Enquanto o mistério de quem é responsável pela sabotagem dos dois petroleiros no golfo de Omã permanece por resolver, tem sido bem claro que a administração Trump levou a cabo a sabotagem das encomendas de petróleo iranianas desde 2 de Maio, quando anunciou a sua intenção de causar uma redução das exportações de petróleo do Irão até zero, negando ao regime a sua principal fonte de rendimento.” A medida estava destinada à China, Índia, Japão, Coreia do Sul e Turquia, países que compram petróleo iraniano e agora têm de enfrentar ameaças dos EUA se continuarem a fazê-lo. Pode não ter sido uma força militar dos EUA a danificar os navios transportando petróleo iraniano, mas as suas acções têm o mesmo efeito e deveriam ser consideradas acções de terrorismo económico. A administração Trump também está a realizar um roubo massivo ao apoderar-se de 7 biliões de dólares da venda de petróleo da Venezuela impedindo o governo Maduro de acesso ao seu próprio dinheiro. De acordo com John Bolton, as sanções sobre a Venezuela têm efeito sobre um valor de 11 biliões de dólares de exportações de petróleo em 2019. A administração Trump também ameaça as companhias de navegação que transportam o petróleo venezuelano. Duas companhias, uma baseada na Libéria e outra na Grécia, foram já atingidas com multas por transportar petróleo venezuelano para Cuba. Não abriu buracos nos navios mas trata-se igualmente de sabotagem. Quer no Irão, Venezuela, Cuba ou Coreia do Norte ou ainda numa das 20 nações debaixo das sanções dos EUA, a administração Trump tem usado o seu peso económico para tentar impor mudança de regime ou mudanças importantes de políticas, em todo o globo.




Mortíferas

As sanções dos EUA contra o Irão são particularmente brutais. Embora tenham falhado totalmente obter as mudanças de regime desejadas pelos EUA, têm causado tensões crescentes com parceiros comerciais dos EUA pelo mundo fora e têm causado um sofrimento terrível ao povo comum no Irão. Embora os alimentos e os medicamentos estejam tecnicamente isentos das sanções, as sanções dos EUA contra os bancos iranianos  como o Parsian Bank, o maior banco não estatal do Irão, tornam quase impossível processar pagamentos para bens importados e isso inclui alimentos e medicamentos. A escassez resultante em medicamentos é responsável por ter causado milhares de mortes no Irão e as vítimas são normalmente pessoas comuns, não os Aiatolas nem os ministros do governo. A media corporativa nos EUA tem sido cúmplice com a pretensão de que as sanções dos EUA são um meio não violento para criar pressão sobre os governos visados com vista a forçá-los a uma determinada mudança de regime democrática. As notícias dos EUA raramente mencionam o seu impacto mortífero sobre as pessoas comuns, antes culpando as crises económicas resultantes apenas nos governos que estão sendo sancionados. O impacto mortífero das sanções é evidente na Venezuela, em que as sanções económicas severas atingiram a economia que já se ressentia da baixa dos preços do petróleo, da sabotagem pela oposição, pela corrupção e pelas más políticas governamentais. Um relatório conjunto anual por três universidades venezuelanas em 2018 mostrou que as sanções dos EUA eram em grande parte responsáveis por pelo menos umas 40 mil mortes adicionais nesse ano. A Associação Venezuelana Farmacêutica noticiou que havia uma carência de 85% dos medicamentos essenciais em 2018. Na ausência de sanções dos EUA, a retoma do nível global dos preços do petróleo em 2018 teria trazido pelo menos uma ligeira subida a economia na Venezuela e mais adequadas importações de comida e de medicamentos. Em vez disso, as sanções financeiras dos EUA impediram a Venezuela de rolar as suas dívidas e privaram a indústria petrolífera de dinheiro fresco para compra de peças, para reparações e para novos investimentos, causando ainda mais dramática quebra na produção de petróleo, relativamente a outros anos em que havia baixos preços de petróleo e depressão económica. A indústria petrolífera fornece 95% das receitas externas da Venezuela, portanto, ao se estrangular a sua indústria de petróleo e cortando a Venezuela do crédito internacional, as sanções previsível e intencionalmente capturaram a população venezuelana numa espiral descendente mortal. Um estudo por Jeffrey Sachs e Mark Weisbrot para o Centro de Investigação de Economia e Política intitulado “Sanctions as Collective Punishment: the Case of Venezuela,” [Sanções como Punição Colectiva; o Caso da Venezuela] relataram que o efeito combinado das sanções de 2017 e de 2019, têm a consequência de um impressionante declínio de 37,4% no PIB real da Venezuela em 2019, no seguimento de um declínio de 16,7% em 2018 e somando-se a uma quebra para lá de 60% nos preços do petróleo em 2012 e em 2016.
Na Coreia do Norte, muitas décadas de sanções, junto com extensos períodos de secas, deixaram milhões desta nação com 25 milhões de habitantes sofrendo de malnutrição e empobrecidos. As zonas rurais em particular, carecem de medicamentos e de água potável. As sanções ainda mais severas impostas em 2018 impediram a maior parte das exportações do país, diminuindo a capacidade do governo conseguir pagar as importações de comida para aliviar a escassez.



