Mostrar mensagens com a etiqueta autonomia. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta autonomia. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

ROTEIRO PARA ESCAPAR DA MATRIX/LABIRINTO [p. V]

                          
Nos escritos anteriores vimos alguns dos métodos que permitem ao sistema de escravidão «suave» contemporâneo se apoderar das alavancas fundamentais das sociedades e - a pouco e pouco - ir controlando os indivíduos. Poderia insistir e desenvolver, detalhando os métodos de controlo social que estão despontando, com muita eficácia, em países muito diversos. Mas esta sequência de escritos propõe-se ser, antes de tudo, um roteiro para escapar da matrix ou labirinto... 
Trata-se de uma afirmação arrojada, pois não pode haver duas situações iguais, quaisquer duas pessoas são diferentes, neste mundo; cada qual terá de construir a sua escada metafórica, para se evadir da ilusão, da falsa realidade que o cerca e lhe faz andar sempre, em infindável caminhar, pelos corredores do labirinto, sem jamais vislumbrar a saída do mesmo. No entanto, creio que se nos centrarmos naquilo que é efectivamente idêntico no ser humano, por muito que cada um de nós seja único, podemos chegar a algum lado, podemos encontrar o fio de Ariadne que nos permita sair do Labirinto.
As necessidades básicas têm de ser satisfeitas, será esse o primeiro nível de auto-transformação. O reconhecimento de que o equilíbrio de todo o ser passa por uma alimentação, um estilo de vida, uma regularidade nas horas de repouso e sono, uma harmonia essencial do indivíduo consigo próprio, que se vai traduzir também por uma maior harmonia com a Natureza e com tudo aquilo que o cerca.
Uma disciplina adequada ao nosso próprio ser, levada a cabo no longo prazo, tem de estar interiorizada por convicção profunda, não por mera atitude de entusiasmo momentâneo. Pois, se nosso ego se sobrepõe ao nosso verdadeiro eu, comandando e dominando todos os aspectos da nossa vida (hoje em dia, isso é muito mais frequente do que se pensa), não haverá possibilidade de um indivíduo sair da matrix. Note-se que, a matrix é completamente interiorizada por nós próprios. É assumindo os seus parâmetros, inconscientemente, devido à nossa persistente adesão ao seu mundo falso, ilusório, que estamos encerrados nela. A matrix é (ou tornou-se parte de ... ) o nosso ego.
No segundo nível corresponde ao acordar para o facto de que as realidades que nos cercam, não são tão poderosas como parecem. De novo, estamos muitas vezes condicionados a imaginar coisas - geralmente inibitórias - sobre a realidade social que nos cerca, sobre os outros. A realidade do entorno social, o seu funcionamento, é como uma meta-linguagem, tem de ser compreendida, para ser desencriptada. Enquanto linguagem, tem uma gramática e uma sintaxe própria. Quem está atento e consciente desta realidade básica, não poderá ser apanhado de surpresa, nem ficar indefeso, porque está desperto e atento a todos os sinais que vêm do entorno, dando-lhes uma «leitura» adequada. 
A leitura do real, analogamente à linguagem, é como quando analisamos a fundo um texto: não olhamos para as palavras isoladamente. Vemos as relações entre elas, avaliamos a importância relativa das mesmas, na estrutura do texto. Sublinhamos as palavras-chave, as que nos dão a chave para a compreensão global do texto em análise. Este modo de proceder, aplicado ao entorno social, não se aprende senão com muita experiência, com ensaios e erros. Mas, podemos acelerar muito esta auto-aprendizagem, caso desejemos realmente nos emancipar, não da sociedade em si mesma, mas de nossa relação de submissão doentia aos  que a dominam.
O conhecimento verdadeiro de si próprio e da sociedade leva-nos à consciência das múltiplas instâncias em que nos auto-condicionamos e em que somos condicionados.  Tais mecanismos não são, em si mesmos, benéficos ou malévolos. Os indivíduos que já alcançaram aquele patamar de consciência, irão instituir - para si próprios - determinados condicionamentos e anular ou neutralizar outros. 
Os condicionamentos exteriores são poderosos, se adoptados e interiorizados inconscientemente. Porque, a partir desse momento, levam o indivíduo, sem que ele se aperceba, a adoptar automatismos, a ter respostas estereotipadas do seu comportamento em sociedade.  Penso que, a maior parte senão todos, os condicionamentos escravizantes, têm origem  na sociedade. Eles foram «naturalizados» de forma inconsciente, ao ponto de parecerem fazer parte de nós próprios. 
