sexta-feira, 9 de junho de 2017

RESCALDO DAS ELEIÇÕES BRITÂNICAS

Resultado das eleições britânicas, segundo o jornal «The Sun»: 

...
Mrs May had been hoping to win a commanding majority she could use as a strong platform to push through her radical domestic reforms as well as our EU exit.

She declared it was "the most important election for this country" in her lifetime, but now looks set to lose a dozen seats after the expected huge swing of Ukip voters to Conservative failed to materialise.

...

                  


O golpe das eleições antecipadas foi tiro lhes saíu pela culatra! 
Mas o curioso é que - há precisamente um ano atrás - passou-se o mesmo com o Brexit: Cameron apostou o seu futuro político na derrota dos eurocépticos do interior do seu partido com esse referendo... e perdeu.
Agora, de novo, o poder conservador instalado apostou num golpe eleitoral para consolidar a sua posição, perante as negociações de saída da UE. 
Passou-se exactamente o contrário: o voto desmentiu que houvesse um amplo consenso popular por detrás do governo sobre a maneira como este está a conduzir o processo de saída da UE. Significativa foi a transferência de votos do UKIP para os Trabalhistas, perante a ameaça de May e dos conservadores em acabarem com o Welfare State...

É caso para dizer, segundo a Lei de Murphy... "o que poderá correr mal, corre mal" (neste caso, para a Sra May).

quarta-feira, 7 de junho de 2017

A MACIEIRA DE NEWTON [Obras de Manuel Banet]

                     
                        
       [Isaac Newton: manuscrito autógrafo]

  - Este texto surgiu primeiro na página literária do Diário de Lisboa e posteriormente foi incorporado à recolha de poemas inédita «Transfigurações» (obras de 1984-1985).


                       A MACIEIRA DE NEWTON
                                       (Ensaio)

As teorias, os conceitos científicos estão frequentemente associados, nas biografias mais ou menos romanceadas de celebridades da Ciência a anedotas ou lendas ou ainda, a citações atribuídas a este ou aquele cientista.
Tomamos esse conjunto de “estórias” como ponto de partida do presente ensaio.
Com efeito, elas fazem parte do imaginário colectivo... o que nos leva a considerá-las como fonte de poesia, tal como as lendas, os contos de fadas, as canções, etc. ... que iluminam a nossa infância.
Cremos que a poesia não é uma forma de pensamento ou de expressão do pensamento radicalmente diferente das “iluminações” (título de um livro de poemas de Rimbaud) dos citentistas. O momento poético, tal como o momento da intuição de uma nova teoria, é de revelação.
Os poetas, tal como os cientistas, são dotados da capacidade de abaixar o limiar da consciência e de produzir algo que foi elaborado nas profundezas do sonho.
Os homens têm, à partida, essa capacidade ... “a poesia deve ser feita por todos, não por um” (Lautréamont) ... mas ela é reprimida ao longo da vida adulta, na grande maioria das pessoas.
Pierre Curie dizia: “é preciso fazer da vida um sonho e desse sonho uma realidade”. Eis aqui, formulada por um cientista, a declaração clara das intenções dos poetas e artistas que se congregaram sob a bandeira do movimento surrealista. O sonho é um processo expontâneo de produzir imagens, em que intervém o aleatório. Note-se que aleatório não significa arbitrário, mas antes, um processo  a-determinístico de geração ao qual se sobrepõe um processo de selecção, de tal modo que, na imagem produzida, há criação de algo intrinsecamente próprio, genuíno, cuja lógica profunda foi decifrada por Freud e por Jung.

  A lógica do sonho opera sobre imagens simbólicas. Uma imagem é simbólica quando o objecto a que se refere não está contido nela, quando este pode ser definido apenas dentro do contexto em que se encontra a referida imagem/símbolo. 
É pois uma questão de “evidência poética” (título de um livro de poemas de Éluard), a questão de se saber ler o que o poema encerra: “voir c’est recevoir, réfléter, c’est donner à voir” (Éluard). 
                                 


