situações explosivas como a guerra civil da Síria com o seu cortejo de destruição e de violência, os refugiados, as crises de chauvinismo e a subida da extrema-direita aproveitando essas circunstâncias ou a secessão das regiões do leste da Ucrânia. Em ambas as situações é clara a interferência pesada de Washington, quer na sua eclosão quer na sua manutenção.
- São os que vão como «subcontratantes» para países de África como o Mali, a Rep. Centro-Africana, e outros, para manter no seu posto governos completamente submissos ao «Ocidente» a pretexto de combater grupos aparentados com a Al Quaida (mas, entretanto os grupos do tipo Al Quaida, na Síria são considerados «rebeldes moderados», visto que são úteis para combater Assad).

Infelizmente, tenho de ser pessimista no curto/médio prazo, pois não vejo nas forças que estão irrompendo no cenário, na maior parte dos casos, mais do que oportunistas explorando um sentimento de profunda frustração das massas, de desencantamento pelo paraíso do consumismo como a UE dos anos 80 e 90 se apresentou, de medo de perda da identidade e que vai de par com uma completa incompreensão do papel dos dirigentes no próprio desencadear das guerras causadoras de ondas de refugiados. Um cenário de nacionalismo «genuíno» é tão impossível como um voltar para trás no tempo, para o passado, para o século XIX. Com efeito, a afirmação duma nação com a sua expressão de comunidade política,  está historicamente correlacionada com a aliança precária entre classes - como a pequena, a média e a grande burguesia - para explorarem melhor e sem concorrência, os recursos dentro de cada país (a sua própria classe operária, inclusive). Mas o capital hoje em dia está verdadeiramente internacionalizado, nem sequer poderá haver um capitalismo auto-suficiente no mais rico e poderoso país do mundo, os EUA, quanto mais em pequenos ou médios países. Aliás nem isso seria bom, quer em termos de desenvolvimento humano, quer em termos de conservação da paz entre os povos.
Mas, este cenário de avanço dos nacionalismos tem como vantagem -para os EUA- fraccionar politicamente o espaço da UE. Para os EUA, isso vai tornar mais fácil subjugar o seu continente «aliado» e rival, a Europa. 
É possível que este seja o cenário em que se desmorone a UE ou em que esta seja relegada a mera união aduaneira.