Porque razão os bancos centrais asiáticos estão a comprar toneladas de ouro? - Não é ouro em si mesmo que lhes importa neste momento, mas é a forma mais expedita de se livrarem de US dollars!!
Mostrar mensagens com a etiqueta ecossistemas. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta ecossistemas. Mostrar todas as mensagens

domingo, 5 de fevereiro de 2023

INDIVÍDUO / COLETIVO

O título apela a uma oposição, a qualquer coisa irredutível, na essência. Porém, se este é o modo de pensar e de filosofar de muitos, não é o meu! Embora aceite que eu possa ser influenciado por uma sociedade e um discurso dominantes, que se caracterizam por um pensamento dicotómico, simplificador. Porém, as propriedades imensamente complexas do social e do histórico entrelaçam-se para produzir algo totalmente inédito, em termos de evolução biológica.
 
O que os humanos têm feito ao longo da sua breve existência (como espécie, uns meros 300 mil anos), mas imenso tempo, em termos de memória humana (as primeiras civilizações surgem apenas há pouco mais de uns 10 mil anos), não tem sido senão depredação do seu ambiente. A «revolução agrária», iniciada há mais de 10 mil anos, implicou uma radical transformação, não apenas do modo de produzir e consumir alimentos, passando da caça-recoleta, para uma produção agrária, mas também a destruição de ecossistemas naturais, sobretudo na orla do mar Mediterrâneo, onde apenas restam alguns vestígios do que foi a floresta mediterrânea primitiva, vasta zona produtiva natural, que tinha uma diversidade notável, em termos de flora e fauna, zona temperada e de clima não demasiado seco. Veja-se que vastas áreas, como a Anatólia (Turquia), Síria e Levante, assim como Norte de África, não eram formadas por desertos ou semidesertos, como hoje. Eram zonas muito propícias para a caça e coleta e para a agricultura. Porém, a construção de impérios diversos na antiguidade extinguiu estes ecossistemas frágeis. Por exemplo, havia, até aos tempos históricos, leões nessas zonas; muitos documentos escritos e pictóricos atestam-no. Mas, estes superpredadores precisam de uma fauna de herbívoros, como gazelas, etc. Por sua vez, os herbívoros que aí viviam precisavam de condições mínimas para sobreviver; precisavam de alguma humidade, de fontes de alimento abundantes ao longo do ano, etc. Portanto, temos uma ideia muito clara de como eram os habitats naturais, no início da «revolução agrária» e sabemos que permitiam uma diversidade biológica muito maior do que as zonas áridas e desérticas, que constituem uma boa parte do entorno do Mediterrâneo, nos nossos dias. A transformação de vastas áreas em desertos ou semidesertos, terá tido contribuição humana, com a sua destruição dos ecossistemas, usando a caça muito para além das suas necessidades. A destruição dos habitats naturais pelo fogo, foi realizada pelos primeiros agricultores, para aí fazer crescer plantas agrícolas. Este comportamento humano foi causador de catástrofes ambientais, desde as civilizações mais antigas conhecidas.

O sucesso da linhagem humana (pelo menos, o género Homo), enquanto tal, mede-se, sobretudo, pela sua expansão para lá dos limites geográficos que foram as suas zonas geográficas iniciais de África e depois também a orla do Mediterrâneo. Mas, essa expansão ocorreu repetidas vezes, houve várias saídas para fora de África. Ocorreram mesmo com espécies anteriores aos humanos modernos, há mais de um milhão de anos, como no caso dos Homo erectus, que se disseminaram na Ásia. Porém, não devemos ter uma imagem idílica destes períodos, pois os efetivos totais da Humanidade, em qualquer momento deste período muito longo, não devia exceder uns parcos milhares.

Algumas pessoas têm uma visão pessimista (Malthusiana) da espécie humana e da dinâmica populacional no nosso planeta, porém esta visão enferma de um grande simplismo. Primeiro, há sinais de diminuição clara da natalidade, acompanhada de envelhecimento geral, nas sociedades mais afluentes, quer sejam europeias, americanas ou asiáticas. Segundo, as restantes zonas do globo experimentam evolução demográfica semelhante à da Europa, desde a revolução industrial, com uma expansão demográfica muito elevada no início, até se chegar aos dias de hoje, com taxas de reprodução inferiores às de reposição da população (cerca de 2,1 bebés por mulher fértil). Os países ditos do «Terceiro Mundo», que saíram do marasmo do subdesenvolvimento, tiveram um decréscimo natural dos nascimentos. Na verdade, o que os demógrafos temem não é a «bomba populacional», no sentido dos que profetizam - como Malthus - um crescimento populacional indefinido e superior à capacidade de sustentação da Terra, enquanto ecossistema global. Mas, uma catástrofe demográfica no sentido contrário, ou seja, uma diminuição da fertilidade, em paralelo com o aumento da longevidade, o que vai tornar difícil de perpetuar e de gerir uma sociedade como a que conhecemos, com os benefícios sociais que muitos dão como adquiridos, mas que pressupõem um sistema económico capaz de sustentar um certo modelo social.

Aquilo que se chama «condição humana» ou ainda «natureza humana», não é algo fixo, estático. Embora a nossa história biológica passada deixe as suas marcas nos corpos presentes e mesmo nos modos de organização presentes das sociedades humanas, nada deve ser dado como definitivo.

A espécie no seu todo e cada uma das populações humanas que a constituem, estão em permanente evolução. Podemos dar muitos exemplos de frequências de versões de genes (alelos de genes) que foram aumentando, ou diminuindo, nas populações ao longo dos tempos históricos: São mesmo muitas, as modificações sensíveis e com efeitos notórios no modo de vida dos contemporâneos. Os genes estão sempre a sofrer mutações; aqueles que são transmitidos à descendência, ao longo de gerações sucessivas, costumam conferir um coeficiente de sobrevivência positivo e serão conservados. Porém, certos genes podem ser deletérios num determinado contexto e serem benéficos, noutro. Mas, ao nível da população, a variedade genética é essencial. Temos uma diversificada capacidade de resistência inata aos agentes infeciosos. Esta resistência à doença por um certo agente infecioso, é - em geral - muito elevada quando, durante longos períodos, a população foi confrontada com esse agente, um efeito de seleção darwiniana típico.

A tecnologia das sociedades humanas cria situações novas, às quais as populações e os indivíduos respondem. Há aquisição cultural de muitos comportamentos, mas há também a extinção de outros. Esta evolução cultural é muito mais rápida que a evolução biológica. Tipicamente, deve-se contar com um lapso de tempo da ordem da dezena de milhares de anos, para uma população sofrer uma variação significativa (diminuição ou aumento) da frequência de genes, em consequência de mudanças ambientais. Isto é válido para a espécie humana e para as outras espécies estudadas.

Mas, a alteração do comportamento, que pode inclusive implicar a mudança radical no modo de vida da população, pode verificar-se no espaço de uma geração, ou até de menos. Por exemplo, os nativos da Amazónia, mais próximos de comunidades vindas de ambientes urbanos, adotaram um novo estilo de vida, abandonaram o modo de vida de caça e coleta. Poderia argumentar-se que houve uma intervenção, por vezes violenta, para coagir estes povos. Mas, isto aconteceu - também - quando as populações indígenas não foram sujeitas a tal coação. Escolheram adotar um outro modo de vida; mas elas seriam deixadas viver como os ancestrais, se assim o desejassem.
O mesmo padrão ocorre noutros casos, em populações ainda não integradas no modo de vida industrial, tais como as populações nómadas, etc. Em todos os casos estudados, a «aculturação», seja com ou sem aspetos de coação sobre a população, tende a ser muito rápida. A mudança de um modo de vida para outro, corta a população de certos saberes, separa os indivíduos e as comunidades de certas tradições: Pode-se lamentar isso, mas não se pode impedir que os povos escolham a forma de vida mais conforme com as suas aspirações.
No polo oposto, no seio de sociedades industrializadas, assiste-se à profusão de «subculturas». Estas, por vezes, duram somente uma geração (ou menos) mas, noutros casos, evoluem de forma autónoma e fixam-se como subconjunto estável. O processo de fracionamento nas sociedades industriais «maduras» é tal, que acaba por funcionar como contrapeso à tendência homogeneizadora nas mesmas sociedades.

Portanto, «a natureza eterna e imutável da humanidade», é apenas um efeito de ótica, de se observar uma estreita faixa da humanidade, no tempo e no espaço.

É o preconceito que nos leva a imaginar um psiquismo semelhante ao nosso, quer em civilizações ou culturas muito anteriores, quer nas contemporâneas, mas que estejam mais distantes culturalmente da nossa. Temos um modelo implícito, assumimos que tal modelo é generalizado, para além da nossa vivência singular, enquanto indivíduos participantes numa dada sociedade.

Não somos uma espécie individualista típica, como é o caso de algumas espécies animais que evitam a «mistura» com outros de sua espécie, excetuando no acasalamento: os felinos selvagens têm esse comportamento, na maioria das espécies.
Em muitas espécies, a participação do macho para a descendência é o mínimo que se possa imaginar. Quanto à fêmea, esta acasala, dá à luz e depois cria os filhotes, essencialmente sozinha. No polo oposto, temos diversas espécies de símios, incluindo símios antropoides, símios sem cauda incluindo o gorila, o chimpanzé, o bonobo e outras. São animais sociais, constituem bandos, têm uma hierarquia que não é rígida, pois está sempre a ser contestada, têm um comportamento de grupo no dia-a-dia. São animais que se poderia chamar de «naturalmente coletivistas». Nós somos oriundos da grande família dos símios antropoides, mas não somos tão rigidamente determinados no comportamento coletivista, como estes.

Assim, a contradição entre individualismo e coletivismo deve ser equacionada no tempo mais longo, no da evolução biológica. A adaptabilidade intrínseca da espécie humana é considerada, por muitos, ser resultado da evolução por neotenia*. A adaptabilidade permite que a nossa resposta seja mais individualista ou mais coletivista, consoante as circunstâncias. Não podemos - porém - esquecer que somos uma espécie essencialmente social.

Note-se que o criador de Robinson Crusoe percebeu perfeitamente isso. Ele dá como adquirido que o herói, embora consiga adaptar-se a uma vida solitária, está sempre ansiando por retomar o contacto com outros humanos e quando consegue encontrar um humano («Sexta-feira», em inglês Friday), fica muito feliz ; trata-o como companheiro, não como criado ou escravo. Daniel Defoe exprime uma constante da psique humana, que ele bem conhecia, ou seja, que somos feitos para ter um relacionamento social. Sem isso, somos incompletos.

A insistência em ideologias «individualistas» ou «coletivistas» corresponde, de facto, a fracas abordagens da complexidade dos indivíduos e das sociedades.

Não se concebe uma sociedade sem seres humanos individuais e capazes de se auto-determinarem. A sociedade de «robots» é  uma distopia (utopia negativa), não me parece ser um futuro possível. Mas, uma sociedade de indivíduos todos eles separados e isolados uns dos outros, por mais nobres que sejam seus sentimentos e valores, também não é uma sociedade saudável, onde se deseje viver. Esta seria, ao fim e ao cabo, como uma «sociedade» de felinos selvagens, como atrás referi. Mas, não somos felinos, estamos próximos das espécies mais sociais entre os mamíferos, os símios antropoides.

A evolução biológica é muito complexa. Uma característica dela, é que baliza a evolução posterior, nunca ao contrário: Não há verdadeira evolução «regressiva». Não podemos voltar atrás e modificar os antepassados dos humanos, mesmo admitindo que estes por cá andassem ainda, ou que tivéssemos um processo de engenharia genética de os fazer reviver, não só como indivíduos, mas enquanto comunidades.

----
*
Neotenia, a propriedade de haver maturação de órgãos reprodutores e  reprodução efetiva, num estádio larvar. Segundo a «hipótese neoténica» os humanos seriam símios neoténicos, o que explicaria a sua capacidade de aprendizagem ao longo da vida e a sua flexibilidade comportamental, além de traços «fetais» como a escassez de pêlo, a fragilidade muito grande dos recém-nascidos e durante os primeiros anos de vida. A nossa cabeça, mais de acordo com as proporções de um feto de símio do que de um símio adulto,  está no limite do crescimento, face às dimensões da pélvis da mulher, dificultando o parto. O falecido biólogo Stephen Jay Gould foi um dos mais conhecidos defensores da hipótese neoténica para a espécie humana.

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

NÓS, OS PEQUENOS DEUSES (Nº4)

[ver artigos anteriores nº1, nº2, nº3]

Embora eu use, por vezes, um vocabulário comum em autores marxistas, não o sou, pois não considero existir uma direccionalidade, um sentido da História. Para a minha forma de pensar, bem mais úteis do que as categorias teóricas marxistas, são a teoria do caos, a termodinâmica dos sistemas abertos e a antropologia, aplicadas nas análises das sociedades contemporâneas.

Com efeito, não existe imutabilidade do humano. Não existe uma «natureza humana» imutável. Por mais que se diga, a natureza do Homem de Cro-Magnon, embora totalmente «moderno» na sua anatomia, não é a mesma que o homem dos períodos históricos. Atrevo-me mesmo a dizer que o homem de depois da revolução informática não é exatamente o mesmo que o homem das épocas anteriores.

No entanto, existem constantes antropológicas, existem aspetos psíquicos que se traduzem em comportamentos visíveis (ou retraçáveis pelos arqueólogos) cujo fundamento profundo tem a ver com nossa pertença ao grupo dos primatas antropoides. 

O estudo das espécies símias é de grande valor para compreensão da espécie humana. Com efeito, observamos nestes animais comportamentos originados por forças internas cuja manifestação nos humanos é semelhante, apenas com uma sofisticação maior. Nomeadamente, os seus comportamentos em sociedade, revelam o seu parentesco com a nossa espécie. Aqui, não se trata de projeção antropomórfica, de interpretação subjetiva que os cientistas façam de comportamentos não-humanos.

O entorno material e social, do animal e do homem, são decisivos na construção do sentido de todos os seus gestos, de todas as reações e comportamentos. Assim, o organismo, como totalidade, vai ter uma resposta, dentro do contexto em que está imerso. Esta resposta, que define o comportamento social, tem um valor de sobrevivência. Ao contrário de que alguns possam pensar, a importância em termos de sobrevivência do comportamento, acentua-se com a artificialidade do meio, do entorno imediato do indivíduo.

Ao criar «cultura», uma redoma artificial que o separa dos perigos e carências, que são o desafio quotidiano do animal selvagem, o homem cria também um ambiente completamente novo, ao qual terá que se adaptar. A seleção social torna-se muito exatamente o substituto da seleção natural: Na seleção natural, as forças às quais o ser vivo se confronta, são primariamente originadas «externamente», pela natureza físico-química e pelos outros seres vivos. Na seleção social, o entorno é moldado por uma teia de relações sociais, tão densa e sofisticada, quanto a complexidade dessa mesma sociedade.

Nesta perspetiva, o meio em que evoluiu o ser humano condiciona-o de uma maneira indelével. A ficção de se transportar imaginariamente para os nossos dias, um bebé de há cinquenta ou cem mil anos atrás e de imaginar que, integrado numa família, na sociedade contemporânea, ele evoluiria e se tornaria indistinguível de outras crianças da sua idade, é justamente …. uma ficção.

Conhecem-se vários casos de pessoas provenientes de culturas de caçadores-recolectores forçadamente, transportadas para a «civilização» (fenómeno que ocorreu muitas vezes na expansão dos europeus no século XVI e seguintes). Eles foram exibidos como se fossem uma espécie diferente, como animais de zoo. As pessoas contemporâneas ficam chocadas com a crueldade dos «civilizados» no século XIX, que assim trataram homens e mulheres, caçadores-recolectores, os Bosquímanes da África austral, aborígenes australianos, etc…
Porém, a um nível mais profundo, devemos ter a noção de que, embora se trate da mesma espécie humana, esta tem uma grande adaptabilidade coletiva a um certo viver, a um certo entorno natural e social.
Os índios do Amazonas, que nunca estiveram em contacto com «civilizados», ou outros grupos de caçadores-recolectores, têm maior capacidade de se auto- sustentar, de sobreviver e de prosperar, em contextos onde um grupo «civilizado», atirado de paraquedas, ficaria dizimado e extinto pela fome, pelas doenças, pelos ataques de animais selvagens…
Para qualquer espécie, a capacidade de adaptação tem limites, pois qualquer espécie foi «ensinada» pela evolução a interpretar o ambiente (os sinais vindos do exterior) de determinada maneira, a dar determinadas respostas perante certos desafios, etc. Portanto, a capacidade do ser humano evoluir num ambiente cada vez mais artificial e sofisticado, também foi sujeita a seleção ao longo de muitos séculos. Os humanos com maior flexibilidade e adaptabilidade ao meio social complexo, foram os mais bem-sucedidos ao longo de milhares de gerações e isso condicionou a história da humanidade, desde os seus alvores.
O que se tem tendência a esquecer é que, numa evolução adaptativa, enquanto certos traços se reforçam, outros se atenuam ao ponto de desaparecer. Como espécie essencialmente social, não interessa tanto analisar as performances individuais dos humanos, mas sim os seus desempenhos em contexto social, de grupo, em comunidade. O ser humano contemporâneo, mergulhado na sociedade que lhe é própria, pode ser muito eficaz, brilhante mesmo, desenvolvendo os seus talentos e relacionando-se com sucesso, ao nível social. Mas, o mesmo é completamente incompetente – como uma criança – se for mergulhado, repentinamente e sem preparação prévia, noutra sociedade, por exemplo, num meio rural, já para não falar da sociedade de caçadores-recolectores.
A minha hipótese é de que se deve aplicar a teoria da evolução e seus conceitos associados, à análise das sociedades contemporâneas. Não o faço no sentido reducionista e simplificador, como o fizeram várias ideologias que se serviram do darwinismo, aliás deformando completamente o pensamento original de Darwin. Coloco, porém, a hipótese complementar de que a evolução cultural se tenha tornado o motor principal da evolução da espécie humana, embora não anulando, nem atenuando, a evolução biofísica, bioquímica, anatómica, fisiológica… mas, sendo os componentes culturais que agora determinam todos os restantes, incluindo os «orgânicos».
Por exemplo, a seleção natural será inflexível em relação a organismos portadores de mutações debilitantes. Muitos não chegarão à idade adulta, praticamente nenhum se reproduzirá… assim, não haverá propagação de genes defeituosos nessas populações.
O contrário passa-se nas populações de hoje: o aumento da incidência de doenças genéticas, como a hemofilia, o diabetes, etc., etc., é perfeitamente detetável. Se, por um lado, podemos considerar que é um bem haver maneira de se tratar e manter em vida pessoas com doenças que – na ausência de medicina sofisticada – estariam condenadas a morrer cedo, por outro, devemos interrogar-nos como fazer em termos coletivos. 
Constata-se que, hoje em dia, é aceite nas sociedades mais afluentes, um eugenismo e não apenas no sentido de eliminar traços genéticos claramente negativos, debilitantes, mas também no sentido de obter uma descendência que corresponda a uma imagem idealizada, projetada pelos pais. Este eugenismo pode facilmente evoluir para as formas mais abjetas de comportamentos racistas e de exclusão dos «fracos», «inadaptados», etc. Tal deriva não está dependente, nem das técnicas de manipulação da vida, nem de legislações restritivas, relativas a como usar (ou não) essas mesmas técnicas. Sabemos que, no regime nazi, as condições técnicas de manipulação dos humanos eram muito menores que hoje e, no entanto, foram aplicados, de modo generalizado, os princípios racistas de seleção na espécie humana. 
O principal obstáculo será sempre de ordem moral, de consciência dos humanos: Por outras palavras, de auto- limitação na aplicação de um saber técnico, cujo resultado possa originar piores problemas, do que aqueles que pretenda remediar.

Contrariamente ao período de há cerca de 75 mil anos atrás, em que houve quase extinção da espécie humana, num período de arrefecimento e de escassez de alimentos, como resultado da explosão de um super- vulcão, a ameaça de extinção agora é devida à multiplicação desordenada dos humanos e simultânea escassez de recursos alimentares, causada por uma atitude depredatória em relação aos solos, aos oceanos, aos ecossistemas, que são a sustentação da vida de todas as espécies e da vida humana, em particular, neste planeta.
Um tal processo pode arrastar-se durante milénios, eventualmente, mas a questão fundamental e à qual ninguém consegue cabalmente responder, é a seguinte: Qual o nível mínimo de biodiversidade, que permita o restauro completo dos ecossistemas naturais, após degradação dos mesmos?
- Sabemos que a floresta tropical-equatorial não se consegue auto- regenerar facilmente, quando é muito explorada, quando vastas áreas são desflorestadas para obter madeiras, ou outras matérias-primas. Até mesmo, quando se deixam «ilhas de floresta não depredada», um repovoamento por espécies autóctones não ocorre. A razão disto, tem a ver com mudanças irreversíveis no solo e nos micro- climas, afetando as condições de germinação de plantas nativas e devido também à competição com espécies «oportunistas», que aproveitam as condições criadas pelo desbaste, para se multiplicarem rapidamente e dominarem.
Como cada espécie que se extingue, é uma experiência da evolução biológica que fica irreversivelmente cortada, não poderá haver uma depredação em larga escala, como há agora, sem consequências no longo prazo. 
O empobrecimento dos ecossistemas pode estar na origem de muitas situações, que já trazem consequências graves, atualmente. O sistema é de tal maneira complexo, que não conseguimos equacionar essa complexidade. Efeitos que parecem, à primeira vista, pontuais podem trazer consequências numa escala muito alargada. O clima e os ciclos climáticos podem ser afetados. 
Outras consequências com efeitos catastróficos podem observar-se: o alastramento de doenças epidémicas a novas zonas, onde antes só havia uma presença esporádica.
O que é crítico - no longo prazo - será a reversão para um estado que permita a sustentação do ecossistema planetário, onde o consumo de recursos seja contrabalançado por sua renovação ou reciclagem. 
 Antes da espécie humana se tornar um fator de grande peso no funcionamento dos ecossistemas, estes tinham a capacidade própria de se regenerarem, de reequilibrarem as populações das diversas espécies. Havia momentos com perdas súbitas, por exemplo, por ação de um tufão ou duma erupção vulcânica, mas essas perdas eram rapidamente compensadas. 
A depredação causada pelos humanos é - pelo contrário – de efeitos muito mais duradoiros, em geral.


Não devemos contar com uma consciência planetária global e generalizada, da parte dos humanos, mesmo das elites. Tal não se verificou no passado. Duvido que se venha a manifestar no futuro.
Os cenários futuros possíveis são muitos mas, afinal, resumem-se a dois: 

-A extinção da espécie humana, devido às depredações constantes do ambiente,

-Ou a sobrevivência da nossa espécie, após uma fase de transição, havendo salvaguarda dos equilíbrios ecológicos globais e possibilitando a regeneração de zonas anteriormente depauperadas pela sobre-exploração.