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quinta-feira, 8 de novembro de 2018

FUKUSHIMA - A FLORESTA RADIOACTIVA


Um documentário de NHK World sobre a vida selvagem que se desenvolveu nas áreas desabitadas da zona de Fukushima. 


Uma situação catastrófica que dura desde Março de 2011 e vai continuar. 
As consequências no Oceano Pacífico, a riqueza e diversidade da fauna também são extremamente graves.

O que mais preocupa é a ausência de informação, a ocultação da situação real da gravidade da contaminação radioactiva, sobretudo com Césio (com tempo de semi-vida muito longo). Verifica-se desde há uns anos que os isótopos radioactivos já estão a contaminar zonas da Costa Oeste dos EUA e as ilhas do Pacífico. 
Como, na realidade, o ecossistema Oceano é apenas um, a generalidade da vida marinha pode estar já a sofrer uma redução dramática. 
A ausência de resposta dos governos, sabendo eles a gravidade do problema, é muito preocupante. 
Apenas tomam medidas em relação ao aquecimento global, mas admite-se que seja apenas possível de mitigar o aquecimento, não de o evitar completamente. No entanto, o salvamento de numerosas espécies e ecossistemas oceânicos é muito mais viável, por isso a inacção é particularmente grave. Uma espécie que desaparece é uma perda irreversível; múltiplas espécies marinhas estão em risco.  
Antes de Fukushima, já havia demasiada pressão sobre muitas espécies marinhas devido a várias agressões: sobre-pesca, poluição química, aumento da temperatura e da acidez... Agora, com um aumento acentuado da radioactividade, pode haver uma cascata de extinções, desde o plâncton até às baleias.   

domingo, 9 de setembro de 2018

CRÓNICA SINO-COREANA, PARTE IV: A POESIA DE YUN-DONG-JU por Eduardo Baptista*



Antes de ler a poesia do personagem principal desta semana, Yun Dong Ju (1917-1945), nunca me considerei um apreciador de poesia. Quando penso nos poucos encontros que tive com esta arte, vêm-me à memória os meus dias do secundário em Portugal.

Em Setembro de 2013, na aula de língua e literatura inglesa, fazia um calor insuportável que nos punha, miúdos de dezassete e dezoito anos, num estado incompatível com o estudo. Contudo, a nossa jovem professora, Miss Bird, não tolerava preguiça em qualquer circunstância. De olhos e nariz afiados, Molly Bird era uma londrina imbuída duma elegância e sofisticação cultural que forçavam o nosso respeito; o sotaque dela estava impregnado daquela melodia que todo o mundo associa com a classe alta inglesa, mas não era exagerado ao ponto de ser cómico. Talvez eu ainda esteja sob o feitiço dela, mas lembro-me de ter pensado que a voz dela era feita para falar de assuntos profundos, como a poesia.
Porém, nesse dia ela não teve que se esforçar muito para captar a nossa atenção. Toda a turma, incluindo os malandros que se sentavam lá atrás a ver as últimas notícias da bola no Record.pt, pôs-se a ler o poema que Miss Bird tinha colocado em cima da mesa de cada um. Era “O Caminho Que Não Foi Percorrido”, pelo americano Robert Frost, um poema que fala sobre as escolhas difíceis que cada um de nós tem que enfrentar durante a nossa vida. Já faz mais do que quatro anos desde a última vez que li um poema de Frost, mas há uma estrofe que - sabe-se lá porquê - nunca me saiu da cabeça:

E irei dizer isto suspirando                               I shall be telling this with a sign
Algures eras e eras depois                                Somewhere ages and ages hence:
Duas estradas divergiam no mato, e eu–   Two roads diverged in a wood, and I–
Tomei a menos percorrida                                I took the one less traveled by,
E isso fez toda a diferença.                               And that has made all the difference.

