quinta-feira, 1 de junho de 2017

EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS - 11

[Extraído do livro «Exercícios Espirituais», 1985,Ed. MIC (Estoril)]

SENTENÇAS


1-      Descalça as botas antes de trepares aos telhados.


2-      A névoa envolve as encostas da montanha; no entanto, o seu cume resplandece sob o Sol.


3-      Não tires à mulher a sua ilusão; todo o amor que lhe possas dar será em vão, se teimares em abrir-lhe os olhos.


4-      A poesia nasce, cresce e morre; os poetas passam – suas vidas valem pelo que produziram.

5-      Uma árvore expande os seus troncos na medida necessária para optimizar a captação de luz pela folhagem, não despendendo porém demasiada energia para extrair a água e os nutrientes do solo e levá-los desde as raízes até às folhas.


6-      Nas coisas da natureza, o Tempo não é linear, mas complexo; embora o tempo não esteja inscrito nos organismos, estes são relógios cuja batida está regulada por factores internos, esses sim, complexos. Não se pode confundir o relógio com o tempo – o instrumento de medição com a coisa medida – no entanto, assim como pode parecer-nos que as horas voam, ou que, pelo contrário, que o tempo custa a passar, também se pode admitir que os diversos relógios naturais estejam regulados de modo diferente, de tal maneira que, num caso, uma hora valha um século (bactérias) ou que, noutro caso, um século valha uma hora (processos à escala geológica).

7-      No amor,
o idealismo consiste em amar a essência,
o materialismo em amar a volúpia,
o cepticismo em não amar,
o dialecticismo em amar a transição do momento de volúpia em momento de essência e vice-versa.






quarta-feira, 31 de maio de 2017

EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS - 10

[do livro de poemas «Exercícios Espirituais», 1985, Ed. MIC (Estoril)]

TROPOS

  

Garganta mal traqueada, não corrijas
O fonema antes de saborear
A maçã em glote mosqueada
De crismas sob forma de coriscos

Salvos aqueles estão, que romperam
O dique medievo das arcadas
Capitulares

Por isso, ó coleante apócope
Podes sofismar a jusante das brutas
Conjunções

Por isso, ó cândidas metonímias
Podeis varrer os sintagmas catalépticos

Por isso, enfim, ó tropos sereníssimos,
Podeis investir em versículo plano
As quartas dominantes sem falha de sístole.







terça-feira, 30 de maio de 2017

EXERCÍCIOS ESPIRITIUAIS - 9

[*Poema de «Exercícios Espirituais», 1985, Ed. MIC (Estoril)]


IMPROVISADO




Rubores clamam nas faces
Deste adolescente
Logo tornado adulto,
Infelizmente,
Que os pavores
Juvenis, as mais das vezes,
Valem mais que os dissabores
Que mais tarde se sente!





segunda-feira, 29 de maio de 2017

EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS - 8

[*poema de «Exercícios Espirituais», 1985, Ed. MIC (Estoril)]

HAIKKU






Mirífica declinação
Subtil hecatombe
Desritmia a compasso
Arcano evidente




domingo, 28 de maio de 2017

EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS - 7

[*poema extraído do livro Exercícios Espirituais, 1985, Ed. MIC (Estoril)]


ESCREVENDO SOBRE O RIO

Vou escrevendo sobre o rio
Estas palavras
Entre murmúrios indolentes
Logo apagadas
Pela força da corrente…

Dizei-me: Que resta
De tudo isso, afinal?
- Resta a memória difusa
De eras varridas pelo sopro
Descido das montanhas…
Eco de cavalgadas viris…

- Calem-se vozes arrotando retórica
Sobre os cadáveres dos pássaros
Regelados na neve!
- Calem-se vozes gemendo ladainhas
Sobre os espaços estelares
Chovendo pérolas entre nuvens!

Calem-se! E deixem-me ouvir
A vibrante epopeia
Que as vagas atiram às rochas
Rolando, rompendo num rugido

Rouco, raivoso de espuma!



sábado, 27 de maio de 2017

EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS - 6

[*poema extraído do livro «Exercícios Espirituais», 1985, Ed. MIC (Estoril)]


ADVERTÊNCIA A UM DESCONHECIDO





As harpas da noite
Estão inscritas
No sangue
Dos vampiros.


sexta-feira, 26 de maio de 2017

EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS - 5

[*Poema do livro «Exercícios Espirituais», 1985, Ed. MIC (Estoril)]


A MENINA SONHA



Moscardos felizes dormem
Sob a axila da menina
De olhos de azeviche


Enquanto sonha com a aranha
Esta vai tecendo um véu
De pérolas de orvalho
Entre as circun-
                     voluções  do cérebro


A sua respiração soergue-lhe
O peito como fole
Atiça a chama na lareira



Seus dedos, livres, acariciam panteras.