quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

A PAZ DOS CEMITÉRIOS



                             

Tive uma estranha sensação, há alguns anos, quando visitei o cemitério da ONU, na Coreia do Sul, local onde estão depositadas as cinzas dos soldados que se bateram na guerra da Coreia sob a bandeira da ONU. É que, ao percorrer as alas de campas, estavam lá as bandeiras das nações que enviaram tropas do lado dos EUA/Coreia do Sul, mas não do lado oposto. 

Nem na morte, nem sob a bandeira da ONU (supostamente, organização unificadora de todos os países) havia um tratamento igual. Seriam estes mortos mais, ou exclusivos «merecedores» da nossa memória? Não seria isso perpetuar a guerra, mesmo pretendendo defender a paz? 

Afinal, qual o papel desta grande organização internacional? Será de palco para diálogos frutíferos entre regimes diferentes, em prol da paz... ou de conveniente capa, para «justificar» a actuação duma nação super-potência, que quer sujeitar todas as outras, mesmo as aliadas?

Igual também seria a minha tristeza, se tivesse ocasião de visitar o cemitério militar britânico, onde, como nos conta John Pilger, são homenageados militares e civis que perderam a vida em quadros de guerra até hoje, mesmo que em guerra não-declarada, mesmo nos atentados terroristas, em operações especiais, secretas e encobertas. 

Porém, onde estão homenageadas as que foram vítimas dos britânicos, incluído as numerosas vítimas civis da fria e impiedosa máquina de matar, mesmo quando accionada por outras mãos, que não britânicas, mas usando material feito e vendido pelo Reino Unido? Onde está o «humanismo», a nação «civilizada», que discrimina - mesmo na morte - contra os que caíram em luta, mas que estavam do lado «errado»? E os chamados «danos colaterais», as centenas de milhares de inocentes, civis de todas as idades, credos e condições, sacrificados aos deuses da guerra?

O Mahatma Gandhi respondeu o seguinte a um jornalista que lhe perguntou qual a sua avaliação da civilização ocidental: «Civilização ocidental? Uma excelente ideia! Oxalá que a venham a por em prática... ».... Esta réplica veio-me à memória, no momento presente.
Neste momento, a propaganda da media e dos mercadores de canhões, juntamente com a das marionetes que - de Washington a Berlim, passando pelo quartel-general da NATO em Bruxelas- querem convencer-nos da «necessidade» e «justeza» de guerra contra povos (como o russo ou o chinês, ou ainda o iraniano), cujos governos estão em situação defensiva, mas são pintados como grandes ameaças contra as nações ocidentais e seu modo de vida... 

E, não estou a falar de guerra futura, mas sim, presente: da guerra híbrida onde sanções, golpes orquestrados, actos de sabotagem, assassinatos, provocações e ataques de falsa-bandeira, fazem tantas ou mais vítimas (sobretudo, civis inocentes) do que uma guerra declarada, usando exércitos e toda a parafrenália militar. 

Tal como nos meses que antecederam as duas guerras mundiais, vão aumentando os orçamentos de «defesa», acumulando os instrumentos de morte, colocando estes próximo das fronteiras do «inimigo»; vão-se deixando caducar ou denunciam-se tratados cujo objectivo era diminuir a hipótese de confronto entre potências; intensificam-se bloqueios e sanções, totalmente ilegais face à legalidade internacional, que dizem respeitar. 
Sobretudo, vai-se intensificando a retórica belicista, com dois objectivos: 
1º O condicionamento massivo da opinião pública dos países do «eixo ocidental», para assim calar toda a dissidência, criminalizar todo o discurso de paz, de bom-senso ...
2º Obrigar os países que querem permanecer neutrais a escolher o campo «ocidental», sob ameaça de também eles serem sujeitos ao mesmo tratamento que os designados por «maus da fita»...

Não há solução para uma situação assim, enquanto as pessoas comuns não acordarem, enquanto não perceberem que terão de reagir de forma enérgica, pondo em cheque os planos mortíferos dos governos e das «alianças militares». 

Senão, estão destinadas a ser carne-para-canhão, porque a guerra é um óptimo meio, que têm os poderosos, para subjugar, tanto os povos «inimigos», como os nossos e de nossos aliados.

4 comentários:

grazia tanta disse...

Certo, Manuel
A questão é que não se sabe quando uma dessas crispações guerreiras; quando a necessidade do complexo militar-industrial desencadeia uma guerra a pensar que consegue derrotar o "Outro Lado", apenas com o seu sofrimento de danos colaterais. Apetece dizer que um planeta tão único para o desenvolvimento da vida (... como a conhecemos...)ou se desarma ou morre. As disfunções são tantas e em tantas áreas que mais tarde ou m ais cedo, algamua besta vai carregar no botão vermelho. Abraço

Manuel Baptista disse...

Grazia: O que me parece é que não se pode esperar mais para encetar acções anti-guerra e anti-militarismo. Senão será tarde demais ou demasiado difícil porque o poder deixa de assumir qualquer disfarce de democracia e revela o seu totalitarismo. Obrigado pelo teu comentário.

Manuel Baptista disse...

Veja como são sacrificadas pelas grandes potências as vidas dos civis nas zonas de conflito:
http://www.informationclearinghouse.info/56045.htm

Manuel Baptista disse...

A PAZ DOS CEMITÉRIOS: o imperialismo british não reconheceu os «não.brancos» como merecedores de honra e gratidão...
https://www.globaltimes.cn/page/202104/1221867.shtml
«most of the natives who died are of a semi-savage nature»