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terça-feira, 17 de setembro de 2019

QUEREMOS REALMENTE NOVAS GERAÇÕES CRIATIVAS, ORIGINAIS E CAPAZES DE AUTONOMIA?


O visionamento de um vídeo de entrevista com o Prof. Richard Wolff, um celebrado economista e professor universitário dos EUA, sobre o sistema classificativo/ notação, pelo qual passam inúmeros alunos em todos os graus de ensino, que os arrumam em «casas» de acordo com a «avaliação» que professores fizeram deles, dá-nos apenas um aspecto, mas um aspecto muito sintomático, de como funciona - realmente - a instituição escolar.
Mas - para além da instituição escolar - na sociedade também, nas empresas, na função pública, etc. o papel da classificação dos indivíduos vai muito além do trivial de «separar os competentes e os sabedores, dos menos adaptados». O problema é que aquilo que este tipo de ensino faz, nada mais é que internalizar as desigualdades, atribuindo o «sucesso» e o «fracasso» sempre ao indivíduo, visto como uma espécie de máquina de responder a testes, ou de fazer os trabalhos mais apreciados pelos seus avaliadores. O controlo das pessoas é assim máximo, pois a instituição no seu todo (e até as pessoas individuais que se sentam em lugares de comando e de selecção) decide quem, como e quando... Decide se determinado indivíduo vai, ou não, entrar como estudante ou empregado/a. Obviamente, as pessoas sabem que assim é: todas mimetizam os gestos, recitam as fórmulas encantatórias, etc. que passam por «saberes». No domínio da realidade nua e crua, estão de facto a mostrar até que ponto vão a extremos de absurdo para conseguirem o que pensam ser a sua «tábua de salvação». 
Entregam-se nas mãos de avaliadores, entregam-se para serem avaliadas, ou seja classificadas, seleccionadas (eventualmente) para... para... serem exploradas! 
Elas sabem todas isso, de uma forma confusa, ou até de forma perfeitamente lúcida. Não importa! 
- Estão convencidas de que não existe outra escolha, de que não existe outro caminho para singrar, para ter o seu pequeno quinhão, que lhes permitirá sobreviver e - talvez -constituir família! 
Elas darão ao empregador o seu trabalho, a sua energia, o melhor delas próprias, a troco de um bocado de «pão», mas tudo é virado do avesso, para que se sujeitem a fazer o que, de outra maneira, seria considerado indigno fazerem. Alguém se submeter a escravatura, a ser propriedade de outros, será algo invejável? 
- Pelos vistos sim, pois há imensa gente jovem, saída das classes médias ocidentais (e não só) que se submete voluntariamente, em troca de um diploma, de um certificado que diz (no sub-texto) «Fizeste tudo aquilo que consideramos necessário para nos garantir a tua conformidade com a norma, tua submissão,tua aceitação acrítica do sistema, tua disponibilidade infinita para seres explorado/a e agora damos-te este certificado/diploma, para que vás competir com outras pessoas como tu, por empregos em que os lugares estão disponíveis, não para os criativos, não para os originais, não para os sérios trabalhadores, mas para pessoas submissas como tu».
As pessoas só se submetem, porque lhes deram uma matriz falsa (a «meritocracia») que lhes impede de VER a sua condição de exploradas, de servas ao serviço de um semi-deus qualquer, seja numa empresa, ou no Estado...».

É isto que esta sociedade faz, aos seus próprios filhos e filhas. 
Além disso, as pessoas individualmente, sempre com óptimas autojustificações, tentam «furar» os princípios e pressupostos das tais «regras» de competição, através da cunha, da corrupção, do compadrio, do nepotismo... 
A existência generalizada deste fenómeno da corrupção em todas as regiões geográficas e em todas as camadas sociais, mostra como é impossível de reformar o sistema por dentro, com «reformas» para deixar tudo o resto intacto!
Qual a alternativa?
Há a capacidade de auto-organização dos indivíduos, quer em associação formal ou informal. Há a possibilidade de ser membro da socidedade, de não se ser um(a) marginal, sem no entanto cair debaixo do jugo do novo feudalismo. Mas, isso implica analisar até que ponto nos baixámos, vendendo-nos (e vendendo nossos filhos e filhas) ao moloch, ao deus dinheiro/deus lucro. 
Se alguém reflectir bem sobre como se chegou a este ponto, se compreender quais os mecanismos que perpetuam as nossas cadeias, talvez seja muito mais fácil do que parece, esse alguém construir alternativas, aqui e agora, que funcionem e que tenham viabilidade económica e social. 
O medo de falhar é inibitório e existe muita gente que não consegue ter confiança na sua própria energia, embora saiba que tem energia suficiente para ser explorada e dar o seu trabalho por uma soma de «papel» ou de dígitos electrónicos... 