O poeta é um revelador, é aquele que imprime na superfície do espelho (a realidade)... a imagem que se encontra ... “do outro lado do espelho” (Lewis Carrol). Aqui chegados, temos de reconhecer que não é com os instrumentos do dia-a-dia, com o senso comum, que podemos caminhar, pela mão de Alice, no país das Maravilhas. Este país é uma densa floresta, recheada de estranhas formas, cujas pistas estão entrecortadas por ribeiros, cujos diversos andares abrigam diferentes nichos ecológicos, e onde, digamos, precisamos de toda a força animal de Tarzan, para subir e descer pelas lianas que pendem das árvores.
A palavra poética é polissémica; é uma polissemia resultante do confronto entre a utlização corrente, pragmática, das palavras e o uso simbólico que o poeta faz delas. Mas isto não significa que a utilização corrente das palavras seja destituída de polissemia. O tradutor  experiente sabe bem como é difícil dar à tradução de um texto literário as conotações, a carga emotiva, a polissemia em suma, que encerra o texto original. Mas a vida está cheia de “frases feitas”, os provérbios, os ditados, as expressões idiomáticas... é possível que o seu produtor tenha sido um poeta anónimo, que soube dar contorno emblemático a essas modestas “flores” da linguagem. Isso foi reconhecido pelo povo, que passou a fazer  uso dessas expressões ... com o uso, acabaram por perder o carácter cortante, afiado, que tinham inicialmente: tal como um instrumento que é utilizado por longo tempo, com grande frequência, as imagens poéticas também se “gastam”. A função do poeta, do criador é a de produzir novas imagens, de retemperar as imagens gastas.
        A poesia foi comparada a “uma alquimia do Verbo” (Rimbaud). A alquimia é uma forma de conhecimento do Universo em que as partes não estão dissociadas do Todo. É um caminho inverso ao da análise. Tem por fim o conhecimento interior e a transmutaçõa do eu (Je, est un autre” Rimbaud) muito mais do que a transmutação de metais; na verdade, a tranmutação dos metais é apenas o aspecto exterior da Obra Filosofal, “a pedra de toque” que permite constatar a realidade da transmutação interior. 


                                   




Quais são os instrumentos do “laboratório” poético? A “loucura”, a “lucidez”, a “hiper sensibilidade”, o abaixamento da fronteira entre o sonho e a realidade, o trabalho árduo, lento, nocturno, o confronto com a realidade externa, a leitura, a apropriação, o plágio da obra dos outros poetas. O resultado de tudo isso, uma obra da qual o artista nunca se encontra satisfeito, ficando necessariamente aquem do ideal que o artista persegue. O mito do pigmalião constitui a parábola dessa situação. O transcendente e o efémero, a serenidade e o empolgado, o indizível e o explícito: antinomias que estão presentes em qualquer obra de um artista total.

O objecto poético deixa de pertencer ao seu criador quando atinge o público. O público é o outro pólo do acto de criação, pois quem diz criação, diz mensagem ... e uma mensagem só existe enquanto tal, quando existe um emissor e um receptor: as mensagens que são enviadas para o espaço por astrónomos, astro-físicos, por cientistas da era espacial, só o são... se encontrarem destinatário, seres extra-terrestres dotados da capacidade de compreender esses sinais. A teoria diz que é impossível transmitir uma informação sem perda de energia e o que é captado, nunca é mais do que uma fracção do que é emitido; as palavras lançadas ao vento pelos poetas obedecem a estes princípios. Do “lado de cá do espelho”, o receptor, ao ler a mensagem, vai interpretá-la de acordo com o universo semântico no qual está banhado e que lhe é pessoal, vai portanto recriá-la, com toda a carga de subjectividade que o acto implica. Será possível uma “análise objectiva” de uma produção poética? Para responder a esta questão vamos recorrer ao Princípio da Incerteza de Heisenberg; este diz-nos que não se pode conhecer com grande precisão o momento de um corpo e a sua energia, simultaneamente. Se utilizarmos um instrumento muito potente para observar uma partícula atómica, a energia investida na observação vai interferir com o estado energético dela. Se quisermos saber com precisão a quantidade de energia dessa partícula, num dado momento, temos de renunciar á determinação simultânea das suas coordenadas espaciais... Analogamente, quando se está perante uma obra poética, não podemos num único olhar, detalhar a forma da obra, e sentir a sua vibração, avaliar a energia que encerra. Não se pode, em simultâneo, num concerto, estar atento à perfeição com que os violinos e outros instrumentos executam a obra e ao desenho geral da mesma, à atmosfera em que ela está banhada. Visão analítica e visão global fazem apelo a dois tipos completamente distintos de capacidades psicológicas ( teoria da Gestalt). 