A verdadeira educação é sobretudo uma auto-educação. É uma educação da vontade, da capacidade de dirigir o barco do nosso ser... Aliás, a palavra «cibernética» deriva daí, na sua raiz grega: a palavra cibernética em grego, designa  o saber ou a ciência daquele que está ao leme dum navio. Por outras palavras, a nossa autonomia consiste na auto-condução do nosso ser pelos mares da vida.   
A falsa educação, que nos é imposta por anos e anos de condicionamento na escola, na família, na igreja, etc, tende a suprimir qualquer aspiração a exercitar nossa potencialidade cibernética. 
O condicionamento skineriano ou pavloviano utiliza técnicas de amestramento, recorrendo à recompensa e à punição. Pode acontecer, sem que as pessoas que protagonizam este amestrar, tenham plena consciência do que estão a fazer. Elas estão convencidas de que isso é «educação» e de que o fazem «para o bem» da criança ou jovem.
Como poderá imaginar, não faria sentido nenhum eu propor-lhe um comportamento, seja ele qual for, pois somente o leitor/a está em condições de avaliar o seu próprio estado, a sua situação. 
Sugiro apenas uma metodologia que lhe permita deslindar os problemas que tem encontrado na sua vida pessoal: 
- Procurar ver os próprios fracassos sem contemplações, mas compreender o que está na sua origem. 
- Ter clara noção do poder que está encerrado em cada um de nós, sem o hipertrofiar ou diminuir. 
- Avaliar as nossas qualidades, os nossos trunfos. A nossa avaliação deve ser realista e prudentemente optimista. 
- Devemos assumir o papel de «mestres» de nós próprios. 
- A postura correcta face aos outros, face à sociedade, também se aprende e se aperfeiçoa. 
Imagine-se um guerreiro com um escudo e uma lança: O escudo simboliza as tácticas defensivas e a lança, as ofensivas (ou contra-ofensivas). Para que seja bem sucedido num combate (imaginário), ele terá de guardar a boa distância, a que permite proteger-se dos golpes do adversário, mas conservando a capacidade de desferir - ele próprio - um golpe. 
Esta analogia deve ser interpretada, não como algo bélico, mas como metáfora...O combate pode ser uma troca amistosa, uma relação amorosa, etc... Não fiquemos demasiado presos pelas palavras. 
 Para que a vida não seja uma luta incessante e inglória, a postura de que falei acima não chega. Tem de ser complementada com outra, a qual se traduz no mais profundo Mandamento que existe. 
Ele é reconhecido e ensinado, desde tempos imemoriais, em todos os povos, em todas as regiões. Pode-se formular do seguinte modo: 
«Trata o outro, como queres que te tratem a ti próprio». 
Isto significa o reconhecimento de uma série de coisas: 
- a igualdade humana (em dignidade); 
- a necessidade de ver o outro (sair da sua redoma, do seu egoísmo); 
- a troca igual, a ajuda mútua, a sociedade baseada na entre-ajuda... 
Desta simples frase extrai-se um sem fim de corolários.
Estou convicto de que é retomando este fio condutor, que poderemos - colectivamente - ser felizes, pois a nossa felicidade está absolutamente ligada ao bem-estar dos outros, ao estado de harmonia da sociedade que nos rodeia. É impossível ser-se feliz no meio da infelicidade, no meio da desgraça...  
Nesta série de textos «ROTEIRO PARA ESCAPAR DA MATRIX» preconizo o auto-conhecimento para o auto-governo (autonomia), assim como o conhecimento do nosso entorno (a ecologia social), a capacidade de avaliar a situação em que nos encontramos, do modo mais objectivo possível, a firme decisão de sermos mestres de nós próprios, o que não implica rejeitar, pelo contrário, o que nos vem de fora. 
O mundo exterior deve ser visto como algo que nos enriquece, como fonte, não só de informação , mas de aprendizagem. Mas, tanto no plano individual como social devemos ter como finalidade ética o que é realmente elevado...
Pois, não se trata de nos colocarmos acima dos outros, mas de adoptarmos o princípio da reciprocidade, como base das relações pessoais. Este princípio pode e deve estender-se a toda a sociedade humana: quanto mais for praticado, numa dada sociedade, mais essa sociedade estará próxima dos ideais de equidade, respeito, justiça e portanto, estará proporcionando as melhores condições para a felicidade dos indivíduos. 
Image result for labyrinthe

