segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

OPUS. VOL. III, 34: AS PALAVRAS POÉTICAS E SUA INTERPRETAÇÃO



POESIA E JOGO

 Na continuidade da pesquisa sobre aquilo que faz com que algo seja considerado poesia ou não, há uma característica que não é demais enfatizar: O efeito do inesperado. 

Um poema pode ser muito bem construído, harmonioso, etc, mas não estimular a atenção do auditor/leitor. Essa coisa que falta, chama-se imprevisto, aleatório, surpresa... Uma quebra no discurso, assim como nos acontecimentos descritos. O imprevisto é fundamental,  tanto em poesia como em música. E a poesia é, no fundo, uma forma de música. 

Outra circunstância esclarecedora em relação à importância do acaso em poesia, é o mecanismo do riso. Certas histórias são engraçadas,  desencadeiam o riso: Reconhecemos-lhes qualidade humorística, enquanto outras, não. Aquilo que torna uma história humorística,  é possuir elementos completamente imprevisíveis, mas da ordem do verosímil. Temos aqui uma componente poética frequente em narrativas em prosa, o conto ou o romance. 

Afinal, nem o conteúdo,  nem a forma, nos permitem concluir da qualidade poética duma produção. O "tour de force" poético, consiste na formulação, em apenas um verso ou estrofe, de algo complexo ou subtil, que precisaria de mil palavras para ser descrito analiticamente. Neste último caso, haveria perda total do  encanto poético. 

É por isso que, embora seja possível traduzir automaticamente através de algoritmos, uns pedaços de prosa, tal é impossível com poesia verdadeira: Nesta forma mais elevada de literatura, quase nao sera possivel uma tradução. Só por analogia ou semelhança, mas não literalmente, poderá a obra-prima poética ser traduzida.  Mesmo que a tarefa seja levada a cabo por alguém com profundo conhecimento de ambas as línguas; a língua original e a da tradução. 

Empiricamente, podemos confrontar uma tradução realizada por «robot», com a de um humano, tradutor  qualificado: Se o texto poético traduzido for «pesadão», sem as subtilezas do texto original, podemos apostar que é produto de um algorítmo; se não colar exatamente ao texto original, mas  transmitir a atmosfera poética deste,  então terá «mão humana».  Uma boa tradução  é também um ato de criação literária. 



POESIA E INTERPRETAÇÃO

Há que diferenciar entre interpretação e adaptação: 

- É uma diferença muito evidente em música: Pode haver fidelidade à obra musical, com a sua execução noutros instrumentos, que não aqueles para os quais o compositor ideou a partitura. No domínio musical, fala-se então duma adaptação

A interpretação de uma peça musical, refere-se a algo muito diferente: Será a forma de traduzir em discurso musical  o que está na partitura; a interpretação pode servir bem a  ideia do compositor, ou pode afastar-se, ao ponto de deturpar a peça em causa. Por isso, ao estudar-se música antiga, é indispensável conhecermos  as convenções interpretativas, as regras implícitas de uma dada época. 

Na poesia declamada, deve procurar-se a inteligibilidade imediata do texto. Nos textos antigos, é lícita a atualização de certos termos, assim como da fonética. O poema tem de ser inteligível. Deve dar-se prioridade à articulação  da palavra, em relação aos efeitos expressivos. Nos textos cantados, porém, esta prioridade pode não existir, em certos casos: Por exemplo, em cantos litúrgicos com textos em latim, as palavras podem ser incompreensíveis, devido às  complexidades da polifonia. Nas óperas, a compreensão  imediata das palavras não  é  essencial,  pois supõe-se que o público conheça o enredo e que vai ao espectáculo mais pelo seu lado musical, do que pelo teatral. 


 

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