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domingo, 27 de junho de 2021

Nova espécie humana fóssil descoberta no Norte da China


«Ji Qiang, um professor de paleontologia da Universidade GEO de Hebei e um dos coautores da comunicação, referiu que soube pela primeira vez do crânio por um agricultor, em 2018.
O crânio, foi guardado pelo avô deste agricultor, que o tinha achado durante a ocupação japonesa, debaixo de uma ponte sobre o rio Songhua, em Harbin, em 1933. No entanto, o avô morreu sem ter podido indicar o local preciso onde ele encontrara o crânio, de acordo com os jornais.
Ji convenceu a família a doar o espécimen ao museu de geociência da Universidade e começou a investigar o achado juntamente com seu colega da universidade, Ni Xijun e com Chris Stringer, do Museu de História Natural de Londres.»
 [ Citação do início de notícia do SCMP]

Assim começa a história tão improvável duma descoberta, com imprevisíveis implicações no entendimento da evolução humana.
Este espécimen, segundo os autores chineses, representaria uma nova espécie do género Homo, que o batizaram de Homo longi. É chamado Homem-dragão, devido ao rio «long» (= dragão), perto do local onde foi achado.

 Homo longi está representado à direita. À sua esquerda,
                                         espécies precursoras, segundo os autores chineses

Os seus descobridores pensam que seja um representante tardio duma linhagem que se desenvolveu autonomamente na Ásia, a partir do Homo erectus.   
Outros discordam, vendo-o antes como representante dum ramo que poderá ter origem no Levante (ver descoberta muito recente em Israel).
Outros ainda, têm esperança que este crânio seja de Homo denisovans. Além do achado inicial na gruta de Denisova na Sibéria, do qual se extraiu e sequenciou o ADN, foi encontrada uma mandíbula no Tibete, identificada por sequenciação de proteínas como sendo da mesma espécie, H. denisovans.
 
Estima-se que H. longi viveu há cerca de 146 mil anos, através de datação pelo método do urânio,  a partir do sedimento que aderia às cavidades nasais. Não existe uma datação mais segura pois, dadas as circunstâncias do achado, não foi possível conhecer e estudar o local onde foi desenterrado. 

                       Na imagem: reconstituição artística 
do «dragon man»
                                                               

Existem outros restos fósseis muito antigos do género Homo, oriundos doutras zonas da China que são difíceis de classificar. Talvez sejam fósseis da mesma espécie, ou de espécies próximas de H. longi. São interrogações que somente o estudo comparado desses fósseis poderá esclarecer. 
De qualquer maneira, pode-se ter a certeza que esta descoberta vai ser um ponto de inflexão importante: Irá obrigar a rever etapas do surgimento da espécie humana moderna e do seu relacionamento com espécies humanas extintas. 
Com efeito, hoje não restam dúvidas de que as espécies humanas fósseis tinham uma sofisticação semelhante à nossa:
- Sabemos que houve cruzamentos entre estas e a nossa espécie. 
- Por outro lado, os vestígios de indústria lítica, as ornamentações (como conchas e pigmentos, presentes em locais de neandertais), os vestígios de fogueiras, indicam um grau tecnológico semelhante. 
- Quanto às capacidades cranianas, elas são iguais ou superiores às modernas, implicando massa cerebral igual ou superior à da nossa espécie.
Tudo isto testemunha que houve espécies diferentes da nossa, com capacidades intelectuais idênticas ou semelhantes às dos H. sapiens
Este conjunto de evidências obriga-nos a reequacionar o emergir da humanidade: houve convergência de vários ramos, não sucessivas etapas numa linhagem única.

PS1 (20-08-2021): Foi recentemente construída uma árvore filogenética do género Homo, no Pleistoceno. Ela tem em conta a nova espécie H. longi e as suas relações às outras espécies contemporâneas.


sexta-feira, 30 de novembro de 2018

INVENTOR DA TÉCNICA DE CRISPR APELA A MORATÓRIA NOS HUMANOS

 Dois artigos sobre os bébés chineses com os genes corrigidos e meu comentário em baixo:




O escândalo deu a volta ao mundo. Um cientista chinês realizou uma manipulação em embriões humanos, da qual nasceram duas meninas. A manipulação consistiu em modificar certo gene, com a técnica de CRISPR, uma técnica muito precisa que permite modificar uma sequência de ADN da forma que se queira. Neste caso, o gene manipulado foi de uma proteína de membrana que se exprime na superfície dos leucócitos e constitui a «porta de entrada» do vírus HIV, causador da SIDA, no seu interior. As pessoas cuja tal porta de entrada esteja modificada terão uma resistência ao vírus. O cientista argumenta que as meninas terão uma vantagem em terem essa resistência à doença auto-imune. Mas o facto é que esta modificação pode conferir fragilidades em relação a outras doenças. Os críticos apontam o facto, revelado pelo próprio cientista chinês, de que uma das duas gémeas apenas possui uma cópia modificada do gene. Nestas circunstâncias, esta não terá qualquer vantagem, pois continuará susceptível à infecção com HIV, mas ficará com uma fragilidade que poderá ter consequências. Em particular, certas doenças auto-imunes ou uma deficiência na panóplia de combate às infecções de que os leucócitos são os protagonistas. Pessoas que eram deficientes (naturalmente) no gene para esta proteína tinham uma maior susceptibilidade ao vírus do Nilo Ocidental que pode originar gripe mortal. 
Mesmo que tudo corra perfeitamente, existem muitos meios para prevenir a infecção com HIV, sendo ela muito tratável, hoje em dia, caso ocorra. Outras manipulações genéticas no ser humano envolveram genes cuja presença ou deficiência conferia doenças graves, potencialmente mortais. Nestes casos, a substituição pelo gene normal, ao ser posteriormente transmitida à descendência, caso esses indivíduos tivessem filhos, não iria acrescentar uma versão modificada de um gene.  Não é o caso da modificação efectuada nas gémeas. Se estas se reproduzirem, irão transmitir (apenas uma cópia) do referido gene. Sendo altamente provável que a outra cópia seja normal, pode-se desde já afirmar que os indivíduos da descendência terão uma susceptibilidade ao vírus HIV praticamente igual às pessoas em que ambos os genes são normais. 


O inventor desta técnica de manipulação dos genomas, que é aplicável a qualquer ADN, seja ele de planta, animal  ou mesmo humano, na sequência deste caso, fez uma declaração no sentido de propor uma moratória da sua aplicação a seres humanos.
Penso que no mínimo deveria ser necessário avaliar por um comité de peritos independentes a justificação ética de tais intervenções no futuro. Parece-me desejável que técnicas seguras sejam aplicadas aos humanos quando isto tenha reais e indiscutíveis benefícios para os pacientes, como no caso de reparação de genes conferindo doenças muito debilitantes, por exemplo a hemofilia. O grande perigo destas técnicas será a sua aplicação por técnicos pouco éticos para satisfazer o capricho dos pais, «desenhando» a preceito o futuro ser humano.