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terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

MUNDO PERDIDO REVELADO EM ARTEFACTOS E RESTOS HUMANOS NAS COSTAS DO MAR DO NORTE






A imagem mostra uma lâmina translúcida de sílex, fabricada por caçadores recolectores de há cerca de 8 000 anos, recolhida numa praia da Holanda. 

Esta zona «Zandmotor» da costa holandesa não é um sítio banal, na medida em que a investigadora  Willy Van Wingerden já aí recolheu mais de 500 artefactos e mesmo ossos humanos fossilizados de há muitos milhares de anos. 



Com cerca de meio quilómetro de largura, esta praia foi originada pela dragagem do fundo marinho e despejada sobre a costa em 2012. Esta obra tem como finalidade proteger a costa holandesa da subida do mar. 
Esta rica mina de artefactos paleolíticos surgiu a partir de um mundo perdido, que se estendia desde as costas de Inglaterra, Holanda, até às da Escandinávia. No auge da idade do gelo, em que os neandertais eram os únicos humanos presentes, eles foram capazes de atravessar por o que é hoje o canal da Mancha (que não existia) ou outros pontos e alcançar o território do que se tornou depois as Ilhas Britânicas.
Nesta época, o nível do mar estava, em média, 70 metros abaixo do actual. O que é agora o Mar do Norte, foi território de homens modernos ancestrais, neandertais e mesmo de homininos mais antigos. Todo esse território ficou submerso, quando os glaciares se fundiram e fizeram subir o nível do mar, há cerca de 8500 anos.

Hoje em dia é possível datar artefactos com novas técnicas, o que ajuda a classificar os achados que têm sido feitos, na orla desse vasto território submerso.
Os achados permitem reconstituir uma paisagem de floresta e rios, rica em caça. Não era uma área desértica, era talvez a melhor área para caçadas no continente europeu. 
As técnicas de recuperação e sequenciação de ADN antigo podem ser utilizadas, pois as águas frias preservam melhor o ADN que quando ele está exposto ao ar. Outros territórios submersos, como a Beríngia (que ligava o norte da Sibéria ao Alaska) poderão ser também sondados desta maneira, no futuro. Lembremos que a Beríngia foi o território originário das primeiras populações da América. 

As terras submersas, Doggerlands, foram baptizadas segundo a designação duma zona do mar do Norte rica em peixe (Dogger Banks). Há 50 mil anos atrás, a paisagem era bem diversa. 
Esta região estendia-se desde Amesterdão até à Escócia e ao sul da Noruega. Abrangia, pelo menos, 180 mil quilómetros quadrados de terra emersa, quatro vezes maior que a Holanda de hoje. 

                          Picture of Doggerland

Muitas informações estão disponíveis no site do magazine Science, no artigo «Lost world revealed by human, Neandethal relics washed up on North Sea  beaches» (O mundo perdido revelado pelos restos humanos e neandertais encontrados em praias do Mar do Norte) 


 
Arqueólogo Luc segura um artefacto neandertal em sílex, com parte envolvida em «cola» de bétula. 

O pedaço de sílex talhado, encontrado nas praias do Mar do Norte, tem pelo menos 50 mil anos, sendo portanto tecnologia neandertal. Segundo a análise química, esta ponta de sílex era mantida (na ponta de uma lança ou seta) através de uma «cola» feita da resina de bétula. Isto implica tecnologia sofisticada para extrair e processar esta «cola».
Pode-se esperar encontrar restos do Homo antecessor (800 mil anos), cujas pegadas no Reino Unido, datadas no seu contexto geológico, permitem afirmar que estes deambularam aí. 

Os neandertais, há cem mil anos, eram caçadores especializados, adaptados a viver numa região fria como o norte siberiano, de hoje em dia. 
Há 45 mil anos, os homens anatomicamente modernos entraram na Europa (vindos de África) e as áreas de ocupação dos neandertais começaram lentamente a diminuir. Pensa-se que as Doggerlands foram local de ocupação do homem moderno, há cerca de 40 mil anos, quando esta  zona se apresentava como uma estepe gelada. 
Por volta de 20 mil anos, uma vaga de frio trouxe um severo arrefecimento a toda a região, que a tornou demasiado fria para ser habitável. Mas, há 15 mil anos, o reaquecimento trouxe um breve período de abundância, como se pode comprovar por amostras de pólen, de ADN antigo, de madeira fossilizada,  que permitem reconstituir uma paisagem de florestas e de rios, cheia de vida selvagem e de humanos, cujos restos incluem artefactos finamente trabalhados em pedra, em osso e em marfim de rena. 


               
     Maxilar de um adolescente que habitava em zona agora submersa do Mar do Norte.

              
     Calote craniana com 13 mil anos de H. sapiens, «pescada» ao largo de Roterdão

Vale a pena analisar em detalhe o artigo supra-citado, do qual extraí as imagens anteriores.

Nestas costas do Mar do Norte há um manancial de restos arqueológicos por descobrir, que nos permitem traçar uma parte literalmente submersa da aventura humana.