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sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

A «RELIGIÃO» DO NOSSO TEMPO

Conto sobre um culto nada cristão, nesta quadra natalícia 

Era uma vez... Um mundo que estava organizado de acordo com uma religião muito em voga nos círculos de economistas «mainstream». 

Nesta fé, o dinheiro era o suporte mágico para fazer funcionar a economia. Mágico, porque podia fabricar-se tanto quanto se quisesse, sem que houvesse consequências de maior. 

Apenas umas oscilações cíclicas, que davam oportunidade aos mais lestos traders, de ficarem  ricos (e  de muitos outros se arruinarem!). 

Houve um aumento muito moderado de preços, durante mais de uma década. Também, havia sempre superavit de bens de consumo, importados em larga proporção da China e de países do Terceiro Mundo.

A quantidade de trabalhadores nos países do Terceiro Mundo, era praticamente inesgotável. Havia que dar trabalho a toda essa gente (paga a um dólar por dia) e pôr no desemprego (pago pela segurança social) os operários do mundo rico, sempre a reivindicar mais, ameaçando com greves e aumentando os custos de produção. 

Penso que já todos ouviram falar desta fé, chamada neoliberalismo. O seu culto é hegemónico nos círculos de poder. 

O seu «credo», no que toca à política monetária, é designado por «MMT» (Modern Monetary Theory). Esta teoria postula que não importa a quantidade de dinheiro que é imprimida pelos bancos centrais e que o aumento do dinheiro em circulação estimula a economia.

Ora, para grande espanto dos «sábios» economistas neoliberais, o sistema todo está a desmoronar-se (*) diante dos nossos olhos. Uma enorme recessão está a abater-se, uma inflação fora do controlo dos bancos centrais e o pior ainda não se fez sentir. Isto ocorre, apesar do mundo ter sido sujeito à ortodoxia mais pura da religião neoliberal, durante décadas.

Mas, se queres saber realmente como se chegou a este ponto, graças à tal religião neoliberal e da MMT, consulta autores com espírito  crítico, que não sejam duma das numerosas seitas que professam o neoliberalismo. 

Alguns autores, têm escritos esclarecedores (não demagógicos) sobre o keysenianismo, a MMT e o neoliberalismo: Alasdair Mcleod    Charles-Hugh Smith     Egon Von Greyerz

Todos eles têm sido citados por mim neste blog, assim como outros. Não tenho nenhuma filiação em qualquer escola teórica de economia. Embora saiba que muitas pessoas olham primeiro o perfil político-ideológico duma pessoa, antes de ouvirem ou lerem suas palavras, eu não faço isso. Eu tenho aproveitado elementos de informação destes e de muitos outros autores, marxistas, keynesianos, escola austríaca, escola de Chicago, etc., sem ter a pretensão de saber mais do que eles. Porém, sem deixar de notar as suas fraquezas. 

Cada um deveria procurar ler, não apenas os autores correntes na sua «igreja», mas também outros, em especial, aqueles com os quais não esteja de acordo. Só assim, poderá desenvolver o espírito crítico e lucidez necessárias para construir uma visão própria.

                              Edifício da Bolsa de Nova Iorque



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(*) Teremos de sofrer ou 1) uma implosão global dos ativos financeiros e das economias; ou 2) uma capitulação perante a inflação através de mais uma dose de «QE» destruidora do valor das moedas-papel. Venha o diabo e escolha!

quinta-feira, 13 de outubro de 2022

QUE TAL UMA CRISE BANCÁRIA, A SOMAR À CRISE ENERGÉTICA?

                                             

 Os bancos dos países ocidentais, sobretudo da UE, do Japão e Reino Unido, têm estado super alavancados, isto quer dizer que a soma de tudo aquilo que têm emprestado ultrapassa, nalguns casos de perto de  30 vezes, as somas em cash e outros ativos que possuem e que eles têm como garantia. O principal elemento desta alavancagem monstruosa é o mercado dos derivados. É um mercado muito pouco regulado, que não entra nas contabilidades dos bancos, pelo que as quantidades em jogo e o risco associado são apenas estimativas. No entanto, estas apontam para uma potencial quebra em «castelo de cartas», visto que a subida dos juros das obrigações e a contração do crédito, tanto ao público, como interbancário, vai desencadear uma série de ativações (automáticas) das cláusulas de segurança nos referidos contratos de derivados. Tipicamente, um determinado contrato está baseado sobre índices ou valores de ativos. Estes estão fora do controlo das entidades que emitem e compram esses mesmos derivados. Assim, quando são feitos os contratos, há cláusulas de salvaguarda, para o caso em que haja um desvio demasiado grande de certos parâmetros, em relação aos mesmos aquando da assinatura dos contratos. É o caso recente dos aumentos de juros grandes e bruscos, tanto nas obrigações soberanas (emitidas pelos Estados), como as obrigações de empresa. Ninguém sabe qual o comportamento no curto prazo dessa «nebulosa» dos derivados, que mobiliza muitos triliões. Porém, a instabilidade e o receio imperam. Isto explica, em parte, a dificuldade presente do Crédit Suisse em se recapitalizar. Mais uma vez, entra o mesmo cenário que na Grande Recessão de 2008. Lembremos que foi a ausência de empréstimos interbancários, que poderiam resolver défices de liquidez temporários, que despoletou a crise. Os «pacotes de créditos hipotecários» foram os catalisadores, mas a consequência imediata disso foi que nenhum banco confiava na solvabilidade do seu vizinho; todos se retraíam de emprestar dinheiro, mesmo nos prazos mais curtos. O cenário repetiu-se em Setembro de 2019, seguido pela avalancha de QE (impressão monetária) da FED, até ao tsunami em Março 2020, supostamente por causa do COVID. 

Na realidade, a enormidade das dívidas acumuladas e a alavancagem de muitos bancos - incluindo bancos ditos sistémicos - faz com que já não haja «potência de fogo» de nenhum banco central, ou mesmo do FMI, para diferir (não digo eliminar) a derrocada. 

Situação das contas de diversos bancos. Para análise detalhada, ler Artigo* de Alasdair Macleod 

Creio que os bancos centrais - mais uma vez-  enganaram-se a si próprios. Seguiram estúpidas teorias monetaristas, entre elas o neokeynesianismo e  -mais recentemente - a famosa MMT. Essencialmente, ambas teorias advogam que os Estados podem manter-se em défice permanente, que o aumento da moeda em circulação é percebido pelos mercados como crescimento, como confiança no investimento, etc. A ideia é que esta «crença» dos mercados acaba por despoletar o crescimento, tem um efeito «estimulador» da economia. Tenho imensa dificuldade em compreender como tantas pessoas adultas, muitas delas com doutoramentos, conseguem autoiludir-se a este ponto: 

- De facto, se há um aumento da massa monetária em circulação, ele vai traduzir-se num enfraquecimento dessa moeda e isso vai despoletar a inflação. Esta pode ser diferida, assim como a água numa represa de uma barragem hidroelétrica pode ser retida durante algum tempo, até um certo nível. Mas, a partir de certo volume, têm de se abrir as comportas, que permitem que a água escoe, que a inflação deixe de estar confinada aos ativos financeiros e se alargue ao consumo geral (é aquilo que estamos a ver agora). No caso da barragem, se isso não for feito, a pressão constante da água sobre as paredes e o transbordar de água por cima do parapeito causarão inundação a jusante, ou pior ainda, uma rutura na própria barragem, seguida de inundação brusca. 

A analogia com o sistema monetário mundial é muito forte. Existe, como sabemos, ligação forte entre todos os bancos centrais, que também estão conectados ao sistema bancário e financeiro de cada país e internacional. No caso presente, uma crise séria, causando a falência dum «banco sistémico», como o Crédit Suisse ou o Deutsche Bank (ou outro grande banco internacional equivalente), irá despoletar uma série de fenómenos de vendas de pânico, de falências e «default» (= falhas de pagamento) em cascata. Mas, agora, não haverá já dinheiro do jogo «Monopoly» que possa salvar (temporariamente) a situação como em 2008. Ou então,  bem podem eles produzir divisas-fiat, nas quantidades que quiserem. Mas, o público e as empresas não quererão mais esse dinheiro «Monopoly». 

Também não servirá de grande coisa «afundar o vizinho» para se manterem à tona, como os americanos têm feito - desde há muitos anos - aos europeus. Agora, agiram de forma espetacular, com o atentado terrorista dos gasodutos NordStream. A cidadania mais esclarecida, mais consciente, já está a mobilizar-se. Em França, Alemanha, Rép. Checa, Itália, etc, há grandes manifestações. 

A U. E. está enredada nas suas contradições, entre servir os respetivos povos e suas economias nacionais, ou sujeitar-se ao «diktat» americano. Estes, através da OTAN (sobretudo), estão sempre a «torcer o braço» aos europeus para estes fazerem as «guerras dos americanos» contra os seus competidores. 

Não sei se, na U.E., chegarão a um ponto de rutura ou não, mas sei que não será o fim do mundo. As crises vão e veem. Causam muito desemprego, miséria, agitação social, além de que muitos valiosos ativos mudam de mãos. Mesmo que seja o fim do capitalismo, também não é o fim do mundo. Só temos que ter muito cuidado com a histeria de certos atores políticos que - conscientemente ou não - têm estado a aproximar a humanidade do holocausto nuclear. Isso sim, seria o fim de tudo.

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*)  https://www.goldmoney.com/research/banking-crisis-the-great-unwind

terça-feira, 26 de janeiro de 2021

DESVALORIZAÇÕES «COMPETITIVAS», DE NOVO?

                     



As desvalorizações competitivas das moedas ou divisas, também conhecidas pelo termo «guerras monetárias» são deliberadas descidas da cotação de uma moeda de um país face às outras, em especial face às competidoras. Esta política é tida como capaz de aumentar a competitividade dos produtos de exportação do país que leve a cabo essa política monetária. É suposto esta política encarecer as importações vindas de outros países, com moeda mais «forte». Esperam assim os governos enfraquecer os seus competidores e ficarem com uma economia mais forte, com uma parte maior dos mercados internacionais para os quais competem. 

Só que esta teoria está toda errada. Aquilo que se observa empiricamente, em relação a situações quer presentes, quer passadas, é substancialmente o contrário:

Os principais atingidos são os assalariados ou as pessoas reformadas, com um rendimento fixo, que sofrem o impacto da perda acelerada de valor da moeda, enquanto o montante dos salários e pensões permanece constante. Isto, obviamente, equivale a uma perda de poder de compra. Logo, o reflexo desta população é de poupar, de não fazer despesas fora do essencial. O resultado disto, é uma quebra no consumo, logo na economia interna do tal país que intencionalmente quebre o poder de compra da sua moeda. É um golpe na sua própria economia. É um castigo cruel e imerecido sobre os que têm pouco ou nada. 

Contrariando também o mito da competitividade externa, verifica-se que os outros países vão baixar os preços para exportação dos produtos em competição no mercado internacional. Isto dá origem a uma espiral descendente, em que todos perdem e ninguém ganha. 

Assim, os que resistem melhor a esta penúria auto-imposta, serão os grandes países, com muitos recursos, matérias-primas e produtos manufacturados cobrindo o essencial. 

Porém, os países médios ou pequenos, mesmo quando prósperos, irão «ao tapete» muito depressa, serão severamente castigados, mesmo que não tenham participado na «orgia de desvalorizações».

No contexto da nova administração Biden, parece que a «MMT» (Modern Monetary Theory) está triunfante como nunca esteve, ou seja, a teoria de que se pode imprimir, imprimir, imprimir, sem restrição para satisfazer o desejo de consumo do povo. Mas, o certo é que a prosseguirem no caminho, já encetado com Obama e Trump, o resultado será uma «Argentina» ou uma «Venezuela».

Nada será mais semelhante ao inferno na Terra do que os EUA, em que 30% da população já está em situação de carência alimentar.

Será uma aceleração da espiral descendente, com o efeito de destruir o resto de valor do dólar, o que irá desencadear a tal mudança de paradigma que os globalistas desejam tanto. 

Mas será o inferno, pelo menos para as pessoas comuns, em todos os países que seguem a doutrina de Washington. 

Quanto aos bilionários, estes estão sempre resguardados, mormente porque suas reservas de «cash» são uma porção diminuta dos seus activos. 

Por contraste, o grosso das poupanças de milhões e biliões de humanos, essas são denominadas em dólares ou moedas (todas, afinal) associadas - quanto mais não seja, pela sua cotação- ao dólar. 

Se a Reserva Federal fizer a vontade ao recém-empossado governo Biden, como tudo leva a crer, haverá uma aceleração da impressão monetária e uma correlativa destruição do valor da que ainda é moeda de reserva internacional, o dólar. 

Quem vê o que está «escrito na parede», põe-se ao abrigo, tendo o cuidado de transformar o máximo das suas posses em activos não financeiros. 

São exemplos destes: metais preciosos, não sob forma de ETF ou participação em fundos, mas físicos; alimentos, em especial os que possam ser armazenados por longo tempo; terra capaz de produzir em tempos de penúria alimentar, um bem ainda mais precioso... 

Por outro lado, as acções, obrigações, imobiliário... e suas bolhas respectivas, serão todas esvaziadas, com os detentores de tais activos a perderem fortunas. Já se viu isso em muitas ocasiões: o século XX teve dois grandes colapsos em 1920-23 e em 1929-36. 

A ignorância da História (aqui económica, principalmente) só conduz a que se volte a repeti-la, com as consequências trágicas que se podem antecipar.