A humanidade tem progredido - sobretudo - em complexidade material, quer dizer, através de tecnologias cada vez mais sofisticadas. Porém, existe também a complexidade organizacional, que não é realmente explorada como deveria ser, apesar dos muitos críticos da «burocracia».
É a complexidade organizacional que implica uma hierarquia das relações ou pelo contrário, uma hierarquia das relações implica uma complexidade organizacional?
-Esta questão deve ser desmembrada, para se extrair daí uma nova maneira de ver o problema:
-Muitas pessoas pensam a complexidade segundo níveis hierárquicos. Dirão que essa hierarquia é «natural», que ela é observada em todas as sociedades humanas e que se observa também na natureza, nas sociedades animais.
Esta forma de encarar a complexidade não tem em conta que - por norma - as estruturas do mesmo nível de complexidade se organizam de forma «não-hierárquica»: uma colónia de seres unicelulares, é constituída por muitos milhares ou milhões de indivíduos, cada um deles capaz de vida independente. Um tecido, num organismo animal ou vegetal, é formado por células idênticas na sua função, às quais se somam, frequentemente, células especializadas. No tecido animal ou vegetal, a função é desempenhada por este todo. De tal maneira esta função coletiva é de importância primordial, que existem em reserva células não-especializadas, embrionárias (células-tronco) que se poderão diferenciar e substituir as células danificadas, no conjunto das células tissulares.
Portanto, contrariamente à visão estrictamente hierárquica, no nível mais baixo de funcionamento dos sistemas complexos, devemos antes ver que tais seres complexos são organismos, isto é, uma federação de células, umas idênticas, outras diferenciadas, mas todas desempenhando a(s) função(ões) conjuntamente.
E ao nível de conjuntos de indivíduos, ao nível das populações?
- Embora uma versão ideológica, ultra-simplificada do darwinismo (a vulgata «neoliberal») nos tenha induzido a ver como predominantes as relações de competição entre os indivíduos, o facto é que a estabilidade dos grupos, das populações depende da cooperação muito enraízada, ao ponto de se considerar que alguns dos comportamentos cooperativos observados, são transmitidos pelos genes e não pela aprendizagem.
Além das relações intra-específicas, existem muitas outras, que se estabelecem de forma estável, ou transitória, entre seres de espécie diferente. As relações de simbiose potenciam as capacidades de seres de duas espécies diferentes, ao ponto da vida (ou a reprodução) dum dos simbiontes ser inviável, sem a colaboração do outro simbionte. Por exemplo, há espécies de plantas, que têm uma anatomia da flor, tal que apenas uma espécie de insecto consegue alcançar o néctar e carregar (ou descarregar) o pólen para fertilizar a planta; se desaparece o insecto, a planta rapidamente desaparece também, visto que não se pode mais reproduzir; se for a planta a desaparecer primeiro, a tal espécie de insecto desaparece de seguida , visto que não havendo a espécie vegetal, o insecto morre, não consegue adaptar-se instantaneamente a nenhuma outra espécie.
As interações entre plantas, animais e microorganismos são de grande importância nos ecossistemas. Um ecossistema pode entrar em desequilibrio e acabar por ser destruído, apenas pela remoção de uma ou muito poucas de suas espécies. Com efeito, é o que se tem observado em situações onde a floresta (ecossistema complexo) é substituída por plantações; mesmo que permaneçam alguns restos da floresta original na periferia, ou «ilhéus» da mesma, no meio das terras cultivadas. Como tais restos de floresta deixaram de ter capacidade auto-reprodutora, as diferentes espécies ou desaparecem ou diminuem rapidamente. Surgem então as espécies oportunistas, que tomam o lugar, e (muitas vezes são pragas) que fazem diminuir o rendimento das explorações.
Estes exemplos acima mostram como as relações naturais são de complexidade muito maior, do que imaginadas pelos humanos, ao longo da História. O ser humano tem sido frequentemente perturbador dos delicados equilíbrios naturais. Os cientistas do ambiente têm experimentado recuperar ecossistemas, devolvendo-os ao seu estado primitivo, em diversidade de espécies e em produtividade em biomassa. Infelizmente, têm tido muitos fracassos e poucos sucessos.
Os jogos de poder nas sociedades humanas são, por vezes, equiparados aos atos de predação de animais no estado selvagem. Este tipo de comparação não tem nada de científico; mostra a ignorância de quem usa estes exemplos («o leão e a gazela», etc...). Com efeito, a predação é um processo complexo de interação entre a espécie-presa e a predadora. Os predadores têm tendência a atacar os mais fracos, devido à idade, a ferimentos, ou a doença. Este facto de predação preferencial, favorece as presas mais robustas, mais saudáveis, tendo portanto o efeito de apurar, constante e espontaneamente, suas capacidades físicas e - em especial - as capacidades das presas em escapar aos predadores. O simétrico também é verdadeiro, pois as espécies-presa - ao serem difíceis da capturar - exercem pressão sobre a população dos predadores, seleccionando aqueles mais capazes de levarem a cabo a caça.
Aliás, é bem conhecido e observado o comportamento de que os predadores não atacam presas quando têm a barriga cheia. A predação natural, em circunstâncias não falseadas pela intervenção humana, parece-se mais com um «podar as hastes e ramos duma árvore».
Embora estejam sempre a extinguir-se espécies, mesmo sem a intervenção direta ou indireta dos humanos, estas espécies são geralmente substituídas por outras, que aproveitam a oportunidade para se expandir ou diferenciar. O homem, pelo contrário, nos espaços que domina - ecossistema urbano, ecossistema agrícola - arrasa tudo o que não lhe convém e, muitas vezes, importa plantas e animais doutros ecossistemas, que podem ter um efeito devastador nas floras e faunas autóctones (veja-se os casos da colonização da Austrália e de muitas ilhas).
A ideia bíblica, da humanidade que recebeu este planeta de Deus, tendo que cumprir o seu dever de guardião das espécies, com prudência e respeito, foi completamente subvertida. A partir da era industrial, foi substituída pela depredação pura e simples, baseada na ideia de que a propriedade da terra seria um bem «absoluto» e que o seu proprietário podia fazer dela o que bem entendesse.
O estímulo para se ser «empreendedor» tem vigorado, como parte da ideologia que minimiza ou anula as obrigações do indivíduo para com a coletividade e isto, sem contrapeso. Com efeito, têm-se descurado os deveres públicos de ordenação, planificação e fiscalização (os quais, quando existem, muitas vezes são infestados por corrupção). Esta estranha «moda» tem como efeito, difundir um ideal de triunfo do indivíduo sobre a sociedade, e portanto, de destruição da própria sociedade.
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