O processo de apoderamento é complexo e longo: eu assimilo-o ao tratamento de um adicto de «drogas duras», que precisa de apoio. 
Mas, à diferença do que é comum com a adicção «química», o processo de libertação psíquica em relação ao sistema, pode fazer-se sem que restem sequelas no paciente. 

terça-feira, 18 de setembro de 2018

«ENTRE A CHINA E A COREIA» POR EDUARDO BAPTISTA



Este pergaminho de caligrafia chinesa foi oferecido à escola pelo presidente sul-coreano Park Chung-Hee em 1969, Lê-se: “Coreia e China, amigos íntimos”. (韩中亲善)  

Á volta da capital sul-coreana de Seul, a influência da China é visível. Nos distritos centrais da cidade, empresas de consultoria de educação exibem cartazes gigantes que oferecem cursos que “garantem” levar os clientes, de um nível básico de Mandarim, até ao grau mais elevado do exame de proficiência em língua chinesa (HSK 6), tudo no intervalo de 30 dias.
Em Myeong-dong, o centro da indústria cosmética de Seul, vendedores sul-coreanos podem ser vistos a falar um chinês quase perfeito, enquanto tentam vender máscaras e perfumes aos milhares de turistas chineses, grande parte dos quais viaja para Coreia do Sul somente para comprar produtos cosméticos de alta qualidade.

Mas noutras paragens menos turísticas, é a vez dos imigrantes chineses fazerem a sua presença sentida. Tomando o metro em direcção sudoeste, chega-se ao bairro de Daerim-dong, conhecido por ter a maior concentração de imigrantes chaosienzu (), a minoria étnica coreana da China.
As principais ruas de Daerim-dong estão repletas de restaurantes que servem gastronomia de todas as regiões da China.


No entanto, um reduto da cultura e língua chinesas em Seul tem estado enfraquecido nas últimas duas décadas. Situada no distrito de Sodaemun, no noroeste da cidade, a Escola Secundária Chinesa de Seul foi estabelecida como escola básica em 1948, por um grupo de imigrantes chineses envolvidos no comércio sino-coreano. Depois do começo da Guerra da Coreia, a 25 de Junho de 1950, a escola foi rapidamente transferida para a Câmara de Comércio Chinesa de Busan, no sul da Península coreana. Mais tarde naquele ano, quando as forças sul-coreanas e da ONU foram encurraladas em Busan pelo exército norte-coreano, apoiado pelos soviéticos, a escola teve que ceder seu espaço para os soldados, transferindo-se para uma morada muito mais humilde: algumas tendas numas colinas situadas nos subúrbios de Busan. Após o fim da guerra, em 1953, a escola voltou para Seul, acrescentou o ensino secundário e em 1956 recebeu reconhecimento oficial do governo sul-coreano.




A entrada da Escola Secundária Chinesa de Seoul. O poster rosa, no lado esquerdo, diz, em coreano, "Agora é a Era da China" numa tentativa de atrair mais alunos coreanos para o currículo chinês oferecido pela escola.




Dois leões de pedra, uma característica comum da arquitectura imperial chinesa, flanqueiam as escadas que vão até o prédio principal da escola




“Fiel, filial, trabalhador, parcimonioso”. Valores confucianos exibidos na entrada do edifício principal da escola




Avisos bilingues passam pelo painel de LED da escola, exibindo frequentemente ditados confucianos como o da direita, "o valor da vida depende do que se contribui e não do que se adquire"




Os “quatro laços sociais” do sistema de valores confucianos - propriedade, justiça, honestidade e senso de vergonha - pintados na parede




Os altos e baixos desta escola secundária têm sido ditados por mudanças históricas nas relações sino-coreanas. Como o actual director Yu Zhisheng explica, na época da sua fundação, a escola era propriedade da embaixada taiwanesa na Coreia do Sul, que a financiou na esperança de encorajar os alunos a mudarem-se para Taiwan depois de se formarem. A cidadania taiwanesa fazia parte do pacote oferecido aos jovens imigrantes, assim como uma bolsa para estudar numa universidade taiwanesa.



Alunos e professores lamentam a morte de Chiang Kai-Shek, 6 de abril de 1975

O apoio financeiro do governo taiwanês foi decisivo no crescimento da escola. No final dos anos setenta, quando Yu era estudante, a escola atingiu o seu auge, com 2800 estudantes.
No entanto, após décadas de industrialização, a motivação inicial de Taiwan para financiar a escola começou a diminuir, trazendo uma diminuição gradual do financiamento governamental até 1992. Nesse ano, a decisão da Coreia do Sul de transferir o reconhecimento diplomático de Taiwan para a República Popular da China finalizou o corte de apoio económico à escola. Isto levou ao aumento anual das propinas que, no início dos anos 2000, ultrapassava a média das escolas privadas em Seul, causando uma diminuição gradual no número de estudantes; a escola hoje tem pouco mais de 500 alunos, o número mais baixo da sua história.