Avancemos rapidamente para Março de 2018. Estava falando numa vídeo chamada com a minha mãe, chateada comigo depois de ter visto um vídeo bastante medíocre, que eu tinha feito sobre os restaurantes-tenda de Seul. Pensava que ela estaria orgulhosa do seu filho, que depois de tantos anos sem estudar seriamente a língua coreana, conseguiu conduzir entrevistas em coreano e criar qualquer coisa que tinha a ver com a cultura coreana. Mas, caros amigos «tugas», não se pode esquecer que as mães coreanas são das mais objetivas e exigentes que há neste mundo.
“Mas que me importa que tenhas passado 25 dias a filmar esse vídeo, tudo o que eu vi foi tu a gaguejar como um palerma enquanto entrevistavas essas pessoas.”
“Vá lá, mãezinha, estava frio nesse dia, é por isso que eu estava a gaguejar, não sejas assim,” eu queixei-me.
“Podias ter tomado aulas de coreano, viajado pelo país, feito qualquer coisa de útil, meu filho! Como é possível que o teu coreano ainda não tenha melhorado depois de 40 dias em Seul, a sério que pensavas que fingindo ser jornalista irias resolver o problema?”
“Pelo menos aprendi como se bebe à coreana, não podes negar que isso é útil para a minha educação,” eu respondi, na esperança de que a minha mãe iria achar piada.”
“E que tal começares pelo básico? Abre o «chat» do Facebook, acabei de te enviar um poema escrito por um dos poetas coreanos mais famosos da era moderna, Yun Dong Ju. Gostava muito de ler os seus escritos quando era moça. Memoriza-o antes da próxima conversa e assim acreditarei que a borga em Seul tinha um objetivo educacional,” e assim se despediu a minha mãe.
Meu Deus! Já me tinha esquecido quão dura ela podia ser. Olhando para o link que ela me tinha enviado, temia enfrentar o que na altura pensava ser um escrito cheio de palavras coreanas complicadas e pomposas, que alguém com um nível de coreano medíocre como eu teria dificuldade em digerir. De qualquer modo, decidi pôr estas preocupações de lado e ver quem era este Yun Dong Ju.
O link levou-me para um blog apresentando o poema “Prólogo”, um dos poemas mais famosos de Yun, ensinado em todas as escolas coreanas do segundo ciclo. Lendo a primeira estrofe, fiquei surpreendido ao descobrir que a linguagem de Yun era simples, clara e imbuída de amor pela natureza, características que me atraíram na poesia de Frost há cinco anos atrás. Abaixo, está a minha tradução do poema.


Até o dia da minha morte, eu olho para o céu                  
Para não sentir nem uma gota de vergonha,                   
Mas no meio do vento onde as folhas tremem                  
Senti-me só.                                                                               
Tudo o que morre, tem que  ser amado                            
Com uma alma que canta como as estrelas                      
E o caminho que me foi dado                                                
Andarei.                                                                                     

Nesta noite de hoje, as estrelas desvanecem no vento.        

