A Sabedoria da
Aranha*
Os que se movem sobre arames tensos
Em praças inundadas de povo
Ao rufar dos tambores locazes;
Os que praticam o ritual´
Do fogo nas crateras dos vulcões;
Os que sabem extrair profecias
Das pirâmides de algarismos;
Os que cruzam os mares
Boreais em veleiros de madre-pérola;
Os que se vestem de vento e de espuma
Nas dunas incertas da memória;
Os que se despedem todas as manhãs
Da claridade diurna, mergulhando
Nos labirintos de quartzo e feldspato;
Os que escutam imóveis as harmonias
Das esferas;
Os que recobrem suas faces com
As máscaras articuladas dos espíritos
Da selva;
Os que se transmutam dentro dos cadinhos
De porcelana dos corpos virginais;
Os que imitam o piar das aves nocturnas
Para desorientar os caçadores;
Os que devolvem as sementes à terra
Com gestos de sacerdotes;
Os que domesticam a sua própria
Sombra nas paredes anémicas dos asilos;
Os que tocam sempre o mesmo realejo
Debaixo das mesmas árvores, das mesmas
Ruas, dos mesmos bairros, das mesmas
Cidades;
Os que inventam festins e palácios e
Jardins e bailes sumptuosos sentados à mesa
De uma taberna sombria;
Os que lavam a roupa na água
Turbulenta dos riachos da serra;
Os que sopram as candeias depois
De todos se terem recolhido a seus quartos;
Os que moem o trigo;
Os que amassam o pão;
Os que o cozem em fornos de lenha;
Os que o movem sem um prévio ritual
De gestos rápidos, olhares furtivos e lábios mecânicos;
Os que desenham um sorriso
Quando se cruzam com namorados
Num jardim;
Os que não contabilizam as boas acções
Numa agenda ensebada;
Os que assobiam canções enquanto esperam
pelo eléctrico;
Os que tomam «actínia» pelo nome
De uma flor exótica;
Os que sonham de olhos abertos;
Os que roubam frutos nos pomares;
Os que riem com os olhos;
Esses,
Esses compreendem que quero dizer
Quando afirmo
Que…
«A poesia deve ser feita por todos.
Não por um» (Lautréamont)
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