O principal factor que tem impedido um progresso verdadeiro do nosso país não é político, nem económico. Embora esse mesmo factor tenha um efeito muito extenso e profundo tanto na política (no sentido de cidadania), como na economia. Já se compreendeu, pelo título, que esse factor é a educação. Pois bem; não é completamente verdade, pois o que é crítico, neste caso, não será «mais» educação, nem «melhor» educação, mas sim OUTRA educação.
A sociedade evoluiu nos últimos 50 anos (no meu tempo de vida adulto, desde cerca de 1974, até 2018), a um ritmo tal que apenas podemos perceber se estudarmos a lentidão do ritmo das transformações tecnológicas e suas consequências sociais ao longo das épocas históricas, como o fizeram vários historiadores e antropólogos.
Houve uma aceleração incrível das transformações sociais, decorrentes das transformações tecnológicas, com o que vários autores designam por 2ª revolução industrial ou «revolução digital».
Ora a modificação da sociedade é uma consequência, em primeiro lugar, das possibilidades de comunicação, de como se pode optimizar o trabalho, de como se podem transportar mercadorias e pessoas. Em segundo lugar, estas transformações implicam uma modificação na sociedade, que é obrigada - de bom ou mau grado - a incorporar tais mudanças na estrutura e funcionamento, sob pena de ficar estagnada, sujeita a ser «colonizada» ou «neo-colonizada».
Em Portugal, devido a um regime fascista atávico, que intencionalmente destruiu a única conquista válida da república liberal democrática, o ensino esteve demasiado tempo entregue ao que existe de mais ignorante e reaccionário.
Salazar tinha medo que o povo tivesse conhecimentos, considerava que para o «bom povo», bastava «saber ler, escrever, contar e elementos da História pátria».
Podia aqui fazer um longo discurso sobre o que representou não apenas em termos do analfabetismo sensu stricto como em termos culturais. Não é por acaso que Portugal foi considerado durante muito tempo (e ainda será parcialmente verdade, hoje...) o país dos três F (futebol, Fátima e fado).
O ensino em Portugal não está verdadeiramente mudado, desde o 25 de Abril, na sua essência, pois os políticos que têm ocupado postos no ministério da educação são - quer tenham experiência pedagógica prévia, quer não - imbuídos de «espírito de missão», ou seja, convencidos/as que eles/elas é que sabem.
Na verdade, vemos os sucessivos textos legislativos, leis, decretos-leis, etc., com preâmbulos anunciando as mais puras intenções e com referência às mais progressivas teorias e correntes na pedagogia.
Mas, ao nível da aplicação, tudo falha! Por exemplo, não existe quase nunca compatibilização: não existe preocupação em que os programas sejam compatíveis entre si; o aluno não os consegue integrar por si próprio, nem essa preocupação existe ao nível dos docentes, muitas vezes.
No geral, há uma total despreocupação em avaliar realmente o estado do ensino, no concreto. Esta afirmação pode parecer estranha, se recordarmos que, desde os anos 90 até hoje, tem havido uma autêntica inflação de «estudos de avaliação», uma avaliacionite generalizada...para se perceber que, afinal a contradição é só aparente e não real, temos de ter em conta os factos seguintes:
- Este ensino não é fundamentalmente mais que AMESTRAMENTO, ou seja «treinar» para o teste ou o exame; esta é a verdadeira norma à qual alunos terão de se submeter ... Isso é visto por todos, ministério, professores, pais, sociedade em geral, como a «grande questão».
O erro é demasiado grosseiro e generalizado para não ser deliberado. Trata-se de táctica, de intenção, de um propósito definido. Claro que existe muito boa gente em estado de «denegação». Estas pessoas vão dizer que «o que é preciso é mais isto ou aquilo» (muitas vezes mais horas de aula da disciplina que, segundo ele/ela, é deixada para trás).
Porém, eu penso que a inqualificável (porque abaixo de tudo) classe política e empresarial que nos governa, tem inconscientemente o desejo que as jovens gerações, especialmente as que pertencem às classes mais modestas, não consigam ultrapassa-los, a eles ou a seus filhos, que põem em colégios privados.
Eles revelam assim a sua lógica de «comprar» uma «boa» educação, não a lógica republicana, que seria o oposto («aquilo que é bom para o cidadão comum, também é bom para mim e para minha família»).
Mesmo os filhos-família, nos «bons» colégios privados, estão sujeitos a programas intensos de condicionamento. Este condicionamento não tem nada que ver com o desenvolvimento harmonioso das capacidades e a procura de que os jovens se insiram de forma produtiva na sociedade. A avaliação obsessiva e o subordinar os fins da educação à avaliação (que monstruosidade!) tem a sua própria lógica, mesmo que essa lógica seja a do doente mental.
É um condicionamento para enquadrar toda a sociedade segundo a ideologia da «meritocracia», de fazer com que as pessoas se conformem.
