É uma bênção estar-se completamente anónimo numa grande cidade. Tudo o que faças estará apenas contigo, ninguém para controlar o que fazes ou deixas de fazer, ninguém para julgar o teu comportamento.
Os romanos reconheciam esta situação e designavam-na como aurea mediocritas. Aqui, o termo «mediocritas» deve ser entendido como antónimo de celebridade.
A necessidade de certas pessoas se fazerem «apreciar», de fazerem o seu show, tem muito de fútil. Raramente terá a ver com a necessidade genuína de exprimir os seus dotes de ator/atriz ou doutra profissão do espetáculo, que reclame uma óbvia visibilidade.
Geralmente, retomando e invertendo o sentido do provérbio romano, os exibicionistas são medíocres que se fazem pagar a peso de ouro, nalguns casos, mas quase sempre, trata-se de ouro falso, de lantejoulas e pechisbeque.
A necessidade de certas pessoas se tornarem célebres transforma-se em obsessão patológica, pois deixam-se arrastar a fazer disparates, ou mesmo crimes, só para dar nas vistas.
Eu prefiro viver discretamente; não será no anonimato, stricto sensu. É claro que tenho familiares, amigos, conhecidos, vizinhos: são pessoas que me conhecem, da forma mais profunda ou da mais superficial. Nisto, sou igual a tantos outros.
Não abdico, porém, da minha personalidade o que, aliás, se me afigura quase impossível de acontecer. Mas, não estou sujeito à presença de olhares inquisidores, de ser chamado na rua por um desconhecido, de forma amistosa ou insultuosa. Isso é como perder-se o pouco que nos resta de liberdade.
O meu anonimato, é não ter que me preocupar a cada instante onde me levam meus passos, se aquilo que digo não será ofensivo para alguns, se não será transmitido ao universo dos meus inimigos.
Numa grande cidade, sozinho ou na companhia da pessoa que se ama, pode ser agradável vaguear, visitar monumentos, ir a um espetáculo, comer num restaurante.
Mas, esse prazer é proibido às stars do cinema, da política, do desporto. Talvez os maravilhe, no início, serem apontados a dedo e cumprimentados na rua por anónimos admiradores. Creio que esta sensação desaparece quando a mera presença da «star» no espaço público, desencadeia reações inoportunas de certas pessoas, que podem ir até ao assédio.
A celebridade depois de se morrer, não me incomoda, mas não creio sequer que seja sempre um bem: Se a memória de alguém importa, então as biografias lendárias, com invenções disparatadas, que certos literatos farão para fazer subir o peso post mortem do escritor ou artista biografado, não é bonito de se ver. Quem está morto, não se pode defender de insinuações torpes, ou de histórias completamente falsas e nada correspondentes ao seu modo de ser, quando em vida.
As pessoas que, depois de célebres, fazem «como sempre fizeram», se comportam como sempre se comportaram antes ... essas, não as conheço, serão raríssimas. Se existem, aposto que sua indiferença perante as luzes da ribalta seja apenas um truque, uma pose, que tenham de compor a personagem como no teatro ou num filme. Estão a representar o papel de quem não se sente incomodado com os olhares e dizeres dos outros.
Os típicos ocidentais, embora possa encontrar-se padrões semelhantes ou análogos noutras paragens, estão tomados pelas figuras do herói, do santo, do génio, do indivíduo com carisma. Mas, isto faz parte do teatro das coisas. O que eles estão a tentar exprimir, é que tais personagens são - supostamente - mesmo assim. Portanto, eles devem ser adorados, obedecidos, venerados.
Como eu não pretendo nada disso, como estou bem comigo próprio, não dominando, nem influenciando ninguém, não me sinto compelido a chamar a atenção sobre mim.
Isto não quer dizer que não exerça as minhas qualidades, que não ponha em prática os meus talentos. Eu faço o que me apetece, sem aquela ideia doentia, de me perguntar sempre se agradarei aos outros.
Se este escrito foi realmente interessante para ti, ainda bem. Se achas que não vale a atenção prestada ao lê-lo, deita-o para o caixote de lixo, é assim que eu faço com certos escritos dos outros!
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