O nosso ponto de vista é de que, em relação à obra poética, o desenho geral, a visão global, a avaliação da energia intrínseca são principais... para que o “efeito poético” possa exercer-se no leitor. Portanto, por mais legítimas que sejam, as leituras críticas de uma obra poética deixam, a nosso ver, de lado o que constitui o cerne, a razão de ser, o centro gerador da poesia. 







Dito isto, é quase inútil sublinhar que, quer no produtor, quer no receptor, uma procura e uma compreensão das formas são necessárias. A crítica (diferente da fruição), deve exercer-se sobre os aspectos formais do poema, deve pôr em evidência a “gramática generativa” (Chomsky) da linguagem poética.

EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS - 17

[*Do livro «Exercícos Espirituais, 1985, Ed. MIC (Estoril)]

 CANÇÃO DA ROSA SÚBITA



Meu amor não precisa de nome
Não se diz nem vende com palavras
Se alevanta com os vendavais
De noite se vai deitar nos trigais
              Meu amor não precisa de nome

Meu amor escreve-se como «fruta»
Como breve chuva, logo enxuta
Ou lenço regaço, reverb’rado
Em muralha de de linho lavrado
               Meu amor escreve-se como fruta

Meu amor não é uma ideia
Não discute «razões de mercado»
É fluxo e refluxo na barca
Iceberg, vulcão ou pendão ou farpa
              Meu amor não é uma ideia

Meu amor a todos abre os braços
Num sorriso de asa partida
E, se visto a pele dos sapos,
Desfralda, rindo, os seus farrapos
             Meu amor a todos abre os braços

Meu amor não tem mestre nem amo
Representa, em farsa ou em drama,
Nos canteiros da praça pública
A dádiva da Rosa Súbita
            Meu amor não tem mestre nem amo











terça-feira, 6 de junho de 2017

EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS - 16

[*Extraído do livro «Exercícios Espirituais», 1985, Ed. MIC (Estoril)]


               IMO TORNADO IMÓVEL…





Imo tornado imóvel
Veleiro medindo Mito
Tudo duvido domina
Retorno assumido
Nos une e mor negamos
E cal sem brecha
Se mente não rasteja
Baldados rigores
Sentam cachos ardidos
Negreiros…






segunda-feira, 5 de junho de 2017

EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS - 15

[*Extraído do livro «Exercícios Espirituais», 1985, Ed. MIC (Estoril)]


                        NUVENS


  

Relevo de corpos outonais
Nomeados pelo reflexo oblíquo
Do olhar múltiplo 
Perplexo
Forma de Guitarras
Criação das nuvens
Vagueando tão altas
No Zodíaco
Distantes espectros
Suspensos no fumo
Separados de meu crânio
Denso
Esfaqueado na certeza
De sonhar
Pan-lúdico
Assim
Nesta
Feminina
Matriz.


domingo, 4 de junho de 2017

EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS - 14

[*extraído do livro «Exercícios Espirituais, 1985, Ed. MIC (Estoril)]

À SOMBRA DOS LOUROS ACADÉMICOS


  

Mastigai, senhores!      
Mastigai esse frondoso arbusto
Ramalhudo, roçagante, polposo
Agridoce, viçoso, emoliente
Esse arbusto tão da vossa estima
Ofertado às vossas bocas
Ruminantes!
E depois de terem bem digerido
O divinal repasto, dormi
Dormi, dormi…
Ao acordarem, terão o prazer
De operar o milagre
Da transmutação
Das heráldicas folhas
Em perfumadas bostas!