A escola teve que encontrar soluções para não entrar na insolvência. Perguntei a Yu porque é que o campo de futebol não tem relva sintética como a maioria das escolas secundárias coreanas: olhando para o chão, responde que foi decidido pelo Conselho de Administração há alguns anos que um campo de areia, por ser mais “natural” do que um campo relva sintética, teria uma melhor influência nos alunos, explicação que me parece ser desculpa para medidas de austeridade.
De qualquer maneira, a necessidade da escola encontrar alunos cujos pais estivessem dispostos a pagar as propinas levou o antecessor de Yu, Sun Shiyi a decidir em 2008 (quando o prestígio global da língua chinesa estava em ascensão), abrir a escola aos sul-coreanos e outros estrangeiros, que agora compõem cerca de vinte por cento do corpo estudantil.
Ainda assim, os problemas financeiros persistem, o que levou as instalações da escola a ficarem significativamente atrás dos concorrentes na mesma faixa de preço, como as escolas internacionais de estilo britânico ou americano.





O campo de futebol da escola




Muitas instalações na escola têm necessidade de renovação

A situação vulnerável da escola tornou a postura de neutralidade entre o governo comunista da República Popular da China e o governo democrático de Taiwan ainda mais necessária para a sua sobrevivência.
Desde 1992, Yu afirma que a escola seguiu “valores pluralistas, centrados na filosofia confuciana": a maioria dos professores são, como Yu, da República Popular e ninguém tem reservas sobre o uso de materiais escolares de Taiwan.
Quando representantes do governo taiwanês vêm em visita, Yu  recebe-os alegremente; quando a embaixada da República Popular da China convida a escola a participar no concerto de Ano Novo, Yu aceita sem hesitação.
A bandeira de Taiwan é erguida nos aniversários de Sun-Yat Sen e Chiang Kai-Shek, ao lado das suas estátuas, à frente do prédio principal da escola, mas nenhuma bandeira é içada quando o hino taiwanês é cantado todas as  segundas-feiras de manhã, depois da embaixada da República Popular da China ter tido uma “conversa amigável” com Yu.



 

Estátuas de Sun Yat Sen (acima)
e de Chiang Kai Shek (abaixo)
na entrada principal da escola
O declínio da escola parece estranho, dado os fluxos maciços de migração da China continental para a Coreia do Sul desde 1992. O número de imigrantes chineses, da China Continental, na Coreia do Sul aumentou 22,5 vezes entre 1990 e 2011. A KOSIS, o serviço de Informação Estatística da Coreia, revelou, no censo populacional mais recente dos residentes estrangeiros da Coreia do Sul, que 76% dos 245.000 imigrantes residindo em Seul são chineses, dos quais 71.4% são coreanos étnicos, ou chaosienzu (), 23.7% doutras etnias do Continente e 4,9% provenientes de Taiwan.

No entanto, uma análise mais detalhada dos imigrantes chineses em Seoul revela porque é que Yu continua a sentir dificuldades em aumentar o número de alunos matriculados. A maioria dos chaosienzu de Seul é composta por homens e mulheres solteiros que vêm para a cidade aproveitar-se dos salários relativamente altos oferecidos, para melhorar os padrões de vida das suas família no regresso à China. Quanto aos trabalhadores étnicos coreanos que adquirem vistos de residência permanente - como os proprietários de restaurantes de Daerim-dong - enviar os seus filhos para a escola coreana é a escolha lógica. A maioria dos jovens chineses da República Popular que decide morar na Coreia do Sul, chega a este país para estudos universitários, não do ensino secundário.

Preparar os alunos para competir com jovens coreanos, no exame ultra-competitivo de entrada universitária, conhecido como sunneung ( ), tem sido o principal desafio da escola, na última década.
No ano passado, o "Diplomat" escreveu sobre o número crescente de estudantes chineses que escolhem frequentar as universidades sul-coreanas, apesar das dificuldades que enfrentam no estudo da língua coreana.
Para superar este problema, a escola criou um programa, dez anos atrás, destinado a preparar estudantes chineses para o sunneung e o coreano de nível universitário.
Tanto Sun quanto Yu encorajaram os seus estudantes a considerar a possibilidade de se matricularem em universidades taiwanesas, devido ao seu processo de selecção ser menos competitivo, mas os pais temem que isso prejudique suas chances de encontrar emprego quando voltarem para a Coreia do Sul.