Tanto Yun como Frost falam sobre uma estrada que os leva para um certo destino, mas para onde exatamente? Para uma criatividade artística? Para a fama literária?
- Não me parece. Frost declama ‘com um suspiro’, enquanto reflecte o caminho que percorreu, Yun olha para a frente, contemplando o futuro que o aguarda como jovem coreano sem nação própria, com um desejo de lutar contra o imperialismo japonês, por mais poderoso que ele seja, por mais graves as consequências. Em ambos casos, os dois “caminhos” não parecem estar cheios de felicidade e prosperidade, muito pelo contrário.
Seguir o destino ou ir contra a corrente não é defendido como sendo objetivamente “bom” por qualquer um destes poemas; os dois autores aceitam estoicamente escolher a estrada menos percorrida, porque sentem uma compulsão irresistível de o fazer. Ainda me lembro de quando, há cinco anos atrás, li o último verso de “O Caminho que não foi percorrido” – «e isso fez toda a diferença» – e senti um surto repentino de bravura e esperança, daquela que é decorrente da compreensão esporádica de que a única coisa a fazer é, nas palavras de Friedrich Nietzsche, nos tornarmos no que somos.
Contudo, é preciso lembrar que tal escolha só poderá trazer-nos maior infelicidade do que a aceitação da conformidade. Nietzsche, depois de ter escrito durante tantos anos, que perseguir a felicidade era um comportamento de ovelhas, não do pastor que as comanda, enlouqueceu aos 44 anos, passando os últimos anos da sua vida num asilo.  Frost, apesar de ter estado rodeado de pastos idílicos e quintas durante grande parte da sua vida, sofreu períodos de grande depressão. Da mesma maneira, o desejo de Yun de deixar a sua terra naquele cantinho remoto do nordeste da China (conhecida agora como Yanbian) e de estudar nas cidades de Seul e Tóquio, mais tarde, trouxeram-no demasiado perto das autoridades japonesas, sempre vigilantes contra os movimentos de independência organizados pelos estudantes coreanos. Encarcerado aos 25 anos, falecido aos 27, deixou-nos menos de 50 poemas, escritos ao longo da sua curta vida.
A trajetória da vida de Yun também contém um outro elemento trágico, sensível para muitos coreanos.  Yun nasceu, formalmente, com nacionalidade japonesa, em vez de coreana. Nascido em 1917, sete anos depois da anexação da Coreia, Yun nunca viu uma Coreia independente, pois a sua morte - em Fevereiro de 1945 - antecedeu a capitulação do império japonês a 15 de Agosto, de 1945.
No entanto, este artigo debruça-se sobre o nascimento de Yun, ou dito melhor, a sua terra natal, a uns 50 km de Yanji. Quando Yun nasceu em 1917, a província autónoma de Yanbian não existia, porque os coreanos naquela altura não faziam parte de um Estado omnipresente no território inteiro da China. Em 1917, pode-se dizer que Yanbian estava cheia de coreanos, em vez de djosonjok, o nome coreano da etnia minoritária coreana na China.
Naquela altura, a península coreana ainda era vista pelos coreanos como um só país e os que tinham emigrado para o nordeste da China, quer fossem em busca de uma vida melhor ou para escapar à opressão japonesa, ainda se consideravam coreanos, tinham saudades da sua terra natal, acreditando que no futuro poderiam regressar. Isto foi o mundo em que Yun nasceu.
Como disse num artigo anterior, Yanbian - hoje em dia - é vista com bons olhos pelo governo chinês. Foi galardoada inúmeras vezes com o prémio “Prefeitura Exemplar do Ano” pelo Concelho de Estado Chinês, no pólo oposto da região autónoma de Xinjiang que recentemente tem sido vítima duma campanha do governo chinês contra o Islão e etnias minoritárias islâmicas, principalmente os Uigurs.
Mas quando Yun estava vivo, Yanbian não era mansa, pelo contrário, era o foco da resistência coreana contra o imperialismo japonês. Depois da anexação japonesa da Coreia em 1910, Yanbian tornou-se refúgio para os coreanos que recusaram colaborar ou aceitar os novos governantes japoneses– era perto da fronteira sino-coreana e havia uma comunidade coreana bem-estabelecida, pronta para acolher de braços abertos os heróis da pátria. Pode-se dizer que a Yanbian de Yun tornou-se numa segunda Coreia, depois da colonização desta pelos japoneses.

Dado que Yun fez parte deste período, podem imaginar a minha surpresa, ao chegar ao local de nascimento de Yun e ter visto as palavras “poeta chinês djosonjok patriótico”, inscritas em coreano e chinês na placa da entrada.



Como eu descobri depois, isto enfurece muitos turistas sul coreanos que têm visitado a casa de nascimento do poeta, desde a sua abertura em 2012, o que levou algumas organizações mediáticas sul coreanas a fazer reportagens sobre esta apropriação chinesa deste “herói do povo”

 Reportagem da organização mediática YTN sobre a representação errónea de Yun Dong Ju como sendo chinês

Antes de chegarmos à aldeia de Mingdong, parámos para almoçar na pequena cidade de Longjing. Depois de comer um delicioso guisado de cão, descobri que havia uma escola djosonjok nos arredores, alojando um museu dedicado ao poeta Yun, assim como estátuas e bustos.

