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quinta-feira, 12 de julho de 2018

EVOLUÇÃO HUMANA: «OUT OF AFRICA»... OU «OUT OF ASIA»?

                                    


As escavações no planalto central da China, em Shangchen, têm revelado instrumentos de pedra como o da foto acima, cujas datações indicam idades de mais de dois milhões de anos. 
Os 96 objectos até agora encontrados, junto com fragmentos de ossos de antílope, porco e veado, mostram que os homininos - membros do género homo que antecedem o aparecimento da nossa espécie - já ocupavam a China, mais de 250 mil anos antes do que anteriormente se pensava. 
Com efeito, os restos de homininos mais antigos, até agora encontrados na China e Indonésia, tinham cerca de um milhão e 500 mil a um milhão e 700 mil anos. 

                            Lantian Man hominin

Ao fazer-se recuar a presença de homininos na Ásia para uma data não inferior a 2 milhões e cem mil anos atrás, está-se perante uma data de saída de África muito recuada. 
Os primeiros homininos surgiram há 2 milhões e 800 mil anos na Etiópia. Os mais antigos restos de Homo erectus, até agora encontrados fora do continente africano, em Dmanisi na Geórgia, são mais recentes que dois milhões de anos. 
Isto implica que a presença de Homo erectus (ou seus antecessores) no continente asiático, se deve considerar muito precoce. De tal maneira, que se vê reforçada a hipótese de homininos terem evoluído na Ásia durante um período longo e depois, terem regressado ao continente africano. 
A favor desta tese, pode alegar-se o muito grande intervalo de tempo durante o qual a espécie Homo erectus esteve nas várias partes da Ásia. Isso trouxe diferenças morfológicas, «raças» identificáveis pela variação anatómica de fósseis, assim como adaptações ecológicas importantes. Dmanisi trouxe a revelação (através dum número de indivíduos sem precedentes, no que toca a restos fósseis desta época), da enorme variabilidade intra-grupo. 
Agora, vemos que os homininos na Ásia tinham já uma grande capacidade de adaptação a várias condições geográficas, como provam as  descobertas de Shangchen, a qual está situada mais ou menos no mesmo paralelo que Kabul. Isto significa que no Inverno a temperatura é muito baixa, o que implica uma capacidade de fabricar abrigos e roupas quentes. 
A paleoantropologia está permanentemente em mutação, ao ponto de aquilo que ontem era considerado fantasista, a recolonização de África por homininos que se tinham diferenciado ao longo de milénios na Ásia, tem hoje um alto grau de verosimilhança. 


sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

NEANDERTAIS E HUMANOS «MODERNOS» - CIÊNCIA E VULGARIZAÇÃO CIENTÍFICA

                 
                            Conchas perfuradas e restos de ocre em sítios arqueológicos datados
                             e identificados com os Neandertais 
                             http://advances.sciencemag.org/content/4/2/eaar5255
                             
A somar a muitas outras anteriores, chega-nos a notícia de que grutas em zonas do Sul de Espanha tinham pinturas rupestres (não figurativas) originárias de uma época em que a zona somente era povoada por neandertais, sendo certo que os «Homo sapiens modernos» ainda não tinham aí chegado. Estes saíram de África, segundo se estima actualmente, há menos de 60 mil anos, tendo permanecido vários milénios no Levante (onde é hoje Israel, Líbano...). 
Eles, os homens «modernos», antes de chegar à Península Ibérica, dispersaram-se por zonas do Centro e do Leste da Europa e por outro caminho - bordejando o Mediterrâneo - ocuparam territórios no Sul e Oeste europeu.


                                     
Sendo os humanos modernos uma espécie em competição directa pelos mesmos recursos que seus parentes, os Homo sapiens neanderthalensis, as zonas anteriormente povoadas  exclusivamente por neandertais foram sendo também aquelas onde os humanos «modernos» se vieram a estabelecer. 
A substituição não foi brusca, pelo contrário, foi muito longa. Houve - de certeza  - hibridação genética (todos os euroasiáticos possuem pedaços de ADN de origem neandertal, sabe-se isso desde os princípios deste milénio); houve também «hibridação cultural», desde há muito que se reconheceu que populações neandertais, supostamente mais «primitivas», teriam copiado muita tecnologia dos Homo sapiens «modernos», sendo muito incerto atribuir certos sítios arqueológicos a homens «modernos» ou aos neandertais, somente com base em artefactos obtidos nas escavações. 

Não há dúvida de que, no caso da humanidade ancestral, a dinâmica populacional é complexa e não se coaduna facilmente com o estereótipo de uma «progressão linear», de uma «evolução progressiva e ininterrupta» instilada pela media ignorante e apressada, ou pelos «manuais de História» adoptados no ensino, que retraçam os primórdios da Humanidade de modo muito esquemático, ao ponto de transmitir ou reforçar ideias-feitas (preconceitos) nos alunos. 
Por fim, temos uma comunidade científica que debate com calor os seus pontos de vista, nem sempre utilizando bons argumentos: Veja-se o caso da polémica (científica, antes de se tornar mediática) em torno do «menino de Lapedo» (descoberto e descrito por João Zilhão, 1998).

Para mim, é ocasião de me maravilhar, pelo facto de cientistas estarem muito preocupados em fazer encaixar a realidade das suas descobertas dentro dum quadro rígido conceptual, ou seja:
Existem conceitos de espécie diversos. 
Por exemplo, o conceito de espécie de Lineu, implícito na taxonomia de espécie bi-nominal (o nome específico do homem é Homo sapiens; o género ao qual pertence é apenas "Homo")... ainda está presente, cada vez que se dá um nome (segundo a nomenclatura taxonómica) a nova espécie...
Ou o conceito biológico de espécie, devido Ernst Mayr: segundo esta definição, são da mesma espécie os indivíduos que -no seu ambiente natural (não enjaulados, etc)- se cruzam e dão descendência fértil. Isto significa que os híbridos, resultantes do cruzamento das duas populações iniciais, podem cruzar-se entre si, sem perda de fecundidade e tendo descendência plenamente fértil.
No século XIX e princípio do séc. XX, com a popularização do Darwinismo e de teorias evolutivas associadas a uma antropologia «racial», punha-se a questão de saber se as diversas «raças» humanas  deveriam ser classificadas como seres da mesma espécie... Foi necessário muito sangue e sofrimento para que fossem varridos os preconceitos racistas que imbuíam os discursos de muitos cientistas (antropólogos, historiadores, biólogos, sociólogos... e claro, depois repercutidos pelos media, até ao «homem da rua»). 
Só se começou a questionar seriamente o conceito de «raça» aplicado ao humano na década de 1960, com LewontinStephen Jay Gould e outros. 
Segundo a biologia, uma nova raça (no sentido verdadeiro, sem aspas) é uma nova espécie que está em formação, que ainda não se separou completamente da espécie de origem. Há ainda interfecundidade com a espécie de onde provém,   mas esta já não é perfeita. Por exemplo, a taxa de fertilidade dos híbridos (a descendência de 1ª geração, resultante do cruzamento entre raças «puras») está diminuída. 
Uma população onde os indivíduos possuem um decréscimo significativo da fecundidade no estado natural, está - a prazo - condenada a desaparecer. 
Suponho que tal deve ter acontecido, ao longo de muitas centenas e mesmo milhares de anos, às populações dos neandertais que se intercruzaram com homens «modernos». 
Os híbridos teriam menor viabilidade do que qualquer uma das linhagens puras - neandertal e homem moderno. 
Tal é possível nas espécies em causa, porque os neandertais evoluíram durante muitos milhares de anos (mais de 100 mil?) de forma completamente separada dos restantes Homo, que permaneceram em África
Por outras palavras: após tanto tempo, o homem de Neanderthal, devido às adaptações ao clima muito frio e agreste do continente euro-asiático (equivalente aos climas do extremo norte da Europa ou da Sibéria, de hoje), era inevitável que seus genes tivessem diferenças significativas em relação aos homens «modernos», que permaneceram em África, do outro lado do Mediterrâneo: estes últimos só entraram na Europa há cerca de 60 mil anos... 
O encontro e cruzamento entre as várias sub-espécies (ou raças verdadeiras) que constituíam as várias populações do género Homo no continente euroasiático, com a espécie Homo sapiens «ancestral» vinda de África, acabou por esbater as marcadas diferenças físicas (morfológicas, bioquímicas, etc). 
A espécie humana actual é única e as chamadas «raças» não são verdadeiras raças*, pois a inter-fecundidade, entre os membros de diversas etnias ou populações e a fecundidade dos seus híbridos é plena: não existe qualquer tipo de barreira genética ao cruzamento. 
O preconceito é que torna tão complicado o assunto, pois as espécies humanas desaparecidas são vistas, subjectivamente, como «nossas» ancestrais. 
Se as víssemos apenas como um conjunto de espécies que evoluíram, espécies que são objecto de estudo em paleoantropologia, em biologia e em genética das populações... talvez houvesse menos carga emotiva no debate! 
- Mas nós, os humanos, somos assim... subjectivizamos tudo!  

...............
*ver também o meu livro de 2008, sobre o processo de humanação: 
https://app.luminpdf.com/viewer/cSg3omvykP9g3rj5u

domingo, 11 de junho de 2017

FÓSSEIS HUMANOS DE 300 MIL ANOS DESCOBERTOS EM MARROCOS

A fantástica descoberta de Jebel Irhoud (Marrocos), não apenas recua de 100 mil anos o aparecimento de Homo sapiens, passando a 300 mil anos antes do presente, como também vai abrir uma nova perspectiva  sobre a evolução precoce da humanidade. 
Esta conferência, no College de France, é efectuada por Jean-Jacques Hublin, professor nesta instituição e um dos investigadores da equipa que realizou a descoberta.


terça-feira, 9 de maio de 2017

HOMO NALEDI - A IMPORTÂNCIA DE UMA DATAÇÃO


 
Homo naledi viveu há cerca de 2,5 milhões de anos ou entre 250 mil e 400 mil anos, aproximadamente?

