O estatuto de neocolónia * de Portugal é o verdadeiro impedimento a uma arrancada para o desenvolvimento, deste retângulo à beira Oceano plantado.
Tenho defendido, ao longo dos anos, esta visão e tenho
dito a quem me quer ouvir que, se não se tivesse deixado enredar na malha das
dependências neocoloniais, Portugal seria hoje uma espécie de «Suíça» do
Atlântico.
Enquanto ponto de partida e de chegada
natural para todo o comércio transatlântico, esse lugar é-lhe devido.
Em termos estratégicos, controla a passagem do
Atlântico Norte e Atlântico Sul e a rota atlântica em direção ao Mediterrâneo;
Portugal foi e é ainda elemento geoestratégico de primeira importância.
A cobardia e a venalidade dos dirigentes deste
país, ao longo das épocas históricas, é que tem feito com que o potencial
enorme deste território e a coragem e tenacidade de suas gentes sejam
desprezados e espoliados.
Sem as circunstâncias especialíssimas do espaço
português e da natureza flexível e determinada do seu povo, não seria possível
os parasitas prosperarem, ao longo dos séculos.
A forma de manter submissa uma pessoa é de a convencer
de que ela é uma «coitadinha», que precisa da nossa «ajuda». Em relação a
uma nação, não é muito diferente.
É precisamente o que têm feito os gatos gordos da UE e
dos EUA. Aproveitam-se dos gatinhos gordos de cá (que miam em consonância
perfeita com os seus chefes), os espertos que por cá pululam, para continuarem
o seu jogo, sem oposição à altura.
A forma de oposição do tipo frente de libertação
anti-colonial, tipicamente uma estrutura inter-classista,
parece-me ser a única viável, face ao nosso estado de neocolonialismo
inconfessado, tanto devido às circunstâncias históricas, como à situação de
hoje, em Portugal.
Porém, essa frente, só tem possibilidade de prosperar,
caso os seus membros ponham acima dos seus interesses de grupo, o interesse
nacional. Guardo esperança de que apareça um conjunto coeso e dinâmico de
mulheres e de homens assim, cedo ou tarde, neste país.
O chamado pai da democracia, Mário Soares, em múltiplas ocasiões, falou
sobre a importância da tolerância para a democracia. Quando falava disso,
quase ninguém compreendia o que ele tinha em mente. Poucos compreendiam
que ele falava das inúmeras discussões, terrivelmente desgastantes, que
qualquer democrata português teria de aguentar com outros, que, embora
dizendo-se democratas, o que procuravam, antes de mais, era dominar.
Também eu experimentei, algumas vezes, tais esgotantes
debates, sem fruto nem proveito, que por aí ocorrem. Em resultado disso, sou um
«anti-político» num certo sentido, embora seja um observador atento da
política.
Para os meus amigos /amigas (quer estejam
envolvidos/as em projectos políticos ou não), apenas digo o seguinte: vejam o
que as pessoas fazem, não apenas o que dizem ou proclamam.
Enfim, vejam se alguém é sério e coerente com o que
afirma, não pela análise discursiva, mas pela análise da coerência entre a
prática, no mundo real, e as ideias que proclama.
Está claro, para mim, que além dos fatores económicos,
existem fatores de cultura, civilizacionais, que justificam o estado em que se
encontra qualquer país, qualquer agregado humano.
Por exemplo, no caso da China,
o confucianismo domina
nas mentes e permanece como pano de fundo cultural.
No confucianismo, existe uma opção clara pela ordem,
pela estabilidade, pelo respeito para com os ancestrais e para com os
progenitores. Este respeito e consideração são igualmente dados à família
alargada, ao grupo étnico, à nação.
Pelo contrário, em Portugal, reina um individualismo
exacerbado, não existe solidariedade familiar verdadeira, muito menos existe
verdadeira solidariedade de classe, ou de cultura, ou de nação.
Quando digo que não existe, não nego que tudo isso, de
facto, possa existir numa fração, numa parte da cidadania deste país; mas eu
faço a «soma vetorial» das vontades e das ações, para compreender para onde vai
a barca...
A barca de Portugal é uma jangada, prestes a
desconjuntar-se, sem leme nem liderança, onde se encontram formigas, ignorantes
de que estão no meio do alto mar e que têm de se juntar e fazer causa comum,
para salvamento da jangada.
Mas as pessoas não são «formigas».
Elas podem perceber o que é real e superar o que eu
chamo de «complexo neocolonial».
Sobretudo, podem exercer ações eficazes para que não
sejam escravizadas (mentalmente, como primeira etapa para a escravidão
completa), para proveito dos senhores de terras longínquas, sejam da China ou
do Ocidente, do Norte ou do Sul.
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*Nota: tenho escrito sobre este assunto desde os «Cadernos Luta Social»,
no tempo em que Sócrates era primeiro-ministro: a minha análise mantém-se
válida, na atualidade.