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quinta-feira, 24 de junho de 2021

EVOLUÇÃO HUMANA ARBORESCENTE

Nos anos 70, em que estudei biologia na faculdade, a visão clássica da evolução humana era de um percurso linear, com a linhagem evolutiva que iria dar origem à nossa espécie, emergindo de um tronco comum ancestral. 

                  

         https://observador.pt/2015/09/10/descoberto-primo-misterioso-da-raca-humana-na-africa-do-sul/

Ao longo desse percurso evolutivo linear, as fronteiras entre as diferentes espécies do género Homo eram pouco nítidas, mas a possibilidade de ter havido uma sobreposição era descartada, como sendo resultante do muito pouco que sabíamos na altura. Este estado de coisas, podemos agora dizê-lo, era devido a uma influência ideológica na Ciência da Evolução. A linearidade mais era uma construção académica, do que um facto de observação. Mas, isso satisfazia a mente humana. Pelo menos da maioria, que gosta de imaginar processos lineares, gosta de fronteiras bem delineadas e de mecanismos que se coadunem com categorias estanques. Esta maneira de ver o humano, o seu evoluir, o ser biológico, foi completamente subvertida em menos de meio-século.

Não apenas as espécies de homininos não se revelaram conjuntos genéticos fechados, estanques, como sua progressão também não obedeceu a um modelo linear, mas arborescente.

                             Four ancient human skulls (H. erectus, H. heidelbergensis, H. neanderthalensis, H. sapiens) on a black background.

 

Figura: 

Quatro das sete espécies humanas que viveram em África e na Eurásia ao mesmo tempo há centenas de milhares de anos (H. erectusH. heidelbergensisH. neanderthalensis, H. sapiens) © The Trustees of the Natural History Museum, London

O nosso conhecimento sobre as espécies antepassadas de Homo sapiens e sobre os Homo sapiens mais antigos sofreu uma aceleração e uma transformação radical com a técnica de isolamento, purificação e sequenciação de genomas em ossadas quase completamente fossilizadas. 

                                             
Foi assim que se descobriu com espanto (cerca de 2010) uma nova espécie humana (contemporânea de H. sapiens e a H. neanderthalensis), Homo denisovans, presente na gruta de Denisova (daí o seu nome) na Sibéria. Talvez tão espantoso como isso, foi o facto dos cientistas terem chegado a essa conclusão, não pelos atributos anatómicos dos restos fossilizados, mas pela sequência do genoma extraído do osso de um dedo. 
Mais tarde, verificou-se que existia uma percentagem da ordem de 2-4% do ADN dessa espécie no genoma de populações contemporâneas, na Ásia do sudeste em particular. 

Mas, estas espécies humanas - Homo neanderthalensis e Homo denisovans - coexistiram, no tempo e no espaço com a nossa espécie (Homo sapiens). Houve fluxo de genes entre elas e temos a prova disso nos genomas atuais da humanidade contemporânea. 

Entretanto, ainda há muito por descobrir: «Sequências mistério» estão presentes em vastas populações africanas subsaarianas. Espera-se, um dia, obter ADN de um fóssil que corresponda às referidas «sequências mistério». 

Outra impressionante e recente descoberta foi a de Homo naledi, um hominino que viveu até há cerca de 300 mil anos, ou seja, contemporaneamente aos Homo sapiens mais antigos, que têm essa mesma idade. H. naledi contradiz muitas ideias-feitas: se não tivesse havido, no local da sua descoberta, um manancial de ossos fossilizados juntos e que permitem uma reconstituição particularmente precisa, teria sido possível imaginar que os ossos cranianos fossem atribuídos ao género Homo, enquanto os ossos não-cranianos seriam compatíveis com o género Australopithecus.

Descobriram-se, entretanto, duas outras espécies na zona do sudeste asiático, H. floresciensis na Ilha das Flores, hoje na Indonésia [ver reconstituição, abaixo]

                

... e H. luzonensis (na Ilha de Luzon, hoje nas Filipinas). Ambas as espécies apresentam características distantes do «tronco principal» do género Homo. Além disso, o isolamento originou formas de tamanho reduzido. Este fenómeno é típico de espécies insulares e foi observado em muitas outras espécies.  Os processos de especiação na linhagem humana não diferem, nos mecanismos e nos resultados, do que se tem observado noutras linhagens de vertebrados. 

