Nesta, foram lidos textos meus e de Naná Rebelo, selecionados de entre os publicados no Nº 3 dos referidos cadernos.
A discussão geral, com cerca de 15 pessoas presentes, foi animada e participada.
Os participantes foram encorajados a enviar-nos (por e-mail) originais que queiram publicar, sejam de poesia, contos, reportagens, etc. Ficou também decidido que os cadernos (em versão pdf) serão afixados na página facebook da «Fábrica de Alternativas».
O texto abaixo, de autoria de Naná Rebelo, apareceu nos «Cadernos Selvagens nº3». Não resisto a transcrevê-lo no meu blogue.
Do
cadeado e da sua morte
Superar, ultrapassar os limites, ser forte, ser mais
forte, sorrir, abraçar, amar, amar-se. Estes são os slogans que encontramos ao
virar de uma qualquer esquina virtual, no percurso da nossa vida.
É curioso como é fácil
banalizar a força interior que cada pessoa possa ter, como se de uma qualquer
receita se tratasse. Este é o poder das redes sociais, aquilo que eu chamo o muro das lamentações do século XXI.
Um autêntico prêt-a-porter de emoções.
O passar de páginas
inteiras com comentários tipo anúncio, do género «se eu não gostar de mim, quem
gostará?» ou, «só sabes a força que tens quando mais nada te restar senão ter
força». Podia ficar por aqui com um sem número de exemplos semelhantes, mas a
redundância não é a minha figura de estilo favorita.
Pergunto-me diversas
vezes, o que procuram as pessoas numa rede social? O que as move na decisão de
criar uma página pessoal no meio tão inóspito que é a Internet? E digo inóspito
porque é minha convicção que o é de facto. A Internet não é o nosso bairro, a
nossa escola, a nossa família, os nossos amigos. A Internet é o mundo inteiro,
a praça pública da aldeia global, onde todos se podem permitir dizer tudo o que
lhes vai na alma, onde todos podem assumir uma qualquer personagem, onde todos
podem saber tudo o que cada um quiser mostrar, literalmente, onde todos podem
criticar, ser criticados, sem apelo nem agravo, onde espreitam perigos de toda
a espécie para os mais incautos. Querem um meio mais inóspito que este? Mas
atenção, mea culpa, que eu também faço parte do grupo e gosto!
Voltando à questão, o
que as move, o que faz com que exponham a sua vida, por vezes ao mínimo
detalhe, num sítio assim?
Lembro-me do tempo sem
telemóveis, sem Internet, onde tudo acontecia como e onde tinha de acontecer,
sem que o mundo inteiro soubesse. As acções ficavam no seio de quem as
praticava.
Nesse tempo corria-se
menos, falava-se mais, lia-se mais, escrevia-se mais. E este é o ponto, para
mim, fulcral de toda esta conversa. Escrevia-se mais. Escreviam-se cartas, de
amor e das outras, escreviam-se postais ilustrados nas férias para enviar aos
amigos, à família. Também se sentia a solidão, também se escolhia um amigo para
desabafar as mágoas mas, sobretudo, existia uma coisa chamada diário que servia
de repositório de emoções, ao mesmo tempo que se descreviam os acontecimentos
que as desencadeavam, ou vice-versa.
Eu nunca tive nenhum,
embora sempre tivesse tido esse desejo. Lembro-me de os ver nas montras das
papelarias, lindos, maiores ou menores, mas sempre com um cadeado e ficava
fascinada. Para mim esse era o grande mistério dos diários: o cadeado! - Porque
têm um cadeado, Pai? – Porque ali se escrevem coisas pessoais, coisas que só
dizem respeito à pessoa que escreveu e que não se quer que mais ninguém leia.
