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sexta-feira, 24 de julho de 2020

A ERA DAS GUERRAS HÍBRIDAS E O SEU SIGNIFICADO



Uma potência, os EUA, manteve-se de pé, após o colapso da sua opositora, a URSS, numa guerra «fria» (com muitos episódios «quentes»). Porém, começou também a entrar em colapso, agora. Entrou-se na era da dita « Guerra Híbrida».

Com efeito, os EUA aperceberam-se de que não podiam ganhar uma guerra convencional, mesmo com inimigos muito mais fracos do que eles. 
Como classificar, senão como fiasco, os quase vinte anos de ocupação do Afeganistão, em que os insurrectos Taliban dominam largamente províncias inteiras e estão, há anos, a negociar directamente (contra a vontade dos EUA) com os fantoches do governo «legítimo», instalados e mantidos por Washington? 
E como classificar o fiasco do Iraque, 17 anos depois da mortífera campanha destruidora, não apenas das capacidades militares, como da própria sociedade, do próprio tecido social? - Neste Iraque, a dinâmica vai no sentido de uma rejeição da tutela americana, de uma aproximação ao Irão (o arque-inimigo dos EUA) e de uma impossibilidade real de manutenção, no longo prazo, das numerosas bases militares americanas, mantidas para exercer pressão sobre os vizinhos (Irão, Rússia...) 
As guerras planeadas pelo Pentágono estão desenhadas, não para um triunfo rápido, mas para causar um máximo dano a toda a  sociedade, para fazer daqueles Estados, «Estados falidos». 
- Veja-se o exemplo da Líbia e da quase década de  guerra civil, que está a destroçar os restos dum país, outrora orgulhoso do nível de bem-estar da sua população, na era de Muammar al-Gaddafi... 

As constantes provocações dos EUA contra a República Popular da China, nos Mares do Sul da China, pela sua marinha de guerra, a guerra secreta e psicológica das suas agências de «inteligência» e todo o cortejo de sanções económicas (unilaterais; são, portanto, definidas pela ONU, como actos de guerra), fazem parte da guerra híbrida. Esta, tem sido levada a cabo constantemente por Washington, inaugurada pelo «pivot para a Ásia» de Obama e prosseguida pela administração Trump, embora sob controlo do «Estado Profundo». 
A fraqueza da administração Trump, em relação à política interna dos EUA, impediu que ele levasse a cabo plenamente o seu programa, de centrar a produção dos EUA no seu próprio solo e pondo um termo às guerras e às operações de «manutenção de paz» do Império.
Este  programa entrava em colisão frontal com os interesses da órbita financeira global, da oligarquia que domina, não apenas os mercados, como a política de Washington e das administrações que se vão sucedendo, entre presidentes republicanos ou democratas.

Um Estado em deliquescência, como venho avisando, é muito mais perigoso para a Paz, sobretudo, dado que está numa posição cimeira, como potência militar e como beneficiário dum sistema monetário internacional em crise mas, ainda assim, completamente distorcido para favorecer uma e só uma nação («exorbitante privilégio», como o designou Giscard D'Estaing ).

Qualquer incidente que surja nos mares da China, entre as frotas dos EUA e da R.P.C. será sempre uma ameaça de guerra muito séria. Se a China tivesse um comportamento análogo aos americanos, como o de patrulhar constantemente zonas costeiras do Golfo do México, roçando águas territoriais dos EUA, tal seria visto como intolerável provocação belicosa chinesa, em relação aos EUA.  
Pois, é exactamente o que acontece de forma inversa. Tanto mais,  que os EUA não têm absolutamente nenhuma reivindicação de águas territoriais nessa zona do globo. São, no entanto, causadores de instabilidade permanente, dificultando que a China, o Vietname, as Filipinas, a Indonésia (e outros), encontrem uma resolução negociada, pacífica, das suas divergências em relação à soberania de águas e ilhéus desse Mar.
O perigo que representa o comportamento agressivo dos EUA em relação a seus concorrentes, mostra que deixou de desempenhar o papel de uma «potência tutelar mundial» e que não aspira senão a manter a primazia (a hegemonia) a todo o custo, quaisquer que sejam as consequências, quer para os povos e nações com as quais se confronta, quer em relação à sua própria população.

Com efeito, uma potência mundial que se «respeite a si própria», auto-designada como «nação indispensável», nunca por nunca poderia dar mostras de incapacidade em gerir satisfatoriamente aspectos básicos da vida em comum, desde o combate à epidemia de Covid-19, até à resolução dos problemas profundos de desigualdade e de racismo. 
O mínimo da decência e bom senso, seria, perante as circunstâncias presentes, colocar entre parêntesis as suas ambições imperiais e mostrar uma face mais cooperativa ou, pelo menos, conciliatória com outras nações, para melhor enfrentar problemas mundiais na saúde, entre outros. 
Mas, isto seria não ter em conta o controlo férreo que os neoconservadores (neocons) possuem, em várias esferas do poder de Estado, em especial, na esfera da defesa e das relações internacionais. 
Se houver um agravamento da situação mundial, em especial com um aumento de nível do conflito dos EUA com a China, quem ganha com isso? 
A resposta parece-me que se deve encontrar na guerra interna (dentro do campo capitalista) entre globalistas e nacionalistas. 
Os nacionalistas (nos EUA) querem ver-se livres da herança de intervencionismo, de envolvimento do seu país nos mais diversos cenários internacionais. Querem reconstruir o tecido industrial, destruído pela oligarquia globalista, que exportou a capacidade industrial para países como a China e outros, assim obtendo, no curto prazo, astronómicos lucros derivados da exploração da mão-de-obra desses países, dez vezes (ou mais!) mais barata,  em comparação aos salários da mão-de-obra estadounidense. 
Os globalistas fazem tudo para sabotar a política de Trump, quando esta se orienta na direcção da retirada de cenários de guerra e de ocupação. Eles só ficarão satisfeitos se o expulsarem do poder, pondo lá alguém (Biden) que seja totalmente dócil aos seus propósitos.
Num ou noutro caso, o mundo não tem a ganhar com o triunfo, de uma ou outra facção. 

O único resultado positivo, para o mundo de hoje, seria uma perda efectiva e irreversível da hegemonia dos EUA, das suas classes políticas e empresariais. Sem isso, não é provável que jamais elas aceitem «jogar o jogo», como sendo mais uma nação entre outras; por outras palavras, serem actores num mundo multipolar. 
Não é certo de que tal mundo multipolar seja menos perigoso, nem relativamente mais justo, que o actual. 
Porém, é impossível a manutenção de uma situação de  hegemonia mundial, como desejam os neocons dos EUA. O mundo compreendeu isso; a cidadania americana está a despertar para esta realidade. A oligarquia americana terá de render-se à evidência ou ... será atirada para do caixote de lixo da História.