«A escola djosonjok que brilha como as estrelas», uma referência a um dos símbolos que Yun mais frequentemente usava na sua poesia, escrita sobre uma placa ao pé da porta principal da escola.

Apesar do museu estar a meio duma renovação, tive a oportunidade de ver o busto de Yun.


… e este monumento gigante, um pedregulho cinzento, tendo nele gravado: “Yun Dong Ju, o poeta”, por cima de um cubo de mármore exibindo o poema “Prólogo”, por sua vez posto em cima dum cubóide negro tendo o mesmo poema gravado, mas em chinês.



Falando com o curador do museu, um djosonjok com baixo nível de mandarim (o dialeto do norte da China), ele apressou-se a definir Yun como chinês, antes de começar a queixar-se sobre um incidente quando alguns turistas sul coreanos entraram na escola, desfraldaram bandeiras sul-coreanas, e começaram a tirar fotografias com elas, nos monumentos dedicados a Yun. O curador chamou a polícia imediatamente, recordou ele, fazendo uma cara de desdém ao descrever o que ele achava ser arrogância sul-coreana, em ignorar a singularidade dos djosonjok
Nota-se que o orgulho dos djosonjok como sendo um grupo étnico coreano distinto dos sul-coreanos, leva-os a ignorar detalhes importantes históricos, como o facto de que Yun - sem dúvida - se considerava coreano, numa altura em que os imigrantes coreanos na China não tinham sido naturalizados. 
Os djosonjok, no presente, consideram-se como cidadãos chineses. Por isso, criar uma história que reforce esta identidade é o que importa. Achei particularmente interessante o facto de que este curador, apesar de falar coreano mil vezes melhor que chinês, exprimia uma retórica pró-China.

 Eduardo Baptista e o curador do museu Yun Dong-Ju da escola djosonjok de Longjing

De qualquer forma, a peregrinação de sul-coreanos para Yanji acabou bruscamente no verão de 2016. 
A decisão do governo sul-coreano de instalar o sistema de defesa antimísseis (conhecido como «THAAD») enfureceu o governo chinês, que viu tal decisão como sendo obra dos americanos, com intenção de usar o radar poderoso do THAAD para espiar o território chinês, que é vizinho da península coreana. Por esse motivo, o governo chinês impôs uma barragem de sanções económicas com severidade nunca antes vista. O turismo entre os dois países também fez parte destas sanções, que só em Outubro de 2017 foram levantadas.

Mas deixemos a política fora desta reportagem, e voltemos ao tema principal: a poesia.

Os caracteres representando «estrela, céu, e vento», cada um gravado numa coluna de granito.  
Olhando de perto a coluna da esquerda, encontrei o poema “Prólogo” gravado em coreano


No dia em que eu visitei a casa de nascimento de Yun, a entrada estava fechada. Só depois de algumas pesquisas no Baidu (a versão chinesa do Google) é que conseguimos encontrar o número de telemóvel do guarda deste lugar, o qual chegou passados 45 minutos, em cima de um trator, fumando um cigarro, enquanto olhava para mim como se eu fosse louco. Suponho que há muitos meses que ele não abria as portas desta casa a grupos de turistas sul coreanos e muito menos a um sul-coreano viajando sozinho.

Tinha as minhas dúvidas iniciais sobre esta visita. Contudo, após entrar no pátio desta casa-museu, fiquei encantado.


Em volta do pátio, encontravam-se todos os poemas de Yun Dong Ju, gravados em coreano, em rochas pousadas no chão, e em chinês nas torres de bronze. Saborear poesia duma maneira tão visual era uma novidade para mim, e entretive-me a pular de um poema para o outro. 
Em baixo, coloquei uma pequena selecção de poemas, traduzidos de coreano para português.


“Num dia assim”


Lá ao fundo, passando os pilares do portão da frente,
Num dia em que o Sol e o Céu dançavam,
Nesta aldeia coberta de ouro, sorriam as crianças.

