sexta-feira, 26 de maio de 2017

EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS - 5

[*Poema do livro «Exercícios Espirituais», 1985, Ed. MIC (Estoril)]


A MENINA SONHA



Moscardos felizes dormem
Sob a axila da menina
De olhos de azeviche


Enquanto sonha com a aranha
Esta vai tecendo um véu
De pérolas de orvalho
Entre as circun-
                     voluções  do cérebro


A sua respiração soergue-lhe
O peito como fole
Atiça a chama na lareira



Seus dedos, livres, acariciam panteras.


quinta-feira, 25 de maio de 2017

EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS - 4

[* poesia extraída do livro «Exercícios Espirituais», 1985, Ed. MIC (Estoril)]

PIERROT EM  NOVA-IORQUE

  



Fulgores de néon jogam à cabra-cega
Em versão electrónica nas janelas de Time Square
Orgia de 50 000 KWH
Na tua íris noctívaga deslumbrada…

Nos para-raios dos arranha-céus
Poderás colher poeira lunar
E com nove letras FL(u)ORESCENTES
Sobre ardósia reticulada

Escrever o nome de COLOMBINA…


quarta-feira, 24 de maio de 2017

EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS - 3

[* poema extraído do livro Exercícios Espirituais, 1985, Edições MIC (Estoril)]



A SOMBRA DE POLICHINELO

  


Fora de todas as paisagens
Resta a paisagem do olhar
Enquanto vagueias pelo quarto
Dilacerado
E a sombra te acompanha
Rindo do teu ar louco
Indiferente a sentimentos
Cínica e titubeante
Analogia do seu dono.




terça-feira, 23 de maio de 2017

EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS - 2

[* poema extraído do livro Exercícios Espirituais, 1985, Edições MIC (Estoril)]


AS HORAS DE ARLEQUIM


Desenlacei o olhar
Da página branca
Da aurora multicolor…
Debrucei-me sobre o raio
De luz que sai de uma telha
Partida, colocada neste lugar
Não se sabe por quem, nem para quê…
Afaguei o pelo quente do meu gato
Dizendo segredos em voz alta
Mas que ninguém pode perceber
Pois partilham a sua nudez
Com os muros leprosos
Batidos pelo sol e os ventos…
Repovoei a mesa de carvões,
De sementes, de tampas de canetas,
De espátulas misteriosas, de conchas,
De cachimbos, de caixas sonoras,
E fui mordiscar uma maçã
Frente às gelosias, com poeira d’oiro
Nas pestanas…
Embati de novo contra a lâmpada
Vermelha das noites estonteadas
Pelo zumbido dos insectos…
Decifrei - a custo – uma inscrição
Gótica nos veios da madeira
Da cómoda, mas sem saber ao certo,
Se a deva tomar como um testemunho
Da progressão do caruncho,
Ou se apenas, como mais uma maliciosa
Partida do meu punhal malaio…
Finquei os dedos no dossel
Do cadeirão, apertando-o
Até ele sussurrar o nome
De São Cristóvão
Isto a propósito do debate
Metafísico
Entre os ramos das árvores
E os pardais, evidentemente…
Sorvi uns decilitros de chá verde
Com a convicção própria de quem
Mergulha num poço onde
Se reflecte o luar…

E deixei-me cair no divã
Exausto por mais esta galopada
Imóvel pelos descampados
Das alcatifas,
Por estes telhados loucos
Como teclados de órgãos
Tangidos por algum frade
Possesso do demónio…






segunda-feira, 22 de maio de 2017

EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS - 1



[* Poema extraído do volume publicado em 1985 pelas Edições MIC (Estoril)]

A Sabedoria da Aranha*



Os que se movem sobre arames tensos
Em praças inundadas de povo
Ao rufar dos tambores locazes;
Os que praticam o ritual´
Do fogo nas crateras dos vulcões;
Os que sabem extrair profecias
Das pirâmides de algarismos;
Os que cruzam os mares
Boreais em veleiros de madre-pérola;
Os que se vestem de vento e de espuma
Nas dunas incertas da memória;
Os que se despedem todas as manhãs
Da claridade diurna, mergulhando
Nos labirintos de quartzo e feldspato;
Os que escutam imóveis as harmonias
Das esferas;
Os que recobrem suas faces com
As máscaras articuladas dos espíritos
Da selva;
Os que se transmutam dentro dos cadinhos
De porcelana dos corpos virginais;
Os que imitam o piar das aves nocturnas
Para desorientar os caçadores;
Os que devolvem as sementes à terra
Com gestos de sacerdotes;
Os que domesticam a sua própria
Sombra nas paredes anémicas dos asilos;
Os que tocam sempre o mesmo realejo
Debaixo das mesmas árvores, das mesmas
Ruas, dos mesmos bairros, das mesmas
Cidades;
Os que inventam festins e palácios e
Jardins e bailes sumptuosos sentados à mesa
De uma taberna sombria;
Os que lavam a roupa na água
Turbulenta dos riachos da serra;
Os que sopram as candeias depois
De todos se terem recolhido a seus quartos;
Os que moem o trigo;
Os que amassam o pão;
Os que o cozem em fornos de lenha;
Os que o movem sem um prévio ritual
De gestos rápidos, olhares furtivos e lábios mecânicos;
Os que desenham um sorriso
Quando se cruzam com namorados
Num jardim;
Os que não contabilizam as boas acções
Numa agenda ensebada;
Os que assobiam canções enquanto esperam
pelo eléctrico;
Os que tomam «actínia» pelo nome
De uma flor exótica;
Os que sonham de olhos abertos;
Os que roubam frutos nos pomares;
Os que riem com os olhos;
Esses,
Esses compreendem que quero dizer
Quando afirmo
Que…
«A poesia deve ser feita por todos.
Não por um» (Lautréamont)





domingo, 21 de maio de 2017

CRÍTICA DA MEDIA DE MASSAS - ANÁLISE DE «VALEURS ACTUELLES»


Embora centrado nesta revista com difusão (quase) só em França, tem interesse pois os processos são aplicados pela imprensa equivalente em todos os países.