Ilegal 

Uma das características mais destacadas das sanções dos EUA é seu alcance extraterritorial Os EUA castiga os negócios de terceiras partes com penalidades por «violar» as sanções americanas. Quando os EUA abandonaram unilateralmente o acordo nuclear e impuseram sanções, o Departamento do Tesouro vangloriou-se de que, apenas num dia, a 5 de Novembro de 2018 sancionou mais de 700 indivíduos, entidades, companhias aéreas e marítimas fazendo negócios com o Irão. No que respeita à Venezuela  foi noticiado pela Reuters que, em Março de 2019 o Departamento de Estado deu “instruções a empresas e refinarias ao nível mundial para cortar os fornecimentos de petróleo venezuelano ou serem elas próprias a sofrer sanções, mesmo no caso das compras efectuadas não serem proibidas pela lista publicada de sanções dos EUA.” Uma empresa de petróleo queixou-se à Reuters, “Este é o modo de operar dos EUA nos dias de hoje e depois telefonam-nos para dizer que também existem regras que eles também querem que nós observemos.” Os membros do governo dos EUA dizem que as sanções irão ser benéficas para os povos da Venezuela e do Irão, ao empurrá-los a insurgirem-se e a derrubar os seus governos. Visto que o recurso à força militar, os golpes e operações encobertas para derrubar governos estrangeiros têm sido comprovadamente  catastróficas no Afeganistão, no Iraque, no Haiti, na Somália, nas Honduras, na Líbia, na Síria, na Ucrânia e no Iémene, a ideia de usar a posição dominante dos EUA e o dólar nos mercados financeiros internacionais como forma de «soft power» e assim conseguir mudanças de regimes, pode ser uma tentação de políticos dos EUA como forma mais fácil de coerção e mais fácil de convencer um público doméstico cansado de guerras e aliados hesitantes. Mas mudar do «choque e medo» do bombardeio aéreo e da ocupação militar para os silenciosos meios causadores de mortes por doenças curáveis, por desnutrição e por pobreza extrema está longe de ser uma opção humanitária e não é mais legítima do que o uso da força militar à luz do direito internacional. Denis Halliday era um auxiliar do Secretário Geral da ONU, que serviu como coordenador humanitário no Iraque e demitiu-se da ONU, em protesto pelas sanções brutais contra o Iraque em 1998. “Sanções pontuais, quando impostas pelo Conselho de Segurança, ou por um Estado, sobre um país soberano são uma forma de guerra, um instrumento grosseiro que inevitavelmente pune cidadãos inocentes” segundo Denis Halliday. “Mas, se estas são deliberadamente alargadas, sendo o seu resultado mortífero conhecido, neste caso as sanções podem ser consideradas genocídio." Quando a embaixadora dos EUA Madeleine Albright disse, no programa da CBS ‘Sixty Minutes’ em 1996, que a morte de 500.000 crianças iraquianas para tentar derrubar Saddam Hussein «se justificava» a continuação das sanções da ONU, contra o Iraque, estas estavam de acordo com a definição de genocídio. 
Nos dias de hoje, dois Relatores Especiais da ONU, nomeados pelo Conselho da ONU dos Direitos Humanos, entidades sérias e independentes, avaliam o impacto das sanções dos EUA sobre a Venezuela e as suas conclusões gerais aplicam-se igualmente ao caso do Irão. Alfred De Zayas visitou a Venezuela pouco depois dos EUA terem imposto sanções financeiras em 2017 e redigiu um relatório extenso sobre o que viu aí. Detectou impactos significativos devido à dependência de longo prazo da Venezuela em relação às exportações de petróleo, à fraca eficácia governativa e à corrupção, mas também condenou fortemente os EUA pelas suas sanções e «guerra económica». «As sanções económicas e os bloqueios, nos dias de hoje, são comparáveis com os cercos de cidades na idade-média» escreveu De Zayas «As sanções do século vinte e um, tentam por de joelhos não apenas uma cidade, mas países inteiros» O relatório de De Zayas recomendava que o Tribunal Penal Internacional deveria investigar as sanções dos EUA contra a Venezuela, como um crime contra a humanidade. 
Um segundo Relator Especial da ONU, Idriss Jazairy, produziu uma declaração vinculativa em resposta ao golpe falhado de Janeiro, apoiado pelos EUA, na Venezuela. Condenou a «coerção» por poderes externos como uma «violação das normas do direito internacional». «Sanções que podem levar à fome em massa e a carências de meios médicos não são a resposta à crise na Venezuela,” disse Jazairy, “…provocar uma crise económica e humanitária … não é um ponto de partida para solução pacífica de disputas.” As sanções também violam o Artigo 19 da Carta dos Estados Americanos, a qual é explícita na proibição de intervenções “seja por que motivo for, nos assuntos internos ou externos de qualquer outro Estado.”  Acrescenta que “proíbe não só a intervenção armada mas também qualquer outra forma de interferência ou ameaça tentada contra o Estado ou contra os seus elementos políticos, económicos e culturais.” O Artigo 20 da Carta da OEA é igualmente pertinente: “Nenhum Estado pode usar ou encorajar o uso de medidas coercivas de carácter económico ou político em ordem a forçar a vontade soberana de outro Estado e obter assim quaisquer tipo de vantagens” Nos termos da lei dos EUA, tanto as sanções de 2017 como 2019 contra a Venezuela são baseados em declarações presidenciais não substanciadas de que a situação na Venezuela criou uma «emergência nacional» nos Estados Unidos. Se os tribunais federais dos EUA não tivessem tanto medo de chamar à responsabilidade o ramo executivo em matérias de política externa, tal poderia ser desafiado e posto em causa, muito provavelmente, com ainda mais rapidez do que caso semelhante, o caso da «emergência nacional» na fronteira do México, pelo menos neste caso, estava geograficamente conectado ao território dos EUA.