         

sábado, 3 de junho de 2017

EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS - 13

[Extraído do livro «Exercícos Espirituais, 1985, Ed. MIC (Estoril)]

LÁBIO A LÁBIO

  

Todos nós vivemos na solidão
Todos nós precisamos de Deus
Todos nós precisamos de amor
Mas, sabendo amar para além
Da clausura de nós próprios
Até pelas mãos dos proxenetas
Nos podemos redimir.

A troco de quê me confinam
Aquém do paraíso dos loucos,
Do asilo psiquiátrico?
Mísero pão, sabor a cinza
Mísero coito, frenesim postiço
Mísero espírito, chalaça de mau gosto
Mísero saber, arroto de escárnio…

Ah, viver o sonho de apenas ser
Testemunho das coisas belas
- Atravessar o fogo para ver
As chamas por dentro
Ah, não temer a tortura,
a privação, a dor, o orgulho,
Por apenas vegetar numa cela
Lendo, sonhando, dormindo
Sem calendário, sem dever
Que não seja o de reproduzir
O ritual quotidiano com se…
O Mundo dependesse do seu gesto

Vamos entrar na zona em que o sonho
Sobe à superfície, como pequena bolha
De gás metano num pântano tranquilo

…    …   …

«Estou dentro do sonho…
Há cavalos que nunca trotam,  só
Galopam, são selvagens!!»
Nas gruas e nos guindastes se vê
(Quem no-la diria?) a canção de gesta
Do meu rio, antes sonhado que
                                                        vivido
                       antes lavrado que
                                                       fendido
Canção, canção, sempiterna ronda
Do berço à cova
Não te faltam sequer as lágrimas
Para ajeitares o verso
Ao choradinho das violas…
Não lamento ter encalhado aqui
Por vezes, o silêncio vale um verso
Mas se te queres aventurar
Por serras bravias,
Pensa duas vezes antes de compores
O farnel: não valerá uma bolota,
Um livro de orações?

- Pró resto, ficam as vetustas amarras
Dos Hilotas e dos Guaranis
O que, bem vistas as coisas, não destoa
No ciclo de lendas dos Bosquímanos

E depois, que querem?!
De «tempestades iracundas» já está
O vento farto. E gastas as
Covas onde se poderiam  esconder
As nossas carpideiras!

Nas falhas de … memória está a salvação
Ó delicioso vazio, amnésia benfazeja…

-Porquê, porquê, digam-me se souberem,
Porque razão é mais fácil esquecer
O prazer do que a dor?
… Um dia, vi uma velha ser
Atropelada e seu crânio romper-se
Como uma casca de noz
Nas pedras da calçada
Os restos de miolos…
Os olhos exorbitados…
Vi, juro, esta cena e porque
A inventaria se me irrita
Confessar que ainda me causa arrepios?!


Exibimos para exorcizar:
Não sabemos afastar o medo

Dos lobos, senão imitando-lhes
O uivar.
Nos contos de fadas há tanta
ou mais sabedoria
Que nos tratados de Freud, Lacan
                   & companhia!

A forma dura, se dura;
Não se deforma e perdura
Nos sinetes dos diáconos
Podes ler na moldura
A frase «Soli Deo Gloriam»
Com a qual assinam
Cheios de candura
Decretos de investidura
Onde se legitima a tortura
Quando esgotadas as formas
Paternais de brandura.

Sonho sabido de cor, mas sempre novo;
Depois do Cosmos, o Átomo
Depois do Átomo, o Cosmos
O pulsar galáctico
A vibração molecular
Sonhar sem rede, se jamais
Me perdi, não o devo a qualquer
Virtude, mas apenas à necessidade
De reproduzir na íntegra…
A Génese…
(Bom, inda não cheguei ao fim)

A solidão é necessária,
Como necessária é a virtude
De amar para além dos muros
Que enclausuram nossos Deuses.