Para crianças que passam o dia em aulas monótonas na escola,
E naquele tédio do fim do ano que se abate sempre,
Para que elas não percebam o significado do termo «contradição»,
As suas mentes têm de ser realmente muito puras.

Num dia assim
Sinto vontade de chamar
O irmão teimoso que perdi.



“Ameijoa – eu quero ouvir o som do mar”


Ao pé do mar, a nossa irmã colheu ameijoas,
Pontilhadas, pontilhadas conchas do mar.
Aqui, aqui é o país do Norte.
As ameijoas são prendas queridas,
As ameijoas são brinquedos.
Rebolando, brincando enquanto rebola,
A concha de ameijoa solitária
Tem saudades do seu parceiro perdido.
Pontilhada, pontilhada concha do mar,
Como eu, também tens saudades,
Do som da água,
Do som do mar.




“Prólogo”


Até o dia da minha morte, eu olho para o céu                  
Para não sentir nem uma gota de vergonha,                   
Mas no meio do vento onde as folhas tremem                  
Senti-me só.                                                                               
Tudo o que morre, tem que  ser amado                            
Com uma alma que canta como as estrelas                      
E o caminho que me foi dado                                                
Andarei.                                                                                     
Nesta noite de hoje, as estrelas desvanecem no vento.   
          

“Despedida”


A neve cai, um dia chuvoso chegou,
O céu cinzento tornou-se enevoado,
E, quando o enorme comboio a vapor chora
Fiu, Fiu! meu pequeno coração geme.
A despedida é demasiado apressada e triste
Dizemos às pessoas que amamos:
Apenas nos veremos no trabalho —
E antes dos apertos de mãos quentes e que sequem as lágrimas
O comboio vira a sua cauda em direção ao sopé.



“Na noite em que choveu”


Chuá-Chuá, Cracccc!
O som das ondas batendo nas janelas,
O sono, suavemente, dispersa os meus sonhos.

O sono é apenas como a agitação de um bando de baleias negras,
É incapaz de consolar.

O fogo revela os pijamas da Yeomi honesta,
Meia-noite,
Desejo.

Na terra de Longjing, é como se o rio Gang tivesse transbordado outra vez,
Faz-me sentir mais só que no Mar da Nostalgia.




Tal como o universo das tendinhas de Seul, a poesia de Yun Dong Ju é muito “humana”, pois cobre um vasto leque de emoções e temas, ao representar com precisão a mutabilidade emocional do homem e a natureza volúvel de sua mente. Ao contrário das tendinhas, em que os adultos coreanos deixam escapar sua fúria reprimida, a poesia de Yun carece precisamente desta característica, intrínseca à personalidade estereotipada do urbanizado típico coreano.
A razão pela qual os sul-coreanos veneram tanto Yun, é provavelmente devido ao poeta ser capaz de simplesmente observar o mundo, sem julgar ou mostrar-se preocupado com a sua posição em relação à sociedade. 
Num país onde o stress no trabalho abunda e onde conformar-se com as normas restritivas é obrigatório, a poesia de Yun fornece um pouco de paz de espírito, que nos ajuda a redescobrir a nossa capacidade de apreciar ou, pelo menos observar, o nosso estado emocional, em vez de agir cegamente de acordo com o que ele dita. Perante intenções tão puras, desprovidas de motivações ocultas, os sul-coreanos não podem deixar de se sentir comovidos por alguém que viu o mundo de maneira tão oposta ao que lhes tem sido inculcado desde a infância.
Depois de duas horas em que deixei a imaginação poética de Yun Dong Ju conduzir as minhas pernas, finalmente chamei, por telemóvel, o motorista que tinha saído da casa-museu, depois de lhe ter dito que 30 minutos não seria suficiente para eu me fartar deste santuário de poesia.
Ao sair, vi-o encostado ao capot do carro, fumando um cigarro. Sorriu-me, quando me aproximei dele.
-“Então, a visita está concluída, ou quê? Já estava a preparar-me para ficar cá até amanhã de manhã” gracejou.
Ri-me, dando-me conta que provavelmente ele pensava que eu era ché-ché.
- “Talvez me tenha sentido comovido, só um pouquinho, por este Yun…”
- “Sim, eu - por acaso - também me senti comovido,” disse ele.
Olhei-o surpreendido, o que - por sua vez - o surpreendeu.
-“Não é difícil gostar do que este tipo escreve. O charme dele é escrever de uma maneira tão simples que derrete o coração de todos. Os poetas chineses são fanfarrões, não percebo metade do que eles escrevem. Mas este gajo coreano, Yun qualquer coisa, é um homem do povo!”
Fiquei feliz por ele compartilhar alguns dos meus pensamentos. Conversámos durante mais de uma hora antes do porteiro finalmente vir trancar a entrada. Era quase o pôr-do-sol e decidimos apressar-nos de volta a Yanji.