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

O COLETE DE FORÇAS DA UNIÃO EUROPEIA



Como é que a União Europeia se tornou uma prisão para as Nações e para os Povos?

Muitas pessoas argumentam hoje em dia, em relação ao Euro e à implicação da austeridade sem fim, o seguinte: os países do Sul e - em particular - Portugal, que permanecerem na «Eurolândia» estão fadados a constantemente perder competitividade, sem outro recurso senão o de baixarem as remunerações laborais e as prestações sociais da população mais desfavorecida.
Esta espiral descendente, que faz com que há vinte anos os países do Sul estejam em défice crónico, enquanto a Alemanha e uma mão-cheia de outros Estados (Finlândia, Áustria, Holanda...) tenham um superavit crónico nas suas trocas com os países do Sul, foi sendo «remediada» com crescentes empréstimos pelos Estados do Sul. 
Assim, cada vez maiores quantidades de dívida se foram acumulando. No momento da grande crise do Euro de 2011, estas economias foram quase até ao fundo, à bancarrota. 
Apenas foram «salvas» pela promessa do BCE e de Mario Draghi em fazer tudo o que fosse necessário, para salvar a moeda única. Isto implicou políticas ditas de «quantitative easing» ou seja, de comprar dívida soberana, emitida pelos Estados mais débeis, Itália, Portugal, Grécia, Espanha... por forma a baixar artificialmente o custo da mesma dívida, podendo assim evitar o descarrilar completo das economias da região do Sul.
Como é evidente, este recurso de compra de activos pelo BCE foi uma medida transitória, terminada em janeiro deste ano. Mas, pela sua natureza, também foi uma medida meramente paliativa, visto que não teve qualquer efeito benéfico, em relação às causas do problema.
Com efeito, manteve-se a assimetria, a enorme disparidade, entre as economias do Norte da Europa e as do Sul, com a capacidade agressiva das primeiras em colocar uma série de produtos de elevada incorporação tecnológica nos mercados mundiais, enquanto os países meridionais eram uma espécie de mercado «cativo» para os gigantes do Norte europeu. 
Para que o Sul tivesse hipótese de se desenvolver autonomamente, permanecendo dentro da UE, esta teria de caminhar para um regime verdadeiramente federal, em que as carências/défices de uns eram compensadas pelo superavit de outros. Mas a Alemanha «nem quer ouvir falar» de pagar dívidas dos outros.
 Esta solução implicava que as regiões europeias menos desenvolvidas receberiam um apoio especial e que os seus défices seriam cobertos, na perspectiva de se diminuir progressivamente o fosso entre regiões «ricas» e «pobres». 
Isto seria muito bonito e belo, mas simplesmente, não poderá acontecer porque a Alemanha tem uma visão tacanha, que não lhe permite compreender que superavits crónicos foram obtidos à custa dos défices doutros ou, por outras palavras, se as suas grandes empresas de automóveis, de metalomecânica, de electrónica, etc., conseguiram uma grande fatia do mercado do Sul europeu, isso deve-se ao facto do Sul se ter endividado para comprar esses mesmos bens. 
Por exemplo, a Grécia, durante muito tempo, foi estimulada pelo lóbi alemão de fabricantes de armamentos (e pelos generais da NATO) a sobre-equipar-se com gadgets bélicos caros. Em Portugal, aconteceu uma situação semelhante, com os submarinos encomendados na vigência de um governo de direita.

