sábado, 9 de janeiro de 2021

[OBRAS DE MANUEL BANET] PERANTE A NOVA IDADE DAS TREVAS

                        
Dias estranhos vieram e parece que vão ficar. Mais dia, menos dia, as coisas mudarão, sim. Mas, entretanto, o tempo passa e nada daquilo por que ansiámos se realiza. 

Estamos metidos num túnel do tempo. Não podemos virar para um ou outro lado, não podemos recuar, só podemos avançar e não existe luz ao fundo do túnel. 

Acham exagerada esta perspectiva? 
-Eu também a achei; eu também refreei o pessimismo, tentei ver as coisas com olhos mais tranquilos... tentei e não consegui. 

Agora, só espero que as pessoas saibam, por instinto, conservar a sua humanidade fundamental. Pois não se trata de menos, para mim, que uma luta gigantesca entre a civilização verdadeira e as trevas. Deixámos que as trevas se alongassem demasiado. Fomos condescendentes com os nossos pequenos pecados, de homens e mulheres vivendo nesta era super-sofisticada, nesta era de automatização, digitalização e de isolamento egocêntrico. 
Pior; adorámos deuses de pacotilha, os nossos brinquedos de tecnologia, julgando com desprezo tudo o resto. Não desprezámos apenas os que não tinham acesso a tais «maravilhas», como desprezámos toda a herança cultural que os povos e culturas transportam, absortos e viciados na sofreguidão do prazer instantâneo, da ilusão de saber, potência, conhecimento, sabedoria... 

O que melhor nos caracteriza é a impotência. A incapacidade em nos auto-governarmos, uma incapacidade que seria desculpável em crianças inexperientes, mas que ocorre em adultos e adultos muitas vezes caprichosos, embriagados de poder e honrarias. 

No fundo, a humanidade está a encaminhar-se para o longo período das trevas, de livre vontade, pois várias são as vozes cheias de bom-senso que têm vindo a avisá-la. Estas vozes, de vários quadrantes espirituais, de várias escolas de pensamento, são a consciência da humanidade, mas pouco ou nada contam nas circunstâncias presentes.
  
Pelo contrário, a saturação de informação, vai relativizar tudo. Será necessário muito saber, sabedoria e coragem para destrinçar - num universo de falsas notícias e de pseudo-notícias - quais são as relevantes. Tornou-se impossível o cidadão comum efectuar esta triagem de informação. 

No entanto, os que o fazem para nos fornecer informação, extensa ou resumida, não são neutrais, não são pessoas desejosas de comunicar a verdade; por outras palavras, não são repórteres ou jornalistas honestos, são propagandistas disfarçados de profissionais de informação.

Então, falando em relação a mim próprio e aos ideais que transporto: 
- Que esta idade das trevas seja vista como parecida, em vários aspectos, à que fez a ponte entre a antiguidade e a idade moderna, da queda do império de Roma, ao Renascimento.  Nessa altura, os restos da civilização greco-romana foram salvos da aniquilação por um pequeno número de eruditos, tanto cristãos, como muçulmanos ou judeus. Eles salvaram preciosos manuscritos, textos de ciência, literatura, filosofia, religião, dos séculos passados. 

Os monges medievais passaram - de geração em geração - este legado, copiando manuscritos que, de outro modo, seriam perdidos para todo o sempre. Para mim, foram tão «heróis», como os humanistas do Renascimento, que se encarregaram de devolver à luz esses escritos, os traduziram, os comentaram, e construíram uma nova cultura sobre as bases da antiguidade clássica. 

Estou lendo agora o D. Quixote na versão integral, em tradução de Aquilino Ribeiro. 
Sinto que é importante nos apropriarmos novamente das obras clássicas da nossa cultura.  Pois ela nos enriquece para além das nossas próprias expectativas mais optimistas. Saberão alguns que me lêem o que é essa sensação estranha e deliciosa, como se estivéssemos em colóquio íntimo com esses mestres do passado.

Não posso dar conselhos a ninguém, só a mim próprio: Serei como os monges medievais, guardando uma espiritualidade, uma cultura e um saber, o melhor que puder, divulgando-os com o mesmo carinho com que as gerações anteriores se dedicaram a fazê-lo. Estou a fazer o meu dever, apenas, a restituir aquilo que recebi, o legado ou herança imaterial que molda verdadeiramente as nossas vidas em sociedade. 

Quem não quiser ser triturado por robots ditos de Inteligência Artificial, que faça o que há de mais humano: reflicta, pense, emocione-se, exprima os sentimentos e as reflexões, comunique com os seus semelhantes, homens e mulheres de igual inclinação, dialogue por todos os meios com outras almas que sejam também sensíveis, curiosas, desejosas de fazer o bem. 

Se conseguirmos manter esta corrente, nas várias sociedades, culturas e etnias que compõem o «puzzle» humano, outros poderão, mais tarde, retomar o fio da humanidade e comporão as obras de um novo Renascimento.

                             
O nocturno em Dó menor Op.48, nº1 de Chopin, aqui interpretado por François Chaplin, parece-me adequado para exprimir a solenidade e serenidade do momento. Nada como uma música de beleza transcendental, para nos ajudar a encarar a realidade do que estamos a viver. Se os momentos que presenciamos são históricos, épicos, 
únicos... então a música de Chopin, em geral, é apropriada. Apesar de ser em tom menor, esta peça tem uma energia cheia de esperança, acho mesmo que se eleva, e a nós com ela, para um plano superior.

1 comentário:

Manuel Baptista disse...

Veja o documentário seguinte, mostra as preocupações reflectidas no texto acima:
https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2021/01/documentario-new-normal-nao-perder.html