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domingo, 14 de abril de 2024

OPUS. VOL. III 12. ANTEVISÃO

 

Um tiro no escuro...

E o que restou desse tiro?

Estalido, ruído, tremor, temor?

Quando se alumiou a cena, o que ficou?


- Pois uma estranha peça de caça

Carcaça que estava congelada  

E logo se desembaraçou do gelo

Mas sem miolos, feitos em papa


Ergueu-se à custa dos músculos

E quis esmagar tudo e todos

Mas, acabará em desaire 

Inconsciente do que faz!


Deixá-lo! Já basta de bestas

Esta vai dar muitos socos

No vazio, coices nas paredes

Urrando ferozes ameaças


Mas, nós ficamos a olhar

Sem intervir, certos que ela

Desmiolada vai esgotar

As forças sem proveito


E que assim seja:

Que esmurre o vazio

Pois acabará por soçobrar 

Ante seu próprio peso!


Deixá-lo! Já basta de bestas

Que nos atormentam

É tempo de regressar

À paz, à vida, sem mais dor



 

terça-feira, 27 de outubro de 2020

«O COLOSSO» de Francisco de Goya

             «O Colosso» de Francisco de Goya 


Recordo-me ter visitado o museu do Prado com meus pais, quando muito jovem e ter ficado deveras impressionado com esta figura do colosso que se ergue, terrível, por entre as montanhas, espantando pessoas e gado, que pareciam estar reunidos nalguma feira. Na parte inferior da tela, homens, cavalos, mulas, bois e burros, movem-se, em pânico, derrubando tudo e todos à sua passagem. 
A força deste quadro, interpela-nos hoje em dia, já passados mais de 200 anos. 

No artigo da Wikipedia sobre este quadro, são feitas considerações e conjecturas sobre quem simbolizaria este gigante; qual seria o significado deste quadro; que relação teria com as invasões napoleónicas, pois terá sido pintado durante o período 1808-1812. 
Para mim, este quadro sempre teve relação com forças telúricas simbolizadas pelo colosso; como a erupção de um vulcão, de um terramoto, algo completamente insuspeitado, que se ergue das profundezas da terra, destruindo tudo e todos. 
A força cega da natureza selvagem que é acordada do seu sono letárgico pela incúria dos vivos, poderá também ser simbolizada por esta pintura. 
Das profundezas da terra emerge o inaudito, o monstro raivoso e destruidor. Surge, horrendo e nu, perante uma humanidade totalmente indefesa. 
Ele é o monstro do nosso medo profundo, da nossa fragilidade, que povoa as profundezas do nosso ser. Nós queremos ignorá-lo, mas isso é impossível. 
Os humanos desta cena, assim como os animais, são tomados pelo pavor que os faz correr desordenadamente. 

Creio que é adequado, no nosso tempo, meditar sobre este quadro. Embora saibamos o contexto em que foi pintado, que teria uma leitura precisa e evidente pelos contemporâneos de Goya. Acontece que o tempo torna hermético o significado de muitas obras de arte. 
Não apenas os significados simbólicos se sobrepõem, também a experiência humana corrente das pessoas que contemplam determinada obra, é decisiva para a forma -subjectiva - como a lêem.
Vale a pena meditar sobre o efeito de espanto, de horror, do pesadelo que emerge deste quadro. Ele tem algo de moderno, de impossível de reduzir a um contexto histórico particular. Ou seja, o quadro evoca, ressoa, dentro das nossas mentes. 
Conheço poucas obras, além desta, capazes de - com tanta força - evocar o medo, o pânico e a irrupção do impossível, do sobrenatural no quotidiano. 

A arte pode ser um sinal de alerta, um despertar das mentes adormecidas. Sobretudo, se não tiver como intuito veicular uma ideia precisa, mas antes traduzir o indizível, o inconcebível, por meio de traços e pinceladas. 
A ideia subjectiva que se forma no espectador da obra, é o fruto das vivências do mesmo. Ele fará uma dada leitura, a leitura que se lhe impõe pelos seus sentimentos.

Neste quadro, o que mais me impressionou quando criança, o que fez com que ficasse gravado na minha memória, talvez fosse o frémito, a ruptura, o espanto. Não é a parte racional da mente que se utiliza para apreciar a Arte, mas antes a parte emocional.