Naquela altura, a
resposta do meu Pai ainda aguçou mais a minha fantasia. Eu tinha de ter um
diário. A vida não era fácil e as hipóteses de ter um, daqueles com cadeado,
era remota, por isso improvisei. De um caderno escolar novinho em folha, fiz
aquele que seria o meu 1º diário. Colori a capa, colei uns bonecos e
acrescentei uma fita de ráfia que atava sempre, cuidadosamente, após cada
acontecimento que ali descrevia. Era o meu cadeado e eu acreditava que era tão
inviolável como os verdadeiros.
Hoje, sabemos, esse mistério fascinante morreu.
Acabaram-se os segredos, tão nossos, acabaram-se os cadeados, improvisados ou
não.
Mas aquilo que o meu
Pai me disse naquela altura «Porque ali se escrevem coisas pessoais, coisas que
só dizem respeito à pessoa que escreveu e que não quer que mais ninguém leia.»,
nunca me saiu da cabeça. Continuo a tentar perceber porque tudo isso acabou. E
vou descobrindo, aos poucos.
Sem querer cair em
lugares comuns e psicologia de cordel, acabou do mesmo modo em que as crianças
deixaram de brincar na rua com os amigos; já não jogam aos «polícias e
ladrões», nem ao berlinde, nem ao peão. Deixaram de esperar que as mães os
chamassem para ir lanchar, que depois sempre podiam voltar à brincadeira.
Passaram a “barricar-se” nos respectivos quartos a jogar consola e a comer as
sandes ao mesmo tempo, atabalhoadamente, para não perderem “vidas” nos jogos.
Deixaram de brincar com os amigos de sempre, deixaram de socializar, de dar o
1º beijo às escondidas atrás de um arbusto qualquer.
Começaram a crescer à
frente do monitor de um computador, deixaram as consolas e começaram a namorar
à distância, que o 1º beijo, esse chegaria de uma qualquer maneira bizarra, sem
aquela atracção de antes, mas com a mesma curiosidade do proibido, tantas vezes
decepcionante.
Assim têm vindo a
crescer várias gerações, que hoje são pais e adoptaram precisamente o mesmo
estilo de “convívio”. É o progresso, dizem, fazer o quê? Adapta-te ou morre…
E foram-se perdendo
valores, como quem não quer a coisa. Perderam-se os amigos reais e ganharam-se
milhares de “amigos” virtuais. Agora contam-se os amigos das redes sociais,
quantos mais melhor (?) e diz-se à boca cheia que se é amigo do Brad Pitt ou de
uma qualquer outra estrela. E vai-se alimentando assim a auto-estima.
E depois, quando
finalmente se desliga o computador, vai-se dormir a pensar em que frase
bombástica se há-de iniciar a nova sessão. Ler? Só se for para retirar alguma
ideia passível de aprovação no próximo post.
Mas a próxima sessão
tem imensos desafios e a adrenalina sobe quando se vão vendo as repercussões
que teve o tal post. Afinal não agradou a todos! Agora demos largas à
imaginação, ou falta dela, para defender a camisola. E vêm os “gosto disto” e
vêm os insultos e lá se foi a glória. Mas há sempre a escapadela de ir ver quem
faz anos, de entre as centenas de amigos e dar muitos parabéns a quem não
conhecemos de lado nenhum ou, se conhecemos, nem nos lembraríamos, não fora o
aviso dos aniversários do dia.
Depois vêm as
lamentações do que correu mal ou a euforia do que correu bem. E aqui entram os
tais “segredos” que outrora estavam bem guardados no tal diário do cadeado.
Agora já não há nada a esconder e também não há o
mínimo interesse nisso. Agora queremos que o mundo saiba que afinal já não se
está numa relação e que fomos comemorar com pataniscas ao jantar, com a
inevitável fotografia do repasto.
Assiste-se ao «show»
dos treinadores de bancada e não é só de futebol que falo. Há especialistas em
todos os assuntos. Fazem-se revoluções virtuais, incitam-se as massas,
trocam-se insultos da esquerda à direita, criam-se grupos de banalidades e
outros de utilidades e assim se vão preenchendo momentos de solidão.