Como a solução de federalismo equilibrado dentro da UE não é possível, os países mais fracos apercebem-se que a UE se tornou - de facto - um império, um colete de forças que mantém os países sob um jugo. A situação é muito vantajosa para as classes empresariais dos países do Norte. Estas fazem beneficiar com umas migalhas suas populações respectivas, para estas se manterem submissas. 
Quanto aos países do Sul, eles são submetidos ao ciclo infernal da austeridade: a austeridade significa uma restrição grande no consumo da maioria; logicamente, o comércio e indústria -  dependentes do consumo interno para prosperarem - entram em falência; as falências trazem mais desemprego, emigração para os jovens e piores salários e pensões, para os restantes; estas condições agravadas tornam cada vez pior a economia destes países, visto que muitas indústrias e serviços dependem fortemente do mercado interno. 
Por verem este descalabro, é que os italianos elegeram partidos ditos «populistas» (ou seja, que defendem o povo!). Isto traduziu-se numa imediata hostilidade dos «grandes» (França e Alemanha, sobretudo) e da «Comissão Imperial de Bruxelas». 
  
A perversidade do Tratado de Lisboa faz com que um país não possa facilmente retirar-se do Euro. Para tal, terá de se retirar TAMBÉM da própria UE. 
Nesta saída, vemos a Grã-Bretanha (que nunca pertenceu ao Euro) envolvida. É um processo longo, penoso e causador de grandes perdas... é exactamente o que os burocratas de Bruxelas querem para «tirar as peneiras» aos países que queiram fazer uma saída, negociada ou não, da UE. 
O mecanismo congeminado neste Tratado de Lisboa, absurdo, perverso, contraproducente, está agora a dar os seus «amargos frutos». 
Mas o que estes processos todos revelam é a impossibilidade de genuíno federalismo «top-down». O federalismo genuíno, por essência, tem de ser um processo levado a cabo com muita prudência, para que o povo esteja em condições de não aderir ou de poder retirar-se, a qualquer momento. Uma associação voluntária de pessoas a uma organização, pode ser usada como comparação: se a retirada da organização tem um custo incomportável - económico, jurídico e político - essa tal organização não é muito diferente das «máfias», as associações de criminosos, para as quais as pessoas são recrutadas e depois não têm outra saída possível, senão a morte. 
Neste caso, o das Nações na UE, é um facto que não têm como recuperar a sua autonomia, mesmo que o façam por um processo democrático de autodeterminação. 
Uma eventual decisão de saída, no caso da UE, terá um custo político, social e económico tal, que as pessoas acabam por renunciar, não por convicção, mas por medo e por cansaço.

Não existe «refundação» possível, para uma coisa destas. 
Poderia haver dissolução da UE, seguida de acordos bilaterais, mas numa base completamente diferente: hipoteticamente, tal comportamento permitiria restaurar a confiança. A Europa ficaria unida por uma série de acordos bilaterais, benéficos para ambas as partes, que poderiam ser reformulados, ampliados, restringidos ou até revogados, por acordo entre Estados. 
Ao pretenderem uma «refundação» da União Europeia, os grandes (Alemanha e França) querem apenas mostrar que a sua visão da Europa tem de prevalecer sobre todas as outras. A sua «refundação» é somente uma tentativa de imposição da sua liderança do processo. Penso que é tarde demais.
A União Europeia está no ocaso. Os governos de vários países, dentro e fora da UE, aperceberam-se bem deste fenómeno.  Porém, a opinião pública portuguesa tem sido mantida na ignorância total do que se está a passar. 
A maior parte do «establishment» político de Portugal está visceralmente dependente das benesses vindas da UE. São esses privilégios que custam muito sacrifício para a generalidade dos portugueses, sem qualquer benefício no horizonte. A casta dos políticos do poder são um insulto ao povo, mesmo ao povo que vota neles!

- É assim que a União Europeia se tornou uma prisão para as Nações e para os Povos.

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

AS FORMAS DE GESTÃO DA ECONOMIA E SOCIEDADE NO SÉCULO XXI

As formas de gestão da economia e sociedade no século XXI têm, até agora, vivido de um prolongamento das formas herdadas do século 20. Isso não nos deve surpreender, mas devemos compreender as diferenças estruturais que existem entre a economia e sociedade digitalizadas de hoje e as de há 50 ou mesmo 20 anos atrás. Com efeito, a tendência maior durante o século 20 foi a da concentração, a ascensão de monopólios um pouco por todo o lado, em todos os países, em todos os sectores, só foi possível pela conivência ou mesmo instrumentalização do poder político. Além disso, havia uma forte procura de centralização de poderes administrativos, de concentração de poder nas mãos de uns poucos, quer se tratasse de «politburos» de países de capitalismo de Estado (ditos «comunistas»), quer de construções típicas do capitalismo do chamado «ocidente» como a União Europeia, com o seu colégio de comissários não-eleitos. A todos os níveis, desde o poder local ao internacional, observou-se uma concentração de poderes de facto, mesmo quando se procedia a «descentralizações», em boa verdade, formas de extensão e consolidação dos poderes dos grandes partidos e grupos de interesses que tinham capturado o Estado. 
Na realidade, a revolução digital veio tornar a tarefa de centralização do poder (aqui não distingo a economia e a política, pois estão intimamente ligadas) simultaneamente mais fácil e mais complicada. Mais fácil porque as redes digitais permitem abolir as distâncias físicas e comandar instantaneamente a partir de centros ou nódulos as diversas partes dos sistemas complexos que constituem as sociedades contemporâneas. Mas também uma dificuldade, na medida em que essa facilidade em estabelecer redes de toda a espécie também dá a possibilidade daquilo que é bastante insignificante hoje, «passando debaixo do radar» dos que controlam esta sociedade, possa ser amanhã forte concorrente ou mesmo desafiador do "status quo". Dificuldade também, porque a imposição da «verdade oficial» estará tendencialmente dificultada pelas inúmeras «entradas» no sistema, onde a multidão de anónimos pode simultaneamente fornecer e receber dados - toda a espécie de dados - sem ser através das entidades centralizadoras, controladoras. Para circunscrever tal perigo, para os poderes centralistas, erigiram-se em todas as grandes potências monstruosas estruturas colectoras de dados, como a NSA, que recolhe dados «em bruto» de todo o lado. A indiscriminada colheita é sucedida pela análise, realizada automaticamente, utilizando algoritmos sofisticados e permite a detecção de sinais, de frases significativas. As mensagens assim seleccionadas vão para uma análise mais fina. O processo ocorre em vários patamares até que, no topo, se recorre a peritagem humana. 
Porém, a crise económica, duplicada pela crise ambiental, está a sabotar este modelo centralizado. As probabilidades de uma grande crise estrutural do capital e do ambiente são muitas e só as pessoas ofuscadas, pela ideologia ou pela intoxicação de lixo informativo, não conseguem compreender a iminência dela. 
Por outras palavras, estamos em plena transição. Porém, as formas que podem tomar  as sociedades, as economias e as formas de controlo das mesmas, estão completamente mergulhadas  em espessa névoa. 
Os arautos do futuro, que periodicamente anunciam esta ou aquela transformação, em geral catastrófica, descredibilizam-se por errarem na maioria das suas previsões, mesmo num horizonte temporal bastante curto. 
Por outro lado, a crise das ideologias, nomeadamente, as que se convenciona chamar de «esquerda», resultam na apatia, na ausência de perspectivas, sobretudo das jovens gerações. Ao contrário das pessoas que foram jovens há 60, 50 ou 40 anos atrás, pois nessa época, as ideologias de cunho «revolucionário» tinham adesão garantida dos jovens, desejosos de uma transformação social, queriam ser protagonistas da mesma e procuravam aquilo que desejavam em termos de sociedade, o caminho para tal transformação. A decepção reiterada dessas esperanças devido a diversas circunstâncias, atirou a maior parte daquelas gerações para o cepticismo ou para o cinismo. 