 Estava contente com os meus cinco dias passados em Yanji, uma cidade bilingue e bicultural, onde vivem coreanos desiludidos com a China, as mais bonitas professoras de piano da Coreia do Norte e onde é homenageado o poeta coreano do século XX mais bem conhecido mundialmente. 
Teria sido bom passar mais tempo com djosonjok de diferentes percursos de vida, mas Pequim chamava-me. A minha única consolação foi que, no voo de regresso, a equipa de futebol de Yanbian também estava a bordo:
Até o avião aterrar no aeroporto de Pequim, tive o privilégio de ouvir e ver homens djosonjok matulões, gozando uns com os outros e também com o único jogador negro da equipa. 
No aeroporto, à chegada, dúzias de meninas djosonjok cercaram os jogadores enquanto eles caminhavam para levantar as malas, desencorajando-me de lhes pedir um autógrafo no meu exemplar da colectânea de poesia de Yun Dong Ju.

No meu dormitório, enviei fotografias da casa-museu de Yun à minha mãe.
Respondeu-me, pouco depois: “Muito bem.”
Sorri, ao experimentar o prazer infantil de receber a aprovação da minha mãe. 
Mas, afinal de contas, se há uma verdade contida na poesia de Yun, é que nós - adultos - conservamos mais pensamentos, sonhos e comportamentos de criança do que julgamos.

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Blogs de Eduardo Baptista:

https://www.asiaunbounded.com/

http://lusoasiatico.com/

* Outras Crónicas de Eduardo Baptista disponíveis neste blog:
https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2018/08/cronica-de-pequim-arte-de-imitar-os.html https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2018/08/cronica-sino-coreana-parte-iii-eduardo.html https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2018/05/cronica-sino-coreana-por-eduardo.html


sexta-feira, 3 de agosto de 2018

JAPÃO, CENÁRIO DA PRÓXIMA CRISE?

Muitas pessoas, mesmo relativamente instruídas em termos de políticas financeiras, ignoram tudo das contas públicas e finanças do Japão, a terceira economia mundial.

