O anúncio pela administração Trump da subida universal e indiscriminada dos direitos de alfândega, NÃO FOI GENUINAMENTE motivada por uma estratégia destinada a fazer regressar a indústria americana que se expatriou, sobretudo para a Ásia e em particular para a China.
Muitos fatores impedem - na prática - que este retorno tenha lugar.
- Em primeiro lugar, a impreparação do mercado de trabalho americano para sustentar uma produtividade próxima da dos trabalhadores chineses. Um episódio desta guerra industrial é esclarecedor; ele envolve a empresa de semi-condutores (chips) de Taiwan, a TSMC: Há cerca de um ano, decidiram implantar uma fábrica no Texas. Tiveram imensas dificuldades em recrutar pessoal para esta fábrica. A qualidade dos recrutas estava nitidamente abaixo do padrão dos operários chineses, em Taiwan. Tiveram de importar de Taiwan a maior parte dos trabalhadores, para que a fábrica pudesse funcionar.
- Além do fator produtividade, existe o fator salarial; embora o salário médio dos operários na China continental tenha subido bastante - ao ponto de algumas indústrias terem ido para o Vietname e outros países asiáticos, com mão de obra mais barata - este salário ainda é muito mais baixo que o salário médio dos operários nos EUA. Ainda por cima, estas fábricas, para conseguirem reimplantar-se nos EUA, teriam que oferecer salários acima da média e considerados atrentes pelos americanos.
- Outro fator é o enorme volume de negócios das marcas americanas dentro da própria China, desde a Apple, à Tesla: As grandes marcas americanas que fabricam seus produtos na China, também estão muito envolvidas no mercado chinês. A saída das suas fábricas da China seria acompanhada pela sua exclusão deste mercado, o mais promissor. Note-se que a economia chinesa continua a crescer, embora a ritmo mais moderado (de 6% anual), enquanto as economias norte-americana e europeia estagnaram, ou entraram em recessão.
- Finalmente, o que pretende a administração Trump com a manobra de «suspender» as tarifas para os países da UE, mantendo tarifas proibitivas para a China?
Obviamente, pretende separar a Europa da China, isolar a China, excluindo-a do mercado europeu (e vice-versa). Assim, julgavam que conseguiam enfraquecer a China e manter a Europa numa posição subordinada, em termos industriais e estratégicos, em relação aos EUA. Mas, a manobra foi compreendida pela eurocracia. A Comissão Europeia não reagiu de forma «dócil». Ela está a tentar negociar uma aliança com a China neste momento, visto que perdeu toda a confiança na administração Trump, para negociar tarifas e comércio com os seus homólogos europeus.
- No imediato, o mundo ocidental encontra-se à beira de um novo colapso financeiro. É provável que a administração Trump faça este jogo perigoso, usando tarifas alfandegárias como «ariete» para demolir a globalização neoliberal e a OMC [*]. Como anti-globalistas, isto faz parte do seu programa. Eles pensam que, face à subida doutras potências globais, só assim poderão manter um certo número de países na sua órbita, forçando-os a escolher o seu campo.
Se esta interpretação vos parecer pouco plausível, tenham em conta os factos seguintes:
1) O império do dólar tem estado a perder terreno no comércio internacional
2) O anúncio da divisa dos BRICS, que funcionará numa primeira fase como intermediário contabilístico nas trocas entre membros dos BRICS, está para breve
3) A China lançou o sistema de pagamentos internacionais (homólogo do SWIFT, controlado pelos EUA), com uma eficiência superior à do seu concorrente.
4) A Arábia Saudita e a China acabaram de «enterrar» o petrodólar, com um acordo onde estão explícitas a compra de crude saudita em Yuan e a venda de material militar sofisticado chinês às forças armadas sauditas.
Devido a uma media mainstream completamente comprada, poucas pessoas no Ocidente têm a noção exata deste e doutros processos. Mas, o facto de que o grande público seja mantido ignorante, não vai impedir a decadência, nem a paralisia estratégica dos EUA face a um mundo cada vez mais multipolar.
O pânico dos governos, tanto europeus como americano, tem-se traduzido numa série de medidas histéricas e contraditórias, mostrando a sua desorientação completa, face a cenários cuja evolução é muito diferente da que eles sonharam: Primeiro, foi a derrota da OTAN no terreno ucraniano face à Rússia, fracasso estrondoso dos ocidentais. Agora, veio a manobra trumpiana de quebrar a globalização usando a guerra tarifária como pretexto.
Não será difícil para os países agrupados nos BRICS tirarem o maior partido do fracasso destas manobras aventureiras e desestabilizadoras. Será até muito fácil, pois basta que continuem a fazer o que têm feito, serenamente, sem se deixarem invadir pelo pânico e histeria reinantes nas sedes do poder ocidentais**.
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*NB1: O que me parece certo é que o efeito desta profusão de «tarifas» (taxas aduaneiras) é apenas o de quebrar a globalização neoliberal, acabar com o comércio internacional baseado no Direito. Em vez disso, instaura-se a força, a pressão, a chantagem, como normas nas relações internacionais, como no passado, durante milénios. A liberdade de comerciar e a existência de regras do comércio internacional estavam a dificultar o domínio direto dos oligarcas sobre os países/mercados.
**NB2: Veja o balanço destas últimas duas semanas de guerra comercial entre os EUA e a China, com Ben Norton, no programa de Danny Haiphong: