Tenho
seguido com um interesse crescente os debates que circulam na Internet sobre as
precárias liberdades de expressão neste médium e noutros, na sociedade em
geral.
Tenho estado a observar, desde há alguns anos, a deriva para uma atitude
passiva da maior parte das pessoas que se refugiam no seu círculo de «amigos»
virtuais e não passam desse casulo, como o de insetos, tecidos por eles próprios,
mas envolvendo as suas mentes, não o seu corpo.
A
maneira como este processo atua é semelhante à exposição repetida a uma agressão.
Nos primeiros momentos, a dor pode ser muito intensa, mas com a repetição, a
intensidade do efeito doloroso torna-se menor. Sabemos que isso se deve à
secreção de «endorfinas» essas morfinas naturais, segregadas pelo cérebro… Pois
a exposição a algo violento, destruidor da nossa própria moral, etc. segue uma
curva semelhante: a dor, a indignação
vai ser substituída, a pouco- e-pouco, por um «acostumar», uma indiferença, um
encolher de ombros.
Instala-se
o relativismo moral, causando a apatia, a anomia, dos indivíduos e da sociedade
em geral. Os poucos que conservam sua consciência despertada estão em minoria;
são «neutralizados» perante um oceano de «consciências zombificadas».
A
«Nova Ordem Mundial», que é temida e considerada um pesadelo orwelliano por
muitos, já está praticamente instalada. Para amostra disso, veja-se como a
propaganda dos media ditos de referência, na realidade, porta-vozes do governo
e das grandes corporações, consegue, na indiferença
mais geral, perseguir media alternativos que têm uma ínfima fração do auditório
e igualmente uma ínfima fração dos recursos humanos, financeiros, técnicos, etc. destes
mastodontes.
De
facto, os media alternativos, os cidadãos-repórteres, constituem um «perigo», não para a cidadania,
mas para a credibilidade de governos e media corporativos e portanto devem ser difamados, banidos, criminalizados.
Isso
não parece inquietar muito os nossos concidadãos… Estamos realmente num
resvalar para uma sociedade completamente totalitária.
O
totalitarismo do nosso século é insidioso, não é óbvio como os que o
precederam. Pois estes baseavam-se na repressão a quente, no medo físico.
O
totalitarismo atual baseia-se na «gestão do medo», na manipulação da perceção
do medo, como que instigando as pessoas a terem medo da sua própria sombra.
Que
outra explicação dar para a onda do «politicamente correto» que nas
universidades americanas já tem foros de patologia social e institucional?
Dentro desse paradigma do politicamente correto usam o termo «hate speech»
(discurso de ódio).
Supostamente,
as pessoas teriam o direito de «serem protegidas» dum discurso de ódio. Mas quem
decide que tal ou tal discurso é «de ódio»? E quem tem o atrevimento de negar a
minha própria liberdade de avaliar e de julgar -por mim próprio - o que penso
de tal ou tal discurso?
É que o discurso de ódio propriamente dito
costuma ser produzido, está constantemente a ser produzido aliás, pelas
instâncias do poder. Eu «sofro» este discurso do poder, como é inevitável, embora
não fique nada impressionado por ele.
Também
não fico «lesionado» ou «influenciado» por ouvir ou ler um discurso de ódio de
uma seita nazi, de uma seita islamita radical, estalinista, ou outra qualquer!
Posso
dizer então que a «proteção» contra o «discurso do ódio» é afinal um alibi para
coartar a nossa liberdade de acesso às fontes de informação, de ajuizar por nós
próprios, de exercermos o nosso sentido crítico e finalmente, coarta aquilo que
supostamente diz defender, os direitos humanos, a liberdade de pensamento e de
expressão!
É
típico da gente totalitária criar uma imagem negativa dos outros, sem nenhum
respeito pela verdade, exatamente como espelho daquilo que eles próprios são e
praticam.
Se
acusam outros de não respeitarem a «verdade», tenham como certeza que eles se esmeram a confundir e ocultar os factos, a transformar informação em mero invólucro de
propaganda, ou pior ainda, perseguir e calar por todos os meios, quem se atreve
a dizer a verdade e em dá-la a conhecer. Não esqueçamos Manning, o soldado preso, torturado e condenado
a prisão perpétua por ter revelado crimes de guerra americanos no Iraque.
A
redoma que nos envolve, uma Noosfera que Pierre Theilhard de Chardin
profeticamente anunciara, tem lados magníficos, como a capacidade de nos
cultivarmos e alcançarmos um grau de saber quase infinito do ponto de vista do
potencial, através da Rede.
Mas
proporciona o contrário disso, ou seja, o enredar da própria mente dentro dos
seus mitos, dentro da narrativa que conforta mais o ego: esta é – sem dúvida- a
atitude mais frequente.