Ineficaz

Existe ainda mais uma razão importante para poupar as pessoas do Irão, Venezuela e outros países seleccionados a este impacto mortífero e ilegal das sanções económicas dos EUA: não funcionam.
Há vinte anos, enquanto as sanções económicas retiravam 48% do PIB do Iraque durante 5 anos e os estudos sérios documentavam o seu efeito genocida, tais sanções não removeram Saddam Hussein do poder. Dois Assistentes dos Secretário Geral da ONU, Denis Halliday e Hans Von Sponeck, demitiram-se em protesto, das suas posições altamente colocadas na ONU, para não terem de por em prática estas sanções mortíferas. Em 1997, Robert Pape, então professor no Colégio de Dartmouth, tentou resolver as questões mais básicas no que respeita ao uso de sanções económicas para conseguir mudanças políticas noutros países, tendo para tal coligido e analisado dados históricos de 115 casos em que tal fora tentado, entre 1914 e 1990. O seu estudo intitulado “Why Economic Sanctions Do Not Work,”[Porque é que as Sanções Económicas Não Funcionam] concluiu que as sanções só tinham sido bem sucedidas em 5 de 115 casos. Pape colocou também uma questão importante e desafiadora: “Se as sanções económicas são raramente eficazes, porque é que os Estados continuam a usá-las?” Ele sugeriu três possíveis respostas: “Os responsáveis políticos que impõem as sanções sobrestimam sistematicamente a sua eficácia como meio coercivo.” “Os líderes que estão inclinados, em último recurso, a usar a força armada esperam que as sanções prévias tenham o efeito de aumentar a credibilidade das ameaças militares subsequentes.” “A imposição de sanções confere aos líderes vantagens domésticas maiores quer do que negar os apelos a sanções, quer do que o recurso à força.” Pensamos que a resposta possa ser uma combinação de todas as opções anteriores. Mas estamos convictos firmemente que nenhuma combinação das razões acima ou outro raciocínio possam jamais justificar o custo humano genocida das sanções económicas no Iraque, na Coreia do Norte, no Irão, na Venezuela ou em qualquer outro lugar. 
Enquanto o mundo condena os recentes ataques contra os petroleiros e tenta identificar os responsáveis, as condenações globais deveriam também incidir sobre a nação responsável pela guerra económica mortífera, ilegal e ineficaz, que está no cerne desta crise: Os Estados Unidos da América.

Medea Benjamin é uma activista política dos EUA, co-fundadora do Code Pink https://www.codepink.org