O modelo de sociedade que sonharam afigurou-se não apenas ilusório, mas um logro completo, naqueles países que eram apontados como sendo realizações da nova sociedade, mesmo imperfeitas, com «arestas a limar». 
A impossibilidade de sustentação de um «capitalismo civilizado», onde houvesse uma certa protecção social, reconhecendo direitos económicos como parte integrante dos direitos humanos, foi a outra machadada nas suas ilusões: A social-democracia permaneceu (sobretudo na Europa ocidental) enquanto foi necessária para neutralizar o fascínio exercido pelo «bloco socialista», mesmo sabendo-se que neste vigoravam regimes totalitários. 
Mas, logo que o bloco soviético implodiu, foi tarefa bastante fácil das «elites» capitalistas, desmontarem peça por peça o Estado Social (Wellfare State), deixando apenas uma «carapaça vazia», uma série de «direitos» inscritos -mas letra morta - nas leis dos países. Nestes, a prática burocrática do Estado e das empresas, nega os referidos direitos, subordinando as funções sociais ao «mercado», ou seja, à lei do lucro. 
Mas esta transição está - ela própria - posta em causa, pela existência de uma crise do capitalismo, onde os episódios mais agudos de «crash» são apenas acentuações bruscas da sua perda global de operacionalidade. 
No meio desta «débacle», existem muitos tubarões que conseguem prosperar e edificar pequenos ou grandes impérios económicos. Porém, não se nota um crescimento vigoroso de um capitalismo empreendedor, como seria lógico esperar, se os arautos do neoliberalismo tivessem razão. 
Com efeito, eles constantemente afirmam que a economia tem estado «cativa» de forças «socialistas», ou seja, das protecções sociais para os mais pobres, os mais frágeis; que tem sido essa a causa dos fracos índices de crescimento da economia, do PIB, etc. 
Pois agora, que conseguiram um quase completo desmantelamento do Estado social, a produtividade global estagna e só não recua por causa de avanços na automatação, na informatização...Porém, apesar dessas aparências de «progresso», do ponto de vista social, como no entre as duas guerras mundiais do século vinte, constata-se que alarga o fosso entre os muito ricos e uma classe trabalhadora precarizada, sem protecção real na doença, no desemprego e na velhice.  
Agora, a rentabilidade do capital é inferior à da época em que os trabalhadores usufruíam de protecção e de capacidade para arrancarem melhores salários, contrabalançando, de certa forma, a parte do lucro nas empresas. 
Visto que as pessoas deixaram, numa percentagem crescente, de dispor de um excedente para poderem consumir, além do indispensável, esse acréscimo de consumo foi feito à custa de crédito. Este é efectivamente uma punção sobre o futuro. 
A mínima crise, com seu corolário de aumento dos despedimentos, dos aumentos de preços, de instabilidade nas vidas, precipita as pessoas na pobreza, quando deixam de conseguir pagar as prestações do carro, da casa, dos electrodomésticos, dos estudos universitários, etc.
A solução não está ao virar da esquina, mas tem de ser a duma estrutura muito mais descentralizada, em que redes, não controladas por gigantes, seja na produção, na distribuição ou nos serviços, terão de assegurar o funcionamento mínimo da economia e da sociedade em geral. 
Um tal modelo cooperativo não implica a «morte súbita» do capitalismo enquanto tal, mas que as pessoas descolem de uma dupla ilusão, castradora: 
(1) A de que podem esperar ter um modo de vida decente como assalariadas duma grande empresa, onde patronato ou classe empresarial, dirige e as restantes limitam-se a fazer o que lhes mandam. 
(2) A ilusão de que o Estado é uma espécie de «pai» ou de«mãe» severo/a mas, ainda assim, protector/a, que ouve e atende as pessoas em caso de necessidade, de problemas ... 
As pessoas que estão agora a entrar na vida activa vão descobrir, por elas próprias, que construir um negócio, uma empresa, serem capazes de gerar dinheiro pelos produtos ou serviços que elas próprias desenvolvem é real alternativa à vida de escravidão assalariada, ainda por cima, quando esta se reveste de grande precariedade. Apenas algumas terão coragem de se organizar em sociedades cooperativas, ou de outro tipo, imbuídas de uma visão completamente diferente do espírito empresarial corrente. Sendo de prever que elas irão ter dificuldades colocadas pelos concorrentes capitalistas tradicionais, penso que - no final - têm real possibilidade de triunfar, pois dispõem de maior flexibilidade. 