O
cérebro ativa circuitos do prazer em função dos estímulos que recebe do
exterior. Existem circuitos que são ativados e ativam a secreção de
neurotransmissores, a ocitocina é um deles. Ele obtém maior remuneração
psicológica/bioquímica por ver, ler, ouvir, as coisas que nos agradam, do que
coisas sobre as quais discordamos, que nos afligem, que nos inquietam. Aliás, a
adicção ou viciação, instala-se precisamente dessa maneira: quando o cérebro
precisa de certos estímulos específicos para obter uma «dose» de moléculas,
ativadoras dos circuitos do prazer.
Não
existe possibilidade de combater o totalitarismo quando o próprio público ou
uma maioria muito grande dele apela para ele ou está completamente indiferente.
Ele
nunca se instala de forma ostensiva, aberta. Se o tentasse, naturalmente seria
repudiado e combatido, haveria reações violentas adversas.
A
sua artimanha é apelar áquilo que as pessoas têm de mais profundo, os seus
medos, muitos dos quais vêm da primeira infância e são parte integrante da
nossa personalidade.
A
ciência psicológica é posta ao serviço desse controlo, pois a maneira de nos condicionar
para consumir uma determinada marca de um produto é essencialmente a mesma que
para determinado comportamento político ou social.
O
ser humano – todos nós – só pode começar a libertar-se da nova forma de totalitarismo
quando uma grande maioria das pessoas se aperceber das suas consequências
nefastas nas suas vidas pessoais e sociais, causadas por esse sistema.
Antes
disso, os que têm consciência, serão colocados na mesma posição que os
«heréticos», os «livres-pensadores», tiveram: serão segregados, discriminados,
a sua voz será calada por todos os meios.
Eu
faço o mea culpa pois cri durante algum tempo que não seria possível nunca mais
haver totalitarismo, nunca mais regimes como o hitleriano ou estalinista.
Porém,
o novo totalitarismo aqui está a bater à porta. Já não se baseia no terror
«físico», mas sim no terror psíquico, no medo que as pessoas têm de serem
apontadas a dedo, de serem acusadas, ostracizadas, agredidas, pelos próprios
concidadãos.
O
futuro dirá como é que esta deriva totalitária se irá desenvolver, se vai ou
não tomar as sociedades ditas «mais avançadas» e o mundo em geral.
Eu
penso que as pessoas dissidentes no espírito serão os «monges» da nova «idade
das trevas».
Nos
anos em que a civilização romana ruiu e se instalou a sociedade feudal, os reis
eram chefes de guerra, analfabetos e brutais. Destruíram ou presidiram à destruição
de muitas obras materiais e imateriais inestimáveis, que resultaram da
acumulação de ciência, saberes, artes, durante vários séculos.
Os mosteiros eram pequenas ilhotas de paz, no
meio da violência e da miséria, causadas pelos senhores feudais. Estas ilhotas
preservaram, em manuscrito, muitos tesouros do pensamento, da arte, dos
saberes, da filosofia… muitos milhares de copistas/monges se dedicaram, para que
algo da civilização fosse transmitido às gerações vindouras.
Será
talvez uma analogia, com toda a imprecisão que têm as analogias. Porém, ao
esboçar-se uma nova «idade das trevas», onde residirá a luz do saber, da
consciência, como sobreviverá?
Quem
serão os «monges» que manterão - de geração em geração - o legado do passado? Os do
presente e futuro, não serão necessariamente monges ou freiras; não haverá necessidade de uma vida monástica,
estritamente falando.
Têm
de ser pessoas corajosas e pacientes, que mantêm uma postura crítica. As que
teimam em dar a conhecer as realidades aos seus concidadãos, os
«whistle-blowers» ou dadores de alerta, que defendem utopias não autoritárias, que
mantêm uma postura moral no meio do relativismo moral ambiente, na sua
diversidade e heterogeneidade, serão capazes de manter a chama do humanismo
acesa?
Cabe a cada leitor escolher o seu lado, aceitar ou não o meu ponto de vista.
Cabe a cada leitor escolher o seu lado, aceitar ou não o meu ponto de vista.
Mas
se escolher o lado do humanismo contra a barbárie, então não baixe a guarda,
não caia nas múltiplas armadilhas do totalitarismo, que se veste de roupagens
«livres» ou mesmo «libertárias», para impor o seu relativismo moral. Em suma, o
espírito crítico exerce-se sobre nós próprios e os nossos atos ou falta deles.
Parafraseando
o Pastor Bonhoeffer, «O que é decisivo para avaliar a moral de uma sociedade é o
género de mundo que ela está produzindo e irá legar aos seus descendentes» (“The ultimate test of a
moral society is the kind of world that it leaves to its children.”)