Estamos sempre ocupados a medir coisas que supomos saber medir, mesmo a felicidade! Ou seja, acreditamos que existe uma maneira de acrescentar mais felicidade, «amor», apenas com um incremento quantitativo, ou com uma diminuição de sofrimento… mas - afinal - as coisas não são bem assim! Embora pareça que o sofrimento humano global diminuiu muitíssimo, a verdade é que nós, que vivemos numa sociedade relativamente protegida da pobreza em massa, de catástrofes como a guerra ou as suas consequências, não temos em conta a evolução global do mundo. Hipertrofiamos o que está à nossa volta, ao ponto de tudo o que esteja um pouco mais longe do nosso olhar é como se não existisse, ou tem um estatuto de algo abstracto… A sociedade globalizada, em termos de informação, é (paradoxalmente) uma sociedade extremamente centrada no seu umbigo e quando não é assim, quer avaliar os outros, as outras sociedades, pela bitola da sua própria existência.
A qualidade está sempre a ser
preterida pela quantidade. A aparência, o «look», é o que importa. Nesta
sociedade, não existe nenhuma igualdade de facto, nem «meritocracia», pois as
pessoas mais medíocres podem ser içadas aos lugares cimeiros dos negócios, da
política, gozar duma popularidade assente apenas em dinheiro, em poder
económico. Os pobres ou os remediados não contam ou contam apenas como números,
como consumidores, como contribuintes, como votantes… enfim como «coisas» que
os «de cima» têm (de vez em quando) de seduzir, têm de fingir que os «compreendem»,
para melhor perpetuar a servidão voluntária.
A época que vivemos, mesmo nos
países afluentes, é caracterizada por uma involução social, mesmo em termos de certos
índices quantitativos. As patologias psíquicas e o consumo de psicofármacos
(com ou sem prescrição médica) têm aumentado exponencialmente. O sedentarismo, a
comida hipercalórica, a acumulação de agressões ambientais, fazem aumentar
também exponencialmente os números da diabetes, da obesidade, do cancro …
Os afectos são tratados de forma
completamente inadequada. As pessoas jovens em particular são, muitas vezes, enredadas
numa visão totalmente distorcida do prazer e da sexualidade. Os suicídios entre
jovens também têm crescido.
Eu não sei se podemos considerar
que existe um «progresso», quando temos tantas facilidades por um lado e tanto
desperdício e tantos problemas ambientais, decorrentes dessa abundância, por
outro. Apenas estamos a atirar os problemas para as gerações seguintes. Sabemos
que terão muito menos recursos naturais, em todas as coisas largamente
consumidas, desde as jazidas de petróleo, às de metais diversos; desde a água
disponível para consumo dos humanos, à terra fértil e aos ambientes não degradados,
não contaminados.
Valorizamos o dinheiro, que é um
mero símbolo, mas - ao mesmo tempo - deixamos que os bancos centrais e os governos organizem uma orgia de desvalorizações, por «impressão monetária», na
realidade, electrónica. Há bem pouco tempo atrás, isso era um crime grave! Na
realidade, valorizamos o dinheiro enquanto «fétiche», temos uma visão realmente
alienada do dinheiro, que vemos como fim em si mesmo, quando apenas deveria ser
considerado um meio para determinados fins.
A humanidade tem de voltar a
viver noutra dimensão que não a dos bens materiais; não apenas a nutrição do
corpo, não apenas a satisfação do desejo hedónico. Deveria parar de «medir» o
seu sucesso ou fracasso pela abundância ou falta de dinheiro.
A sociedade fragmentou-se, não
existe propriamente, de facto: existe uma colecção de indivíduos, mas solitários,
mesmo quando se acoplam. Mesmo quando «convivem», não o fazem senão na
superfície mais epidérmica. A sua vacuidade serve para esconder, a eles
próprios, a sua tristíssima condição. Muitas pessoas teimam na ilusão pois, lá
no fundo, têm medo de serem confrontadas com a sua própria vacuidade.
Uma espiritualidade, que não é
sinónimo de religião, mas é outra coisa, pode ajudar a construir indivíduos,
famílias e comunidades mais em harmonia consigo próprios. Só podemos realmente
progredir na esfera social com uma busca colectiva, mas de proximidade. Os
passos teoricamente são simples de enunciar:
- Reconhecimento da nossa própria
alienação e o assumir de que cada pessoa individual não pode, por si própria,
encontrar a solução.
- Construção de comunidades
intencionais, ou seja, que ponham em comum energias e projectos convergentes,
para mudar qualitativamente (aqui e agora) as nossas vidas.
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