Temos de reconhecer que as novas evidências mostram uma evolução radiante (ou seja, arbustiva e não linear) com períodos de intensa produção de novidades, seguidos de períodos em que espécies do mesmo género vão evoluindo em paralelo, porém, com esporádico entrecruzamento (introgressão) entre espécies próximas parentes. Com efeito, são conhecidos híbridos de Homo sapiens e H. neanderthalensis; de H. sapiens e H. denisovans; e de H. denisovans e H. neanderthalensis. 

A evolução humana, afinal, tal como noutros grupos de espécies animais, parece enquadrar-se melhor no modelo de «equilíbrios pontuados» de Niles Eldredge e  Stephen Jay Gould, ou seja, de longos períodos estacionários, pontuados por períodos de mudança acelerada, com a formação rápida de novas espécies.



Darwin fez descer o Homo sapiens do «pedestal», mas um mecanismo de autoilusão teimava em ver a evolução humana como um processo «gradual» e «singular», culminando na espécie única, que habita hoje o planeta. Porém, a evolução humana não se coaduna com um modelo gradual. Quanto ao facto - na atualidade - de apenas existir uma espécie do género Homo, não tem nada de extraordinário: há uma quantidade de outras espécies vivas, que são as únicas representantes atuais de géneros que já possuíram muitas outras espécies.

Nós, humanos de hoje, somos a espécie única, sobrevivente do género Homo, mas afinal como um «mosaico», como o resultado de várias espécies que conviveram e se entrecruzaram, no passado. Carregamos, no íntimo do nosso genoma, o testemunho dessas outras espécies extintas, com as quais nos cruzámos. Essas sequências genéticas fazem parte do património genético da nossa espécie. Foram salvaguardadas pela evolução, devido a terem valor adaptativo, como o gene conferindo a capacidade de viver a grandes altitudes (genes denisovanos em populações tibetanas), ou os genes da imunidade celular (genes neandertais presentes em europeus e asiáticos).

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PS1: Já depois de ter publicado este artigo, li a notícia da descoberta em Israel de uma nova espécie humana, anterior e contemporânea de neandertais. Esta notícia vai ser tema de um artigo neste blog, proximamente.

PS2: Um crânio em ótimo estado de conservação proveniente do norte da China foi revelado recentemente. Especula-se que poderá ser uma nova espécie do género Homo ou pertencer à espécie H. denisovans.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

MUNDO PERDIDO REVELADO EM ARTEFACTOS E RESTOS HUMANOS NAS COSTAS DO MAR DO NORTE






A imagem mostra uma lâmina translúcida de sílex, fabricada por caçadores recolectores de há cerca de 8 000 anos, recolhida numa praia da Holanda. 

Esta zona «Zandmotor» da costa holandesa não é um sítio banal, na medida em que a investigadora  Willy Van Wingerden já aí recolheu mais de 500 artefactos e mesmo ossos humanos fossilizados de há muitos milhares de anos. 



Com cerca de meio quilómetro de largura, esta praia foi originada pela dragagem do fundo marinho e despejada sobre a costa em 2012. Esta obra tem como finalidade proteger a costa holandesa da subida do mar. 
Esta rica mina de artefactos paleolíticos surgiu a partir de um mundo perdido, que se estendia desde as costas de Inglaterra, Holanda, até às da Escandinávia. No auge da idade do gelo, em que os neandertais eram os únicos humanos presentes, eles foram capazes de atravessar por o que é hoje o canal da Mancha (que não existia) ou outros pontos e alcançar o território do que se tornou depois as Ilhas Britânicas.
Nesta época, o nível do mar estava, em média, 70 metros abaixo do actual. O que é agora o Mar do Norte, foi território de homens modernos ancestrais, neandertais e mesmo de homininos mais antigos. Todo esse território ficou submerso, quando os glaciares se fundiram e fizeram subir o nível do mar, há cerca de 8500 anos.