Parece que - afinal - esta espécie é contemporânea dos primeiros Homo sapiens, o que é um dado quase tão espectacular como a própria descoberta de «naledi». 
Parece que há condições para isolar o ADN: será determinado se houve cruzamentos interespecíficos (com a espécie H. sapiens ou outra) e quais as características ancestrais que partilha naledi com o ramo sapiens

Há uns anos atrás, li os primeiros relatórios científicos sobre esta espécie fóssil pelo seu descobridor Lee Berger: este fazia notar uma extraordinária mistura de características anatómicas ancestrais, com características muito mais evoluídas.

Sabe-se que H. naledi fabricava instrumentos. Talvez tenha havido transferência horizontal de tecnologia, de uma para outra espécie.

Há muito por descobrir, há muitos ossos fósseis que têm de ser analisados no complexo de grutas da África do Sul, onde foi descoberta esta espécie, há 5 anos atrás.

De qualquer maneira, os dados já apurados reforçam a tese de que a evolução humana procedeu por radiação, com episódios de hibridação e posterior diferenciação.   


domingo, 19 de junho de 2016

domingo, 12 de junho de 2016

Sobre Homo floresiensis - reflexão sobre descobertas em paleoantropologia


 As descobertas recentes de fósseis em Mata Menge indicam que Homo floresiensis já existia há cerca de 700 mil anos.

Nos inícios do novo milénio, uma viva polémica eclodiu no mundo da paleoantropologia. Com efeito, a descoberta do «Hobbit», assim alcunhado pois era um hominídeo de dimensões anãs, dividiu a comunidade científica em dois campos antagónicos:
- os que pensavam ser um Homo moderno (o fóssil único encontrado foi datado com a idade de 17 mil anos, portanto contemporâneo dos Homo sapiens modernos) mas sofrendo de uma patologia. Eles viam neste fóssil «deformações» semelhantes a vários casos conhecidos de nanismo;
- os que pensavam estar-se perante uma nova espécie do género Homo, aparentada com Homo erectus. Os traços que alguns atribuíram a uma forma  nanismo, eram simplesmente características ancestrais. O «Hobbit» teria sobrevivido durante muito tempo, pelas condições de isolamento especiais que a Ilha de Flores (na Indonésia) possui.

Agora está definitivamente demonstrado que H. floresiensis é uma espécie verdadeira. Não é um caso de patologia isolado e que teria sido fortuitamente fossilizado. As escavações recentes datam os fósseis H. floriensis recentemente encontrados de mais de 700 mil anos. 

O «Hobbit» teria derivado de H. erectus, presente na região. O primeiro fóssil de H. erectus foi descoberto em Java no séc. XIX e está datado de cerca de 800 mil anos. Existem outros fósseis destes hominídeos, noutras regiões do Extremo Oriente, ainda mais antigos. Pensa-se que esta espécie de hominídeos saiu de Africa há cerca de 1,5 milhões de anos, colonizando muitas partes do continente asiático.

A importância genérica da redefinição do que se entende por «ser humano» nunca poderá ser demasiado enfatizada.
Somos muito influenciados por estereótipos sociais e a nossa imagem dos outros e das sociedades é - muitas vezes - uma projeção dos nossos mitos.

Aos mitos da origem, presentes nas narrativas religiosas, em todos os povos, substituiu-se, a partir do século XIX, uma narrativa dita científica das origens da humanidade.
Sem dúvida, a revolução epistemológica do darwinismo contribuiu muito para isso. Porém, acontece que certas ideias têm imenso sucesso e logo são apropriadas, distorcidas, adulteradas, etc. ... para satisfazer as agendas particulares de políticos demagogos. O que o público «sabe» do darwinismo, não é mais do que uma série de clichés, ou seja, de ideias muito genéricas e falsas. São formulações de tal modo simplistas, que se pode seguramente afirmar que não correpondem - de  facto-  ao pensamento do próprio Darwin.
Pegar numa frase, distorcê-la, isolá-la do contexto em que foi pronunciada ou escrita, é ideologizar, não é fazer «divulgação científica». Muitas vezes deparo-me com um chorrilho de ideias-feitas a propósito da evolução, em particular da evolução humana.

Considero muito desejável e indispensável uma divulgação de qualidade no campo da paleoantropologia: que as pessoas saibam algo sobre os novos dados e conceitos, que vêm subverter e renovar todas as perspetivas sobre a evolução humana.