                       Banco de Japón transforma su política monetaria

O Japão, essencialmente, leva a cabo uma política de impressão monetária desde os anos noventa, com zero de sucesso. A sua política monetária consiste em tornar o yen muito barato, por forma a que os investidores internacionais procedam ao «carry trade» com o dólar ou outras divisas «fortes». Com isso, aumenta a competitividade dos seus produtos, sendo um dos maiores exportadores mundiais de  produtos industriais sofisticados. Mas, o modo como «embaratece» o yen é muito importante compreender, também: o banco central do Japão compra essencialmente toda a dívida em obrigações do tesouro, sendo um papel com um rendimento virtualmente zero (0,3%). Quando se está num ambiente em deflação, manter em carteira um activo com juro próximo de zero é aceitável, pois ainda assim o valor do activo não desce, mas quando a inflação começa da despontar, como agora, com 1% sendo previsto que atinja os 2% dentro de pouco tempo, qualquer investidor quer livrar-se das obrigações japonesas da dívida que apenas lhe trazem prejuízo. 
Ora, a situação presente é de que o serviço da dívida (pagamento do capital mais os juros) ascende a 24,1% das receitas de impostos, sendo que a inflação agora é somente de 1%. O BCJ (Banco Central do Japão) está a comprar todas as obrigações que aparecem no mercado, tendo para isso que imprimir triliões de yen. É certo que os juros pagos com o dinheiro do orçamento irão quase todos para detentores japoneses, o próprio Banco Central, fundos de pensões, investidores particulares... Porém, o  peso crescente da dívida no orçamento, torna o próprio funcionamento do Estado e da economia muito frágil: Bastaria a subida de 0,3% de juros para 1% de juros - provável, numa situação onde a inflação cresce -  para que praticamente a totalidade da receita de impostos seja devorada pelo serviço da dívida. Seria um cenário catastrófico. Caso a situação atinja esse ponto, a realidade do endividamento extremo das principais economias e Estados ao nível mundial será impossível de esconder do grande público. Pois, a realidade é que essa situação já existe e os governos e bancos centrais têm-se limitado a disfarçar o descalabro. Mas a ignorância do público, em geral, que se verifica mesmo nas economias mais afluentes, é o único facto que nos distancia de um colapso geral neste cenário, em que se acumularam triliões de dívida ... essencialmente impagável! 

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

UM CRIME CONTRA A HUMANIDADE, HÁ SETENTA DOIS ANOS ATRÁS

Leiam «72nd Anniversary of Hiroshima...» aqui.


                          Sou incondicionalmente pela paz e não sou daqueles que se regozija por ver os «fantasmas» de guerras passadas serem agitados para uso e benefício dos que agora pretendem suscitar ódio e adesão a políticas nacionalistas ou imperialistas.
Porém o 72º aniversário deste horrendo crime contra a humanidade que foram os bombardeamentos nucleares de Hiroshima e Nagasaki ocorre num contexto mundial de perigo acrescido para a paz e a segurança dos povos. Todos os observadores estão de acordo que esta «guerra fria 2.0», além de ser carente de qualquer significado e justificação aceitáveis colocam o Globo terrestre inteiro numa situação de perigo idêntica ou superior à «Crise dos Mísseis de  Cuba» que colocou as duas super-potências de então à beira do confronto nuclear.
Acho importante rever e divulgar as circunstâncias históricas que rodearam o lançamento de bombas nucleares deliberadamente sobre populações inteiramente indefesas, num país absolutamente derrotado e cujo governo implorava pela abertura de negociações com vista à rendição. 
Muito mais do que um ato bárbaro de vingança por parte dos vencedores, foi um ato bárbaro de afirmação de poderio da superpotência triunfante e de aviso e ameaça muito direta aos aliados da véspera (a União Soviética). 
Assim, este crime contra a humanidade está inteiramente por julgar, por avaliar seriamente, por historiadores e pelos cidadãos, pelos professores e pelos autores de manuais escolares. Enquanto tal assim for, será mais difícil para muitas pessoas compreenderem porque razão a luta pela paz, pelo desarmamento geral, pela interdição das armas nucleares, é uma luta absolutamente prioritária. Será mais difícil, porque as pessoas comuns não imaginam que dirigentes e governos supostamente «democráticos» e lutando contra o fascismo, como foi o caso de Truman (e de Roosevelt), possam dar ordens criminosas, não por engano, mas com pleno conhecimento das consequências, para jogarem no tabuleiro do «jogo de xadrez das superpotências».

Quem pensa que eu estou interessado em levantar esta questão por «anti-americanismo», está completamente equivocado, pois eu amo o povo americano assim como todos os outros povos da terra. Não deixo de ver, justamente por isso mesmo, a necessidade de nos educarmos em relação aos poderes estatais que se autorizam (a si próprios!) a usar todas as armas proibidas e que as proíbem aos outros (menos fortes), sem a mínima preocupação humanitária, usando cinicamente os discursos do medo e do engano permanente para manterem adormecidas as consciências dos seus cidadãos.