Hoje em dia é possível datar artefactos com novas técnicas, o que ajuda a classificar os achados que têm sido feitos, na orla desse vasto território submerso.
Os achados permitem reconstituir uma paisagem de floresta e rios, rica em caça. Não era uma área desértica, era talvez a melhor área para caçadas no continente europeu. 
As técnicas de recuperação e sequenciação de ADN antigo podem ser utilizadas, pois as águas frias preservam melhor o ADN que quando ele está exposto ao ar. Outros territórios submersos, como a Beríngia (que ligava o norte da Sibéria ao Alaska) poderão ser também sondados desta maneira, no futuro. Lembremos que a Beríngia foi o território originário das primeiras populações da América. 

As terras submersas, Doggerlands, foram baptizadas segundo a designação duma zona do mar do Norte rica em peixe (Dogger Banks). Há 50 mil anos atrás, a paisagem era bem diversa. 
Esta região estendia-se desde Amesterdão até à Escócia e ao sul da Noruega. Abrangia, pelo menos, 180 mil quilómetros quadrados de terra emersa, quatro vezes maior que a Holanda de hoje. 

                          Picture of Doggerland

Muitas informações estão disponíveis no site do magazine Science, no artigo «Lost world revealed by human, Neandethal relics washed up on North Sea  beaches» (O mundo perdido revelado pelos restos humanos e neandertais encontrados em praias do Mar do Norte) 


 
Arqueólogo Luc segura um artefacto neandertal em sílex, com parte envolvida em «cola» de bétula. 

O pedaço de sílex talhado, encontrado nas praias do Mar do Norte, tem pelo menos 50 mil anos, sendo portanto tecnologia neandertal. Segundo a análise química, esta ponta de sílex era mantida (na ponta de uma lança ou seta) através de uma «cola» feita da resina de bétula. Isto implica tecnologia sofisticada para extrair e processar esta «cola».
Pode-se esperar encontrar restos do Homo antecessor (800 mil anos), cujas pegadas no Reino Unido, datadas no seu contexto geológico, permitem afirmar que estes deambularam aí. 

Os neandertais, há cem mil anos, eram caçadores especializados, adaptados a viver numa região fria como o norte siberiano, de hoje em dia. 
Há 45 mil anos, os homens anatomicamente modernos entraram na Europa (vindos de África) e as áreas de ocupação dos neandertais começaram lentamente a diminuir. Pensa-se que as Doggerlands foram local de ocupação do homem moderno, há cerca de 40 mil anos, quando esta  zona se apresentava como uma estepe gelada. 
Por volta de 20 mil anos, uma vaga de frio trouxe um severo arrefecimento a toda a região, que a tornou demasiado fria para ser habitável. Mas, há 15 mil anos, o reaquecimento trouxe um breve período de abundância, como se pode comprovar por amostras de pólen, de ADN antigo, de madeira fossilizada,  que permitem reconstituir uma paisagem de florestas e de rios, cheia de vida selvagem e de humanos, cujos restos incluem artefactos finamente trabalhados em pedra, em osso e em marfim de rena. 


               
     Maxilar de um adolescente que habitava em zona agora submersa do Mar do Norte.

              
     Calote craniana com 13 mil anos de H. sapiens, «pescada» ao largo de Roterdão

Vale a pena analisar em detalhe o artigo supra-citado, do qual extraí as imagens anteriores.

Nestas costas do Mar do Norte há um manancial de restos arqueológicos por descobrir, que nos permitem traçar uma parte literalmente submersa da aventura humana.

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

ROTEIRO PARA ESCAPAR DA MATRIX/LABIRINTO [parte II]

                           

Quando me decidi a escrever algo do «sumo» da minha experiência, relativamente a questões que só superficialmente são tidas como do foro íntimo - a consciência, a autonomia do indivíduo, a responsabilidade individual e social - não estava querendo dar «lições de moral», mas antes motivado pelo desejo de arrumar - na minha própria cabeça - conceitos e experiências. 
Depois descobri que, ao arrumar este conjunto de questões, estava a tornar tudo muito mais claro, na minha mente. Este era um «fio de Ariadne» que me poderia conduzir, no futuro, para fora de situações embaraçosas e de constrangimento, como acontece nas vidas de quase todas as pessoas. 
Este «fio» talvez seja demasiado frágil e talvez apenas uma hipótese. Porém, se tal hipótese se confirmar, mesmo que só eu consiga recorrer a ele para sair do labirinto, já é muito. 
Para si, leitor/a, isso significa que o/a leitor/a pode encontrar o seu próprio método, também! Não será isto uma boa notícia?  

