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terça-feira, 14 de dezembro de 2021

KURT WEILL: «YOUKALI» & «DENN WIE MAN SICH BETTET...»

 É sempre importante saber-se elementos da biografia de um compositor, quanto mais não seja, para se compreender melhor o contexto em que realizou esta ou aquela parte da sua obra. No caso de Kurt Weill, esse conhecimento sobre a sua vida é indissociável do conhecimento das tragédias que assolaram a primeira metade do século XX. Além de que ele compôs belíssimas peças musicais, motivo de admiração em si mesmas, tenho um respeito enorme pelo homem e fico estarrecido perante a completa ignorância dalgumas pessoas que se «julgam sabedoras» de música.  

Youkali é uma canção célebre composta por Weill para a opereta de Jacques Deval, " Marie Galante ", estreada em 1934. É um tango-habanera; esta música tem um ritmo de dança bem popular, que não difere estilisticamente do que os compositores tradicionais do tango compunham. Mas, a letra (1) tem muito idealismo e está relacionada com a história de Maria Galante, como seria de esperar. Ela transmite a força dos que «estão por baixo», oprimidos mas não derrotados, porque querem ter esperança, querem emancipar-se da condição de escravidão em que se encontram.

                                                                                                    
           
(1) «Youkali» cantado por Lianka Bedeschi 
(Letra de de Roger Fernay, música de Kurt Weill)

A segunda composição por Kurt Weill está integrada na peça de Berthold Brecht, «Ascensão e Queda da Cidade de Mahagony» nascida antes da famosa ópera dos Três Vinténs. A mesma peça possui outras partes cantadas, a mais célebre das quais é «Alabama Song». 

Creio que a canção aqui apresentada tem algumas maravilhas escondidas, que revelam todo o génio de Kurt Weill. Por exemplo, a preocupação em fazer com que o auditor capte bem a letra. A parte inicial, um recitativo cantado, dá-nos o contexto «moral» e «social», sobre o qual  se desenvolve o discurso a partir da frase-feita ou provérbio  «Deitas-te na cama que tu próprio fazes». 

Note-se que o provérbio tem o seu sentido inicial subvertido, visto que Brecht enfatiza que nós somos humanos, que não sejamos como «bestas». Para uma análise aprofundada da «Song» (canção) e da ópera na qual se insere ver AQUI. Weill compõe um «jazz blues», com ritmo quaternário, de tempo moderado, evocando as marchas de New Orleãs. Esta fusão conjuga-se com soluções harmónicas audazes. 

Note-se que as obras de Kurt Weill mereceram um auto-de-fé, pelos nazis. Ele foi designado de judeu-bolchevique e isso - em si mesmo - já consistia num «crime» para os adeptos de Hitler. A etiqueta de «arte degenerada» era facilmente aceite pelas pessoas mais convencionais da época, pelo aspecto «chocante» das audácias harmónicas, e da fusão da ópera com a música popular e o jazz.




(2) «DENN WIE MAN SICH BETTET» cantado por Hanne Wieder (Brecht / Weill) Meine Herren, meine Mutter prägte Auf mich einst ein schlimmes Wort: Ich würde enden im Schauhaus Oder an einem noch schlimmern Ort. Ja, so ein Wort, das ist leicht gesagt, Aber ich sage euch: Daraus wird nichts! Das könnt ihr nicht machen mit mir! Was aus mir noch wird, das werdet ihr schon sehen! Ein Mensch ist kein Tier! Denn wie man sich bettet, so liegt man Es deckt einen da keiner zu Und wenn einer tritt, dann bin ich es Und wird einer getreten, dann bist’s du. Meine Herren, mein Freund, der sagte Mir damals ins Gesicht: "Das Größte auf Erden ist Liebe" Und "An morgen denkt man da nicht." Ja, Liebe, das ist leicht gesagt: Aber wenn man täglich älter wird Da wird nicht nach Liebe gefragt Da muß man seine kurze Zeit benützen Ein Mensch ist kein Tier! Denn wie man sich bettet, so liegt man, usw.

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PS1: O texto abaixo é uma tradução em francês do original em alemão.

Messieurs, ma mère m’a prédit l’avenir le plus sombre :
Tu finiras à la morgue, disait-elle
Ou dans un lieu pire encore…
Oui, tout ça c’est facile à dire,
Mais moi je vous le dit : c’est du vent !
Vous n’aurez pas ma peau comme ça !
On verra comment je finirai…
On n’est pas des chiens !
Comme on fait son lit on se couche
Personne ne vient border personne
C’est moi qui te marcherai sur les pieds,
C’est toi qui seras piétiné !
Messieurs, mon ami ma disait,
En regardant dans les yeux :
« ce qui compte sur terre, c’est l’amour »
Et « ne songe pas au lendemain. »
Oui, l’amour c’est facile à dire :
Mais tant qu’on vieillira tous les jours
On n’aura pas la tête à l’amour,
On voudra profiter du peu de temps qu’on a.
On n’est pas des chiens !
Comme on fait…
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PS2: A tradução usada por Pia Colombo «Comme On Fait Son Lit On Se Couche» é diferente, mas exprime as mesmas ideias.

PS3: Oiça a interpretação de Gisela May : 
Aufstieg und Fall der Stadt Mahagonny, Act I, Scene 11: "Denn wie man sich bettet, so liegt man"

PS4: Outra pouco conhecida e linda balada de Kurt Weill, com Kiri Te Kanawa e Andre Previn: 

3 comentários:

Manuel Baptista disse...

https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2017/07/song-surabaya-johnny-brecht-weill.html
Uma canção da dupla Brecht/Weill cantada pela companheira de Weill, Lotte Lenya

Manuel Baptista disse...

Outra peça muito famosa, Lost In The Stars. Aqui, com Barbara Hannigan a cantar e dirigir a orquestra.
https://www.francemusique.fr/concert/interpretation/lost-stars-0

Manuel Baptista disse...

https://www.youtube.com/watch?v=jSkz_VjDLTM&list=PLUv1WgIwP9IN35H9A6CiUXdOMJG3fqnKd&index=31

Kurt Weill em adaptação jazzística com Sarah Vaughan e Clifford Brown. Para mim, é a melhor interpretação de September Song.