As altíssimas taxas de «insucesso» são o principal produto deste sistema. Pois o sistema, na verdade, «funciona», visto de uma certa maneira ... porque está desenhado para fabricar um elevado número de «falhados», de pessoas frustradas, diminuídas e conformadas com o que as espera, na vida adulta: um trabalho precário, mal pago, intermitente, sem perspectivas nenhumas de carreira e sem um mínimo de remuneração estável, que permita fundar uma família e ter filhos.
Alias, não há dúvida que a queda demográfica acentuada dos últimos decénios em Portugal se deve, em grande parte, à deficientíssima integração dos jovens no mundo profissional.
Assim, o bloqueio de uma verdadeira transformação da educação, trava todos os outros sectores da vida social e económica. Este bloqueio, como uma espécie de neurose obsessiva colectiva, limita a capacidade do país. Assim, Portugal não deixará jamais de ser uma espécie de «parente pobre e humilde», face às potências que têm tutelado este rectângulo, que poderia ser um belíssimo jardim, mas tem estado muito mal cuidado!
A educação não é sinónimo de amestrar. Decorar não é aprender. Saber não é regurgitar o que vem nos livros, ou aquilo que o prof. disse nas aulas... Tudo isto são evidências. Porém, vemos que as pessoas concordam superficialmente com elas, mas - na vida real - farão, ou aconselharão, exactamente o contrário: «educação» é amestrar; decorar é «aprender»; regurgitar é «saber»...
Note-se que a educação é toda ela assim, da escola básica à faculdade.
Muitos alunos têm medo de pensar. Têm pânico, face a uma pedagogia que se proponha fazer/agir, em vez de «decorar»; a investigar, em vez de «papaguear» frases ou teoremas, ou seja o que for. Para estas crianças ou jovens, o que se lhes pediu durante toda a vida e aquilo em que foram «amestrados», foi treinar a capacidade de decorar e reproduzir.
Nenhum modelo pode ser mais contrário ao desenvolvimento da criatividade, da autonomia, da iniciativa, do espírito de descoberta.
Tenho podido constatar que, se algum professor se coloca na postura de tentar uma pedagogia virada para os valores acima mencionados, é logo «posto na ordem» por colegas autoritários/as, ou mesmo pelos encarregados de educação, seguros de saberem melhor quem é «bom» ou mau «prof»!!
Ao nível do comportamento social, verifica-se o resultado desta disfunção educativa pela ausência de civismo em demasiadas pessoas; os que têm hoje 20 anos, estão imbuídos dos mesmos vícios que os das gerações anteriores. Portanto, há perpetuação de uma certa mentalidade, de geração em geração.
Há uma hegemonia do discurso institucional e mediático a reafirmar a obsessiva primazia da «avaliação» sobre tudo o resto.
Este discurso é a «marca d'água» duma tecnocracia pedagógica que se esmera em ver, apenas e somente, o que lhe convém ver: o aspecto quantitativo. Porque, quando «avaliam», não estão propriamente a avaliar, não estão preocupados com o aspecto de remediação, quer ao nível individual, quer de turma, quer no geral. Isto, a meu ver, mostra a sua total incompetência e má-fé pedagógica, pois uma avaliação séria deve ter como objectivo principal (ou mesmo, nº1) detectar problemas na aprendizagem, para os CORRIGIR.
A avaliacionite é o contrário: é transformar a avaliação no fim em si mesmo, no objectivo principal e não subordinado.
Na realidade, o nome «avaliação» está mal aplicado por essas pessoas, porque o que se pretende é somente a classificação, para seleccionar em função de critérios, supostamente transparentes, mas que - de facto- são o contrário disso.
Os sistemas educativos até se podem aferir/avaliar dum modo prático, sem dúvida. Numa sociedade capitalista, isso está um bocado limitado à «selecção pelo mercado»; mas... não é este o mantra que todos os governantes têm na cabeça?
O modo prático de avaliar é simplesmente a empregabilidade: determinar quantos conseguem, num prazo x, ingressar numa profissão, num posto de trabalho, conforme com a formação recebida.
Estes estudos e dados estatísticos são muito deficientes, para não dizer ausentes, em Portugal. Isso, apesar dos belos discursos, revela uma enorme despreocupação com o «desperdício» humano.
Em Portugal, não se dá suficiente relevo ao fenómeno de muitos jovens não terem saída profissional nenhuma, uma vez percorrido um percurso (normalmente longo) de formação. Um fracasso destes tem profundas repercussões psicológicas; poucos são os que possuirão energia para enfrentar as condições adversas e tentar, mesmo assim, singrar na vida!
Apenas toquei ao de leve na questão.
Mas o meu propósito neste escrito é antes o de «levantar a lebre», pois sei que existem leitores/as capazes de aplicar - com acuidade e bom senso - algo desta análise ao seu contexto pessoal e que conhecem casos concretos, quer no plano académico, profissional ou familiar.