"Os estudantes e os seus pais estão tão preocupados em que não fiquem para trás, em comparação com os alunos coreanos, que estão sempre a pedir-nos para cancelar actividades relacionadas com a cultura chinesa, para terem mais aulas de preparação para o sunneung", afirma Yu, que tem persistentemente recusado acabar com aulas de caligrafia chinesa bi-semanais, bem como a viagem anual de "procura das raízes" na província chinesa de Shandong. Para Yu, a educação não pode centrar-se nos exames, especialmente, numa escola como a sua, que foi criada para ajudar os imigrantes chineses na Coreia do Sul a não esquecerem a sua cultura.

Cerca de 95% dos imigrantes chineses na Coreia do Sul, que não são etnicamente coreanos (chaosienzu), são de Shandong, incluindo Yu.
Quando a Coreia do Sul e a China se enfrentaram em Setembro do ano passado, devido à instalação na Coreia do Sul dos «THAAD», plataformas de defesa anti-mísseis com um radar poderoso, que Pequim temia fosse usada por Washington para espionar o espaço aéreo chinês, Yu sentiu-se deprimido; não por causa do conflito em si, mas porque as restrições de viagem subsequentes entre os dois países levaram ao cancelamento da viagem a Shandong.

Apesar da pressão académica, Yu está determinado a permanecer fiel às origens chinesas da escola. Num corredor, estão alinhadas fotografias emolduradas dos lugares mais belos da China; a fiel adesão da escola ao calendário chinês ao longo dos anos está documentada no corredor oposto. Uma outra parede exibe cerca de cinquenta peças de arte pintadas por estudantes; poemas da Dinastia Tang, como o icónico “Pensando numa Noite Tranquila” (夜思) de Li Bai (701-762), escrita elegantemente em chinês clássico, com aguarelas ilustrando as cenas descritas por um dos poetas mais famosos da história chinesa.

Yu acredita que no futuro haverá cada vez mais estudantes coreanos que, querendo estudar nas universidades chinesas, irão reforçar o corpo estudantil da escola.

“Eu quero que esta escola continue fazendo o que seus fundadores queriam: ajudar os imigrantes chineses em Seul a se integrarem. Mas isso não significa sacrificar o chinês pelo coreano. ”

No caminho, ele leva-me até à estátua de Confúcio, erguida ao pé do campo de futebol arenoso.


Estátua de Confúcio ao lado do campo de futebol da escola

“Isto”, aponta ele para a estátua imponente, “é a razão pela qual a nossa escola tem um significado, para além de servir os imigrantes chineses: O confucionismo é a raiz cultural dos dois países. Se um estudante coreano estudar aqui, ele não irá apenas aprender o chinês. Também perceberá mais sobre o seu próprio país, de uma forma que poucos têm a oportunidade de perceber. ”

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

SOMOS TODOS HÍBRIDOS - FALSIDADE DO RACISMO

A propósito da recém-descoberta dum híbrido entre neandertal e denisovano na caverna de Denisova e comunicado em Agosto deste ano.



O género Homo evoluiu ao longo de muitos milhares de anos; se apenas considerarmos o referido género Homo, ele surge há mais de 2,5 milhões de anos, com Homo habilis (o primeiro da série).

                     Una de las propuestas de árbol evolutivo de los hominidos bipedos.

Quando passamos para o Homo sapiens antigo, com cerca de 300 mil anos (segundo reavaliação de fósseis descobertos em Marrocos), verifica-se que efectuou desde muito cedo migrações para fora de África, quer pela travessia do estreito que separa a África Oriental da Península da Arábia, quer pela ligação terrestre entre o Egipto e a Palestina, ou ainda pelo Norte de África, através do Estreito de Gibraltar, para a Península Ibérica.
Ora, em vários períodos, houve encontros, fecundos - no sentido literal - entre os vários representantes do género Homo, incluindo a nossa própria espécie.
Houve hibridação há 50 mil anos entre neandertais e denisovanos (estas duas espécies surgiram entre 500 e 400 mil anos relativamente ao presente): é bastante provável que tenha havido também cruzamentos de H. erectus com denisovanos. Os diversos representantes do género Homo cruzaram-se entre si e com humanos modernos, Homo sapiens, saídos do berço africano em várias migrações.

A construção da espécie humana é, portanto, o resultado de uma partilha de genes entre várias estirpes, raças e espécies que se cruzaram e produziram híbridos. Muitos deles eram portadores de variantes vantajosas de determinados genes, pelo que essas mesmas variantes foram conservadas e difundidas, pelo mecanismo  da selecção darwiniana
As variantes neandertais de certos genes presentes nas populações de origem europeia ou asiática, mas não nos africanos negróides, foram estudadas. O facto destas partes do genoma neandertal terem sido conservadas no nosso genoma, mas não outras, mostra que a sua conservação teve e tem um papel importante, em termos de selecção natural. 
As populações africanas subsarianas actuais não possuem genes de origem neandertal. Porém, sabe-se que nos seus ancestrais também houve hibridações com raças ou espécies hoje desaparecidas, cujos vestígios se podem retraçar em certos genes destas populações sub sarianas.
Um dos grupos actuais com maior percentagem de ADN denisovano é a população nativa da Papua-Nova-Guiné, o que mostra que não existe população, hoje em dia, que apesar de bastante isolada, não tenha tido uma contribuição de hibridação vinda de outras raças ou espécies.

Está, assim, validado um modelo polifilético de evolução  da humanidade: ou seja, em que os ancestrais provêm de vários filos ou origens genéticas. Isto não exclui, evidentemente, que tenha havido uma série de adaptações decorrentes da selecção natural. Mas, a «matéria-prima», os genes sobre os quais esta selecção se exerceu, teve várias origens.

O racismo é falso, completamente. Contudo, não foram precisos estudos com o ADN neandertal e denisovano, recentemente, para o demonstrar: já os estudos de genética «clássica» utilizando plantas ou animais, nos inícios do século passado tinham demonstrado que as raças ou linhagens ditas «puras» (obtidas experimentalmente) eram as mais deficientes ou frágeis, em termos de sobrevivência, enquanto os híbridos eram dotados de maior vigor e robustez. 

Infelizmente, uma versão ideológica da Teoria da Evolução que não era propriamente devida a Darwin, atribuía uma "escala de evolução" às diversas etnias humanas, designando-as de «grupos raciais». 
Esta visão totalmente falsa da biologia humana serviu como «justificação» para os maiores crimes contra a humanidade: o Colonialismo, o Apartheid, o Nazismo, etc.     

Em termos populacionais, a existência simultânea de várias versões de um mesmo gene é vantajosa, pois tal população terá maiores hipóteses de sobrevivência em circunstâncias de grande fragilidade para a maioria, para os portadores da versão mais comum do mesmo gene. Nomeadamente, se um determinado gene conferir resistência a um agente infeccioso, ele será conservado na população, mesmo que tenha ligeiras desvantagens para os portadores desse gene, quando o referido agente infeccioso não esteja presente. Mas, de tempos a tempos, pode haver uma epidemia e os portadores do gene ficarão em vantagem, relativamente aos restantes. 

As ciências biológicas, em particular a biologia evolutiva, devem ser ensinadas com rigor, mesmo que esse ensino se faça dum modo adaptado à idade dos alunos. É grotesco que sejam os professores de História, no nosso sistema de ensino, a ter a incumbência de ensinar aos adolescentes as primeiras etapas da evolução humana, um assunto de biologia humana, de paleo-antropologia, não de história ou pré-história. 
Os alunos portugueses, salvo excepções, saem do ensino secundário com um grau de conhecimentos em Biologia Evolutiva muito baixo, por comparação com outros temas de Biologia. 
Mas a Biologia, toda ela, só faz sentido hoje em dia à luz da Evolução: compreende-se que eu me tenha batido (e continue a bater-me) para que haja uma mudança de visão nos programas do ensino básico e do secundário. 
Acresce que poucos alunos vão ter uma «exposição» a um estudo mais aprofundado da Evolução, pois isso somente poderá acontecer nos 3 anos do secundário, para aqueles que escolheram áreas/ramos onde a Biologia é matéria obrigatória. Todos os outros não têm aulas de Biologia no secundário: Ficam estes com os conceitos que aprenderam até ao 9º ano; isto é muito pouco, de facto.

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Um esquema-resumo muito bem construído, no link abaixo: 
https://www.nytimes.com/2018/03/20/science/david-reich-human-migrations.html







DISPLACING THE NEANDERTHALS
As modern humans moved through Eurasia, they eventually displaced the Neanderthals, who were extinct by around 40,000 years ago.
EUROPE
European
hunter-
gatherers
NEANDERTHAL
RANGE
MIXING WITH NEANDERTHALS
Dr. Reich helped prove that a wave of modern humans leaving Africa interbred with Neanderthals, likely in the Near East 54,000 to 49,000 years ago. Living humans outside Africa still carry traces of Neanderthal DNA.
AFRICA
BANTU EXPANSION
A migration from West Africa beginning about 4,000 years ago spread agriculture to southern Africa. Bantu-speaking farmers displaced some hunter-gatherers and mixed with others, such as central African pygmies and the San in southern Africa.
DENISOVANS
A finger bone from a Siberian cave yielded the genome of a previously unknown lineage of humans called Denisovans, a diverse group who split from Neanderthals roughly 400,000 years ago.
Denisova
Cave
TO THE AMERICAS
Genetic evidence suggests there were at least four prehistoric migrations into North America, with the first at least 15,000 years ago and the last around 1,000 years ago.
CHINA
ASIA
East Asian
hunter-
gatherers
Ancient
shorelines
INTO AUSTRALASIA
Modern humans had arrived in Australia by at least 47,000 years ago.
Aboriginal
Australians
Dr. Reich helped show that this group interbred with a branch of Denisovans, probably somewhere in Southeast Asia, 49,000 to 45,000 years ago.
AUSTRALIA



terça-feira, 11 de setembro de 2018

CRÓNICA DE PEQUIM - EDUCAÇÃO VOCACIONAL NA CHINA*... - POR EDUARDO BAPTISTA

                          




Educação vocacional na China: a peça-chave que falta

Na última década, a cobertura da  educação chinesa pela media concentrou-se quase exclusivamente no Gaokao, o exame de admissão para universidade na China. Sendo um dos dias mais importantes no calendário chinês, é natural e correto que tal fenómeno seja noticiado, ano após ano. Artigos escritos por correspondentes de grandes jornais ocidentais têm-se focado muito na pressão que tal sistema impõe à juventude chinesa. Contudo, é importante saber que há alternativas em discussão na China que, caso sejam desenvolvidas, poderão vir a tirar um grande fardo das costas de milhões de jovens chineses da classe baixa.

"Quando se trata das regras do Gaokao, o exame e as suas características, não estou minimamente interessado; são apenas o sintoma de um problema mais amplo, a falta de opções do ensino pós-secundário para os jovens chineses”, disse Wang Shu Guang (王曙光), professor de economia da Universidade de Pequim.

Wang tem estado na vanguarda de discussões académicas sobre o desenvolvimento económico da China rural. Oriundo de uma pequena aldeia em Shandong, uma província no nordeste da China, o Gaokao era a sua única saída. Tendo conseguido entrar na prestigiada Universidade de Pequim, a primeira pessoa na sua aldeia a realizar tal feito, Wang nunca mais sairia desta universidade, construindo uma carreira respeitável.

A sua história de sucesso alimenta a visão generalizada que a maioria do público chinês tem do Gaokao: como sendo a única oportunidade de um jovem chinês pobre "mudar o seu destino" (改变 他 的 命运)。

De acordo com Wang, no entanto, as premissas originais sobre as quais o Gaokao foi instituído já não se aplicam hoje em dia. Durante os anos 80 e o início dos anos 90, quando as taxas de entrada na universidade ainda estavam abaixo de um em cada dois candidatos, quando simplesmente entrar numa universidade era um feito incrível aos olhos de uma ampla gama de empregadores, qualquer jovem de estatuto social baixo podia olhar para o Gaokao com esperança, pois havia uma alta probabilidade de que o resultado desse ao jovem acesso a um lugar numa universidade nas grandes cidades, e por consequência, um emprego urbano com um salário muito mais alto do que o dos pais.

Hoje em dia, quando as taxas de ingresso na universidade excedem 80%, entrar na universidade não é garantia de que os estudantes de baixo estatuto social obtenham as habilitações ou o prestígio de que precisam para subir na escala social. De facto, os estudiosos observaram que tem havido uma tendência crescente de graduados universitários de segunda ou terceira linha, de famílias rurais, que não conseguem encontrar um emprego adequado, forçando-os a voltar para a casa dos pais.

Universidades de prestígio como a Universidade de Pequim, Tsinghua e meia dúzia doutras são as únicas excepções a essa tendência. A garantia de um emprego bem remunerado depois de se formar nessas universidades é suficientemente alta para que a baixa probabilidade de entrar valha a pena ser tentada. De facto, para os jovens chineses rurais com boas notas, essas chances só os tornam mais competitivos e ansiosos nos seus últimos dois anos do ensino secundário.

Shao Xin (劭 鑫), de 25 anos, estudante de Mestrado em Engenharia Elétrica na Universidade de Pequim, conhecida como “Beida”, é um caso exemplar. Oriundo duma aldeia rural de Shanxi, ele afirma que, mesmo enquanto criança, ele e muitos outros já estavam bem conscientes de que a mudança para as cidades era o único objectivo de cada um, sendo a escola o meio para esse fim.

Nos seus últimos anos do ensino secundário, especialmente no ano em que ele retomou o décimo segundo por não ter conseguido entrar na Beida nessa primeira vez, estava sob enorme pressão: do seu pai, um cultivador de batata-doce que não conseguiu terminar o ensino secundário, pressão também da sua escola, ansiosa por colher os benefícios de ter um aluno em Beida e, acima de tudo, da sua própria pessoa, exigente e com baixa auto-estima.

"Eu sempre soube que minha inteligência não era fora do normal, por isso dependia do meu esforço, ninguém conseguia acompanhar o meu ritmo nessa altura", disse Shao. No fim, Shao chegou à terra prometida e agora está a poucas semanas de começar seu novo trabalho, muitíssimo bem pago, na Huawei, a rival chinesa da Apple.

Apesar do apelo romântico de tais histórias, o fato é que casos como Shao Xin estão tornando-se cada vez mais raros. Até ao ano passado, quando o governo introduziu cotas de entrada, a proporção de estudantes em Beida e Tsinghua vindos de famílias rurais estava diminuindo anualmente, caindo para os 15% em 2016, uma estatística que muitos académicos viam como demonstrando a necessidade de reformar o Gaokao. A realidade é que, para a grande maioria dos jovens de zonas rurais, que nem são incrivelmente dotados, nem capazes de trabalhar tão arduamente quanto Shao, o Gaokao e a escola secundária, em geral, não são tão atraentes como dantes.

É precisamente por causa disto que estudiosos como Wang acreditam que mais atenção deve ser dada a outra instituição educacional: as escolas vocacionais.

"A China carece de trabalhadores com espírito de artesão" (gongjiang jingshen, 工匠 精神) precisamos de pessoas capazes de construir belas canalizações, alguém que possa coser roupas, abrir pequenas lojas, ter iniciativas empreendedoras. Este é o futuro dos chineses nas classes sociais médias e baixas, especialmente os agricultores”, argumentou Wang, mencionando o sistema educacional de elite da Alemanha como um modelo a ser seguido.

Muitos obstáculos sócio-culturais se perfilam no caminho para tal futuro. Ir para a universidade e receber uma educação académica traz prestígio social na China. O Centro Nacional de Educação e Economia publicou um relatório em 2013 em que observava que um dos maiores desafios enfrentados pelo sistema de ensino e aprendizagem vocacional da China era o baixo prestígio deste na mente do público.

"Olhar de cima para baixo o artesanato é uma consequência de preconceitos educacionais provenientes da China antiga. Naquela época, uma boa educação era ler obras de literatura, não se dava valor a habilidades mais práticas e manuais. Estes pensamentos fazem parte da filosofia confuciana chinesa que continua a impedir que os jovens chineses façam escolhas práticas no início das suas vidas ”, observou Wang.

O outro lado da moeda é a continuação da deificação de universidades de prestígio em Pequim e Xangai, tanto nos meios rurais como urbanos.

"A partir do momento em que o meu irmão mais novo e eu nascemos, o meu pai tornou os nomes Beida e Tsinghua sagrados em nossa casa", relembra Shao Xin.

"Foi-me inculcando, desde a mais tenra idade, que eu deveria procurar estudar numa universidade de primeira classe", disse Ge Xi Zheng (葛 煕 正), um jovem de 18 anos duma família urbana de classe média, que fez os exames do Gaokao este ano.

"Mesmo que eu não queira fazer isso no futuro, o facto de estar numa universidade de primeiro nível terá mais influência sobre mim do que estando numa faculdade vocacional. As pessoas comportam-se de maneira diferente, tanto na fala como no comportamento”, afirmou Ge.

No entanto, a qualidade geral do ensino nas universidades chinesas tem diminuído recentemente. Os cursos excessivamente teóricos e com pouca relação com o mercado de trabalho têm sido o principal motivo de preocupação. De acordo com Wang, mesmo os diplomas técnicos em universidades não fornecem as habilitações necessárias para desenvolver um “espírito artesanal”. Ele usou o exemplo da indústria, que teria sido promissora, dos artigos de laca na cidade de Yangzhou, no sul do país.

"Os artigos de laca sempre foram uma indústria dominada pelo Japão, mas há alguns anos o mercado chinês começou desenvolver-se em Yangzhou. A Universidade de Yangzhou ofereceu um curso popular centrado na construção de artigos de laca, mas não foi prático o suficiente. Os estudantes tornaram-se especialistas em fazer o design dos objectos em laca, mas não da sua construção. Cada vez que precisavam de algo feito, iam directamente à fábrica e pediam a um trabalhador para fazer a peça, mas como o número de trabalhadores com esse tipo de habilidade era muito pequeno, a oferta não acompanhou  a procura e o mercado murchou", observou Wang.

Ao mesmo tempo, os problemas do sistema de educação profissional da China não são segredo para o Ocidente. No referido relatório do NCEE, foi relatado que a maioria dos curricula das escolas profissionais da China era "ultrapassada e irrelevante para as necessidades da indústria".

