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quinta-feira, 22 de outubro de 2020

O EXACERBAR DA UNI-POLARIDADE

 


Na media dominante no meu país (Portugal), como na media dominante na Europa, é vulgar verem-se notícias e análises que tomam como facto auto-evidente que os EUA sejam os nossos «aliados». Esta visão das coisas pode muito bem ser devida, em parte, ao facto de muitas pessoas nesses meios estarem sob influência ou mesmo sob pagamento das agências que levam a cabo a guerra ideológica do Tio Sam. Mas, mais além disso, a própria sociedade está muito condicionada, por anos e decénios de propaganda da guerra-fria: para muitos, «vêm aí os russos» é equivalente ao «vêm aí os comunistas».

O complexo de falsidades que se tece nos discursos, mesmo nos auto-designados anti-sistema, leva a que alguns factos fundamentais sejam constantemente ignorados. Ora, são estes os que têm relevância maior, quando se fala de política internacional, de relações entre Estados. Vou, de seguida, tentar esclarecer um pouco as questões.

1- A «Aliança Atlântica», embora formalmente seja uma estrutura supra-nacional, cujos membros são Estados soberanos e com igual assento nos seus órgãos políticos, tal não acontece no domínio militar. Tem sido sempre, sem interrupção, um general dos EUA o chefe das forças da NATO na Europa, com poder para tomar um vasto número de decisões, a partir do momento que exista, ou que «decretem» que existe, perigo para a segurança de algum aliado ou da aliança no seu todo. 

A NATO, tinha, segundo os seus fundadores, a função de defesa contra um inimigo do Leste, que eles viam como ameaçador, com poderio militar suficiente para invadir o Ocidente do continente europeu. Pelo menos, esta era a sua retórica, a sua justificação para erguer, logo a seguir à IIª Guerra Mundial, esta aliança claramente dirigida contra a URSS e o bloco de Leste. Mas, a URSS desfez-se, o Pacto de Varsóvia desapareceu, as forças políticas que estão no poder em todos os países do ex-bloco soviético, ou são francamente neo-liberais ou mesmo não o sendo, não exibem qualquer veleidade agressiva contra os países da Europa ocidental, membros da NATO. 

É evidente que a razão de ser da NATO desapareceu e que os que estão nos postos de comando (civis incluídos) tentam desesperadamente encontrar razões para fazer prolongar a sua existência. Porém a NATO - neste contexto- tornou-se uma espécie de «polícia mundial», muito para além da zona geográfica do seu suposto âmbito. Além disso, o complexo militar-industrial (principalmente americano) tem sido beneficiário da compra - cada vez mais abundante - de armamento e equipamento sofisticado, proveniente dos EUA. Em relação aos armamentos, ultrapassam os piores tempos da «guerra -fria», os volumes produzidos e vendidos (aos Estados), as somas gastas (e lucros das empresas de armamento), a quantidade de laboratórios de investigação e mão-de-obra altamente especializada, etc.    

São em número superior a 800, as bases militares dos EUA no estrangeiro, em todos os continentes,  sem contar com as instalações de forças aliadas, mas que podem em qualquer momento ser usadas pelas tropas dos EUA. Isto significa que a hegemonia dos EUA, ao nível mundial se afirma sobretudo pela ameaça, chantagem surda ou declarada, de uso da força contra países que não se submetem, mas mesmo contra países ditos aliados que não aceitam submeter-se na íntegra às directrizes de Washington.

2- A política dos governos dos EUA, com a conivência de alguns governos aliados, tem um cunho anti-liberal, na sua essência: É anti mercado livre, anti livre concorrência. 

Igualmente, é anti-direitos humanos, pois apenas os invoca (com ou sem razão) quando lhe convém diabolizar um governo estrangeiro, uma nação, se esta não se submete. Mas, os governos que se submetem ao poderio imperial americano podem exercer as piores violações dos direitos humanos, sem que os dirigentes dos EUA e das ditas «democracias ocidentais» levantem um dedo: em África, Médio Oriente, América Latina, Ásia, por todo o lado onde ocorram atentados aos direitos humanos, violenta opressão, supressão de opositores, se os criminosos estiverem «no campo ocidental» (ou seja, regimes submissos ao Ocidente), não terão qualquer problema.

3- A ingerência nos assuntos internos, das agências e mesmo de diplomatas em posto nos diversos países, está institucionalizada, como sendo o «comportamento normal» no caso dos EUA, incluindo em países ditos «amigos», aliados. Mas, se porventura os mesmos comportamentos forem atribuídos à Rússia ou à China (ou a outros, aliados destes), estes comportamentos são classificados como graves e perigosos. A ingerência dos EUA dá-se, em geral, através de ONGs subsidiadas por grandes multimilionários, como George Soros, ou por dinheiro público do próprio orçamento dos EUA, ou ainda pelo dinheiro «negro», resultante de operações «secretas» da CIA, como as relacionadas com tráfico de droga (em larga escala) como está profusamente documentado, nomeadamente, no Afeganistão, em vários países da América Central, no chamado «Triângulo Dourado», etc. 

4- Os EUA são o único país no mundo que invoca «uma extra-territorialidade» das suas leis. Consegue impor - unilateralmente -sanções e aterrorizar os governos  e empresas de países europeus, que queiram fazer negócio, comerciar com o Irão, com a Rússia, etc. Grandes bancos franceses e suíços foram multados nos EUA, por fazerem - fora dos EUA - negócios perfeitamente legais, segundo as leis internacionais e dos seus próprios países. 

5- A propaganda e a intimidação que exercem os EUA, mesmo em direcção aos seus mais fieis aliados  (incluindo Portugal, que, segundo entrevista do Embaixador dos EUA.... teria de «escolher» entre a China e eles próprios...), radica na sua doutrina de «superioridade moral», de «nação escolhida», de ser «a nação indispensável». Mas, pelos seus actos*, o governo dos EUA deve ser designado por «governo-pária». Pois este termo corresponde a uma potência que não reconhece as normas e o direito internacional, quando se trata da sua própria acção. Considera-se acima da lei internacional, recusando e ameaçando o Tribunal Penal Internacional de Haia, caso este avance com a instrução de processo contra os EUA, pelos seus crimes de guerra. 

Muito mais poderia referir. O que afirmo acima, tem muitas provas materiais a apoiar. São factos reconhecidos por políticos, jornalistas, juristas, em todo o mundo. Uma parte importante de tais personalidades, que inquiriram e denunciaram comportamentos dos dirigentes dos EUA, são cidadãos deste país. Estou  convencido que o povo dos EUA tem sido mantido numa redoma de propaganda e de narrativas falsas ou distorcidas. As pessoas, iludidas, pensam que o seu «patriotismo» se deve exprimir quando a sua nação é posta em causa. Mas aqui, não se trata da nação em si mesma, trata-se de dirigentes concretos, responsáveis materiais e morais por muitos crimes cometidos, pelas políticas de violência contra Estados e povos, que não eram nenhuma ameaça para os EUA.