As pessoas todas precisam de um «vestido aureolar», uma roupa invisível que proteja a nudez do seu ego. Elas deslocam-se na sociedade, exibindo esse traje, embora estejam nuas, face a alguém com o olhar ingénuo duma criança. 
É curioso ver as pessoas imbuídas das suas roupagens e adereços, como se fossem personagens de teatro, ou de ópera. Serão elas capazes de descolar de suas próprias «representações teatrais», verem-se a si próprias e o papel que estão desempenhando?
- Os personagens da história (os monarcas, chefes militares, etc) construíram deliberadamente um «avatar» de si próprios, um ser mítico, que os súbditos adoravam, um símbolo, algo que não tinha realidade, senão na imaginação dos seus adeptos.
Assim procedem, igualmente, os «ídolos» do desporto, do cinema, da música pop, da política-espectáculo, enquanto manipulação hábil desse «vestido-aureolar». 
Do lado dos adeptos, do lado das massas, existe um desejo, não-satisfeito, de amor, de um amor impossível de satisfazer porque é o amor que uma criança com poucos meses de vida possui/recebe do seio materno, que o nutre e lhe dá tudo, calor, carinho, segurança, prazer. 
A nostalgia dos humanos pelo seio materno é universal. 
Aquilo que não é tão universal é um desejo sôfrego pela satisfação do retorno ao seio materno, mesmo que seja de modo totalmente simbólico, ou o mais  irrisório, até. 
Mas devemos compreender que, em larguíssima escala na sociedade, existe uma regressão infantil de certo número de pessoas. São estas pessoas com grande pulsão para «se entregarem», que procuram uma identificação com um ídolo. Elas colocam-se (interiormente) na postura do «bebé que mama o seio materno». Isto não deveria surpreender, pois estas pessoas não conseguem encontrar na sua vida - que, elas próprias desprezam - algo que supere a quase perfeita felicidade do bebé. É como uma droga, como a «soma» do romance de Aldous Huxley.  E a isto, pode chamar-se alienação.

Note-se que, quanto mais frustradas, mais se agarram à sua «droga» preferida: numas, pode ser  mesmo «droga» no sentido usual de substância aditiva. Noutras, pode ser a identificação com e adoração do ídolo. 
Tal mecanismo é patológico, na medida em que vai escamotear a realidade: o ídolo, não é assim na realidade, mas é essa a imagem retida pelos adeptos que o adoram. 
Além disso, o reforço constante da imago do ídolo, na media popular de massas, cria e alimenta em permanência, o mecanismo de identificação com ele: os adoradores recebem através da imago, um pouco de sua aura, do seu poder mágico, etc, etc.

As pessoas podem estar de tal maneira reprimidas ou anuladas, que não têm a coragem - nem pensam sequer - de viver a sua vida, construindo os seus projectos, aceitando desafios, lutando pelos seus objectivos. Assim, um pequeno grupo consegue perfeitamente manter controlo das restantes pessoas, dominadas. A receita é simples e muito velha: 
- Fazer com que a imagem da(s) pessoa(s) dominante(s) coincida com um mito pré-existente, vestindo a mesma roupagem do mito, ou levemente diferente mas facilmente reconhecida pelas massas, o vestido-aureolar de que falei acima.

Mas, nada disto seria possível se não houvesse, profundamente, em todos nós, uma tendência genética, hereditária, para o gregarismo. 
Esta tendência já está presente, antes do aparecimento dos humanos, no mundo animal, não sendo portanto uma contribuição original da evolução humana, mas antes uma herança ancestral, transportada pelos homininos até  Homo sapiens e presente em todas as culturas humanas, passadas e presentes. 

Irei desenvolver este tema no capítulo seguinte.