Em Pequim, no entanto, um instituto vocacional tem vindo a ganhar o reconhecimento nacional há mais de uma década. As origens da Universidade Bailie (培黎 职业 学院), uma instituição privada, não são convencionais, segundo os padrões chineses. Fundada em 1983 por um dos mais famosos apoiantes estrangeiros da China comunista do século XX, o neozelandês Rewi Alley, o nome Bailie é em homenagem ao amigo de Alley, Joseph Bailie, que iniciou um movimento educacional na China nos anos 50 que enfatizava a integração da teoria à prática.

Elogiada pelos líderes políticos da China, o maior feito da Bailie ocorreu no ano passado, quando Xi Jinping escreveu uma carta formal à escola, dando-lhe os parabéns por ter criado trabalhadores altamente qualificados, algo que terá de ser recriado em muitos outros lugares do país, se Xi espera realizar a sua promessa de fazer com que a China chegue ao estatuto de país “moderno”, de acordo com os patamares do Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas, antes de 2050.

"Nós ocupamos o meio termo entre as escolas vocacionais tradicionais que apenas ensinam aos seus alunos um determinado saber-fazer  e as universidades como Beida e Qinghua", disse o diretor de Peili, Wang Yu Lin (王 余 临).

"Houve um tempo em que tentámos lutar para alcançar a reputação académica daquelas duas escolas, mas depois percebemos que isso era impossível, o que nos obrigou a sermos mais pragmáticos em relação às competências dos nossos alunos. Afinal de contas, não há muitas vagas no funcionalismo público, temos que nos certificar de que nossos alunos seriam capazes de ter sucesso noutros cargos mais práticos”, continuou ele.

Assegurar que cada curso tem conexões próximas com a indústria relevante tem sido a principal prioridade da Peili, que manteve uma taxa de emprego pós-licenciatura acima 95% durante a última década. Mais importante ainda, é a qualidade do emprego obtida pelos estudantes de Peili, que começa aproximar-se da dos formandos de Beida e Tsinghua. Uma professora de ciências de computação, que quis permanecer anónima, observou orgulhosamente que tinha alunos que conseguiram - logo após a formatura - obter empregos em que ganhavam mensalmente 16.000 ou 19.000 RMB (outra designação do Yuan; Rem Min Bin = a moeda do povo).

"Se você olhar para Zuckenberg, ele deixou a sua universidade de prestígio para fazer algo mais prático e útil para a sociedade. Eu sinto que Peili me ajudou a amadurecer e tornar-me numa pessoa que poderá fazer empreendedorismo no futuro ”, disse Rong Tong Tongde (荣 童童), um estudante de 20 anos de ciências  da computação na Peili.

Os estudantes universitários como Rong beneficiam imenso por estarem situados em Pequim: eles vão regularmente a Beida e a Tsinghua para assistir a palestras. E numa cidade tão grande como Pequim, que possui quase três vezes a população de Portugal, as oportunidades de emprego são numerosas.  
No entanto, ainda não existe certeza de que mais escolas da qualidade de Peili possam vir a ser criadas, fora de Pequim e Xangai.

"Muitos agricultores gostariam que os seus filhos estudassem algo de útil, mas o problema é que não há escolas", disse Wang Shu Guang.

"Acho que o sucesso de Peili se deve à extrema necessidade de que o sistema de ensino profissional seja liberalizado, em todos os lugares", observou Wang Yulin. O director realçou que, se não fosse pelo legado histórico e pela localização de Peili, teria sido impossível de alcançar a taxa de emprego de 95%. 
Tanto Wang Shu Guang quanto Wang Yulin estão cépticos quanto à possibilidade do governo contribuir mais para o desenvolvimento das escolas vocacionais na China.

"O governo cria programas de 5 a 10 dias que fornecem treino básico em competências técnicas, como o uso de um computador, mas o custo destes é incomparável ao da construção de um instituto vocacional. Um instituto destes é mais barato que o duma universidade, mas os fundos fora de Beiing e de Xangai ainda são escassos para tais projectos", observou Wang.

"Além da mercantilização, os empresários chineses, como Jack Ma e outros que seguem seus passos, são as pessoas com quem devemos contar para financiar o desenvolvimento e a reforma das escolas vocacional na China", continuou Wang.

Embora a filantropia educacional de Jack Ma ainda não se tenha alargado ao sistema educacional vocacional, Wang está convencido de que se, a China quiser fazer uma transição de economia abaixo dos Estados Unidos, na escala global de valores, para uma sociedade de inovação altamente qualificada, terá de investir pesadamente no sector vocacional, seja de que maneira for.

"Recorde as minhas palavras: As escolas profissionais na China vão crescer exponencialmente no futuro", diz Wang.

Original em inglês: