terça-feira, 10 de maio de 2016

PARA ALÉM DO HORIZONTE

                                                   
                                     


                          


 Queres alcançar o horizonte; para lá caminhas, olhos fixos nessa linha que se afasta à medida que te aproximas. 
Nunca será alcançada porém, essa linha ténue entre o céu e a terra. 
 Ele pode-se transformar, ser da terra ou do mar, ser obscuro ou luminoso, será sempre o mesmo horizonte, para além do seu aspeto. Ele estará sempre para além… 

 Podes ir caminhando toda a vida, na ilusão do teu horizonte terrestre, como formiga caminhando num enorme balão. Porém, se quiseres realmente alcançar o horizonte, tens de superá-lo, transcendê-lo. Terás de apontar para Sírius, ou para Andrómeda, ou para a Lua. 

Fixa aí, bem elevado, o teu objetivo e o horizonte terreno será muito fácil de alcançar, de englobar em todas as maneiras, com os sentidos e com a mente. Se tens outro desejo, além do de pertencer ao formigueiro, tens de estar preparado com tudo o que essa viagem espacial exige. 

 A minha viagem, será espiritual ou não será. Nessa que almejo, o espírito é indissociável do orgânico, da psique, da razão, do tecnológico, do social e do artístico… Preciso de tudo isso, em perfeito estado de funcionamento e na proporção certa, para embarcar na nave espacial da espiritualidade. 

 O ponto ómega é alcançável apenas por um percurso em espiral, cujas espiras se vão alargando à medida que se elevam. Do ponto de vista do observador situado em Sírius ou Andrómeda, a Terra aparece como minúsculo ponto brilhante. Porém, ampliado, esse ponto é magnificamente diverso, estranho e belo, único talvez. 

 Esta viagem, quando levada a cabo de forma autêntica, com inteira sinceridade e entrega, permite que nos posicionemos: sabemos situar nosso espírito no Universo.

domingo, 8 de maio de 2016

[NO PAÍS DOS SONHOS] RAGAS INDIANAS PARA FLAUTA





Fecha os olhos e deixa-te ir.

Assim que estiveres a vogar no oceano dos sons, verás as paisagens interiores. As tuas visões são intransmissíveis, mas o som que emana desta flauta é profundamente inspirador. As defesas do Eu consciente são abaixadas, suavemente, não violentamente, com pleno consentimento e adesão do nosso espírito.

Estamos em cima do dorso de um elefante, que se desloca num pantanal, com aquele passo paciente, tão embalador.

O pantanal é em si mesmo um lugar mágico; as estruturas sólidas dissolvem-se, como um amplo palácio que se dissolve no nevoeiro. As estruturas sólidas desaparecem e dão lugar a fluidos mais ou menos viscosos, escoando, lentos pelos interstícios da nossa memória.

Os sons, líquidos, esgueiram-se e jogam com os nossos sentidos; porém, estão sendo produzidos numa redoma de realidade superior. Os avatares de toda a minha orquestra interior estão atentos a cada pulsação, a cada movimento, a cada intenção de gesto. Estão em sintonia com a paisagem sempre em mutação do pantanal, visto do dorso de um paciente elefante.

O leopardo está atento, à escuta entre os troncos de mangais. Os leopardos estão no seu território. Eu é que sou o invasor. Mas eles também sabem que não têm nada a temer, porque o invasor está bem visível, não se esconde, não é outro predador que procura, numa emboscada, caçar  a presa.

Algumas aves pernilongas, com bico recurvo, estão nas margens, dançando uma estranha ronda. Suas asas batem na superfície aquática e espalham colares  de pingos cristais em torno. Creio que estão fazendo uma dança nupcial. Ou um ritual antigo da água. Estão a celebrar o deus das aves: afirmam seu território, sua geração, sua divindade. 

Tenho em frente de meus olhos um poente, que nunca mais se transforma em noite. As muitas cores estão cambiando as nuvens e as superfícies de água numa sinfonia. Imagino-me dentro duma concha, contemplando o nacre, as paredes da concha, o irisado, as flutuações de cores e as cintilações, que brincam nos nossos olhos.




O FLUIR DA MENTE

                                                  
                                                                                    

Quando tudo já passou, quando já não se está perante o autor em carne e osso, como se pode apreciar o seu íntimo pensamento, o seu «bafo», a sua palpitação? É apenas um eco, eco esse que ressoa no teu/meu coração e mente, como sempre ressoam as coisas profundamente humanas. 
A poesia é música, a boa literatura em geral, também o é: mas, em vez de apenas se contemplar a nossa imagem ao espelho - a nossa produção - tenhamos o bom-senso e coragem de a expor ao critério de pessoas anónimas; dar uma obra a público não é vaidade. Vaidade é a incapacidade de aceitarmos as críticas e as reações - positivas ou negativas - aos nossos escritos. 


A maturidade mede-se mais pelo nosso sentir do mundo,  do que aquilo que escrevemos ou deixamos de escrever. A reação de alguém imaturo traduz-se, em geral, por uma falta de abertura e de humildade verdadeira. 
A maturidade, por contraste, permite-nos ter consciência perfeita do quão longe do ideal está a nossa produção. 
O artista maduro apenas vê, em qualquer obra - de sua própria autoria ou de outrem -  um pálido reflexo da Divindade Cósmica: Como que um frémito de onda à superfície do pântano, um reflexo de luz estelar num espelho de água. Nosso Eu consciente é apenas o pouco que nos é dado ver. Então, dentro do oceano do nosso ser encontra-se todo o «ecossistema» que permite que aqui e acolá floresça algo.


O oceano é minha inspiração primeira e o meu refúgio. Estas ondas que eu deixo me invadam os olhos do espírito, estão para mim, realmente, tal como o vento está para o pinheiro. Para onde leva o vento as flores do pinho? Quem sabe, mas que importa, afinal? Estarão os ventos oceânicos apostados em fazer naufragar o barquito, que se deixou envolver na borrasca? Quem sabe? Assim como o mar, também o vento, seu aliado de sempre, joga com os outros elementos: Faz acontecer todas as transformações que se possa imaginar.


Basta olhar o céu, teremos o perfeito modelo da alma. A sua mutável aparência não impressiona pouco. Mas se observamos atentamente aquilo que está a acontecer, ficaremos menos impressionados? Não o creio! Vede o Sol, com os seus raios mais ou menos oblíquos, as nuvens, resultado duma acumulação de vapor de água, um ar mais puro ou então carregado de fumos ou de cheiros. O cheiro da terra, que se afirma tão forte em certos sítios, é a interação do solo e das plantas com a atmosfera...O que sinto quando fecho os olhos e respiro este ar?

Uma experiência semelhante do leitor permite-lhe apreender o sentido do que estou escrevendo; não obstante, essa experiência é pessoal e intransmissível!



sábado, 7 de maio de 2016

AVISO AO LEITOR

                                                
Sou um passeante da vida. Vou entretendo-me calcorreando as sendas próximas de minha casa, como o faria se tivesse um cão. Mas não tenho cão nenhum; então, o que eu vou passear são as minhas ideias.
Não sei escrever o que sinto, sem primeiro exercitar os meus músculos das pernas. Julgo que seja isso o que chamam de «filósofo peripatético». 
Mas o meu destino não se escreve com palavras, nem se diz em discursos mais ou menos eruditos ou xistosos! 
Ou seja, estou bem para além da autopromoção da minha pessoa. O mundo não é algo que eu tenha de cativar e usufruir! 
Não, o mundo é o espetáculo sempre renovado, sempre surpreendente da Natureza e da Sociedade. Eu estou para ele como o observador para a coisa observada. Não procuro fazer valer nenhum direito sobre o mundo. Tenho aquilo que tenho. 
Os meus amigos estão sempre seguros de que eu estou disponível para os acolher, para os ouvir. Não os vou importunar, nem impor as minhas fantasias e devaneios. 
Se eles quiserem ler as minhas elucubrações, não deixo de ficar grato. Mas se eles não tiverem paciência, ou estiverem tomados por algo bem mais urgente na vida deles... então, que amigo serei eu de empatá-los com coisas que a eles não os afeta? 

Decidi portanto reunir a minha obra literária num blogue; mas não vou alimentá-lo com coisa qualquer. Vou somente aí colocar algo, senão depois de ter passado através dum certo crivo, o crivo do meu juízo crítico: se tivesse que decidir sobre a inclusão ou não de um determinado texto de prosa ou de verso, num livro, fá-lo-ia mesmo? Se esse hipotético texto se basta a si próprio, se possui uma certa beleza formal e se seu conteúdo  é não-inócuo, não -trivial... em resumo, se ele sustenta-se por si próprio, então sim, publicarei. Mas, caso não satisfaça esses critérios, não o farei. 

Quanto à produção passada, terei outra abordagem...na medida em que, as coisas que fiz, mesmo não as repudiando, serão obra de «outro» Manuel Banet, que já foi, que já não é: não preciso de justificação para isso, senão a de arquivar o meu próprio espólio. Este blogue será um arquivo. Ficarão aí consignadas as procuras e as tentativas de aperfeiçoamento de uma língua, de uma expressão das coisas pela palavra, pela escrita, pelo som e pela vibração. 


Minha imoderada e estulta ambição é a de que o poema, o texto de reflexão possam ressoar no coração e mente do meu hipotético leitor, o de agora, assim como o daqui a uns anos a esta parte.