O pressuposto do que afirmo é de que o agravamento simultâneo da crise económica e da crise ecológica, vão ser os factores decisivos da transformação social. 
As situações sociais e económicas vão ser completamente transformadas pela amplidão, profundidade e duração desta crise. 
Ela poderá ser uma crise de marasmo, de degradação progressiva das condições gerais de funcionamento da sociedade. Não prevejo algo como uma crise revolucionária, embora esta não esteja completamente fora dos possíveis. 

As condições sociais vão ser tão rudes, que apenas pessoas capazes de trabalhar num espírito de entre-ajuda - e não no espírito capitalista «normal» do enriquecimento pessoal - conseguirão subsistir. Ao emergirem desse período de grandes provações, as sociedades irão auto-produzir algo novo.

Com que se poderá parecer tal nova sociedade? Não sou adepto de profecias ou futurologia, mas tenho desejos, esperanças de que as presentes e futuras gerações encontrem o seu caminho. Para que a espécie humana tenha futuro, julgo que as seguintes condições devem verificar-se: a  nova sociedade será mais localizada e menos baseada em mega-monopólios, com uma multiplicidade de regimes de propriedade, onde não haverá predomínio de formas estatais, embora o Estado continue a existir.  


quinta-feira, 13 de julho de 2017

«O ESTADO... ESTÁ FORA DE PRAZO»

O Estado é uma complexa e tentacular organização que se instalou e consolidou paulatinamente, há uns 6000 anos. 
Sofreu as mais diversas formas e reformas, mas - na sua essência - continua a ser baseado no monopólio da força e coerção, sobre um povo ou vários povos, além de que tem o monopólio de «sacar tributo» ou seja de decretar impostos, sendo criminalizados todos aqueles que violenta ou pacificamente põem seriamente em causa este domínio hegemónico. 


O livro de Gregory Sams é muito original e a entrevista acima reproduzida dá conta disso. O entrevistador não poupa questões difíceis, faz o papel de advogado do diabo, todo o tempo... o que torna a entrevista viva e intelectualmente provocante.
Muitos autores de um vasto espectro têm criticado a construção autoritária do Estado, sem por isso pretenderem a abolição de toda a forma de autoridade, simplesmente vendo esta como emanação de baixo para cima, ou seja, das comunidades. Estas estão muito mais em medida de exercer uma certa coerção no seio da própria comunidade do que uma autoridade exterior, judicial ou policial. O autor também privilegia a justiça de tipo reparativo sobre a justiça punitiva, que prevalece ainda hoje.
Ele não se considera anarquista: porém, muitos anarquistas evolucionistas, por oposição às tendências revolucionárias, têm tido ideias semelhantes a Gregory. 
São pessoas pragmáticas, que preferem avançar para objectivos de maior justiça, liberdade e igualdade, a fomentar um cataclismo, que provavelmente iria desencadear a construção de um poder tão ou mais ditatorial e opressivo do que o que foi derrubado.