Muitas pessoas aceitam a situação de massacres de populações indefesas em Gaza e noutras paragens, porque foram condicionadas durante muito tempo a verem certos povos como "inimigos". Porém, as pessoas de qualquer povo estão sobretudo preocupadas com os seus afazeres quotidianos e , salvo tenham sido também sujeitas a campanhas de ódio pelos seus governos, não nutrem antagonismo por outro povo. Na verdade, os inimigos são as elites governantes e as detentoras das maiores riquezas de qualquer país. São elas que instigam os sentimentos de ódio através da média que controlam.

terça-feira, 31 de maio de 2016

O que é uma «ESCOLA SEM MUROS»? MEDITAÇÃO PEDAGÓGICA - PROVOCAÇÃO REFLEXIVA

NB: este texto serviu de base à minha intervenção no Debate na sequência da Conferência «sobre o Conceito de uma Escola Sem Muros», realizada a 28-05-2016 na «Fábrica de Alternativas», Algés 

      

O meu ponto de partida para esta ideia, foi o constatar que estamos (quase) todos concentrados numa ideia de «escola», vista como uma espécie de fábrica de «futuros trabalhadores e cidadãos», coisa que correspondeu à era Taylorista e Fordista do século XX. 
Porém, a escola como aparelho ideológico do Estado (sem dúvida permanece assim, mesmo em escolas privadas ou cooperativas) é uma realidade que esmaga o indivíduo, que o marca a ferrete como sendo «escolarizado» (ou não), detentor de «diplomas (ou não), ou seja como explorável, como «útil-utensílio» na forma última de alienação no trabalho e pelo trabalho.
A questão do trabalho-mercadoria ultrapassa então a questão laboral; não poderia ficar assim «limitada» ao que se passa no local de trabalho: Como Marx viu e muito bem, a alienação do trabalhador implica que esteja completamente destituído de poder, escravo à mercê de uma máquina impiedosa que fabrica «lucro» antes de produzir bens e serviços... Pois o fim último da produção desses bens e serviços é o lucro.
O homem é portanto reduzido a uma «variável ajustável» às conveniências da «empresa», do capital. O capital é que rege o nosso ser e devir de nós todos, produtores/consumidores que somos. Apenas teremos uma hipótese de nos emanciparmos: a de nos apossarmos de nosso ser, nossa inteligência, vontade, querer e «coração», para construir (ou reconstruir) um mundo onde o humano esteja no centro.
O mundo social é um mundo sempre construído por nós, mas o nosso «input» nele é variável. Podemos ter o input de «formigas» OU SEJA, DE AGENTES ANÓNIMOS intercambiáveis, exploráveis, recicláveis ou deitados fora, como lixo... ou- em alternativa - sermos PROTAGONISTAS da nossa própria vida, da nossa construção interior, da nossa educação, dos laços diversos que constituem a teia única de cada ser no seio da sociedade.
Podemos fazer isso, sem necessidade de grandes teatros e proclamações, de grandes manifestos e marchas, que -muitas vezes- apenas são encenações do capital, ou seja, formas dele nos ludibriar e nos convencer de que sim, estamos a fazer algo por vontade própria, que estamos a mexer com algo, que estamos a ser «agentes ativos» de mudança. Mas, na realidade, continuamos num estado alienado, desapoderado. Isto é: temos todos os sintomas de zombies sociais…
A condição primeira para a libertação, emancipação e autonomia, enquanto indivíduos, grupos, comunidades e sociedades em geral, é de uma tomada de consciência social.
Por oposição à consciência individual que está centrada no ego, a consciência social parte da existência dum «sofrimento social». Face a este sofrimento, a atitude ativa é a de descobrir, debater, analisar, procurar soluções dessa disfunção social.
O debate proposto, sobre o conceito de uma Escola Sem Muros, é um contributo para essa procura de soluções.






O MEU QUERIDO TON-TON ÉDOUARD



Tenho o grande privilégio de ter herdado muitos quadros deste meu tio pintor. A sua arte acompanhou-me sempre, em todas as etapas da minha vida, seja na casa de meus pais, seja na de minha avó Louise, seja mais tarde, quando tive casa própria. 







É com alguma mágoa, porém, que verifico que seu génio não tem grande público, hoje em dia! Não existe público para apreciar o realismo tranquilo, sereno, o domínio da técnica pictórica e a capacidade de transmitir a «vibração» do mundo. 
No entanto, as suas obras educaram o meu olhar. Se posso olhar esse mundo, directamente e usufruir do seu espectáculo como obra de arte natural, muito o devo ao meu Tio-avô. 


- Como poderia eu ser quem sou sem ti, Ton-Ton querido? Morreste quando eu tinha apenas oito anos. Porém, a tua influência em mim e teus ensinamentos ficaram para sempre. 


Olho para a arte, hoje em dia, com um sentido não construído pela frequência de cursos em faculdades ou academias. 

Porém, a fruição da arte, toda ela, e todos os estilos, é para mim coisa espontânea e natural; talvez porque internalizei a arte de um pintor, assimilei-a profundamente, puramente, por intuição. Compreendi a sua maneira de olhar o mundo, a natureza, e pessoas. 

Em 2009, já com a sua Filha Huguette muito doente, atrevi-me a fazer o catálogo da Obra do meu tio-avô. 

Eu sinto o dever (e tenho prazer) em preservar o património, não só familiar, mas de toda a gente, pois afinal a arte não se deveria deixar espartilhar por limitações de propriedade, pelo menos no que toca ao usufruto da mesma e do cultivar do gosto. 

Oxalá outras pessoas, que possuem em casa ou têm acesso a património artístico com valor, o publicitem como eu o fiz, em relação à obra de meu tio-avô. 

Pode-se  visitar uma «exposição virtual» no blogue IN MEMORIAM.

Acompanhei o lançamento do blog e do catálogo com um livrinho de divulgação, que mostrava uma pequena selecção de sua obra e fazia um esboço de biografia, como introdução.

-----------------------------------------------------------------------------
(Lisb. 1886 - Lisb. 1962)


Retratos 

LOUISE, Irmã do Pintor, quando jovem

Huguette, filha do pintor


Paisagens 

                   




Naturezas Mortas e Vasos Com Flores 



  

terça-feira, 24 de maio de 2016

CONTO: A ESTRELA DO MAR


Nasci aqui, aqui cresci.



A terra e o mar... tanto que ver, 
refletia, olhando o céu.



Cedo aprendi

que havia vida por todo o lado, 





                                                       até debaixo das rochas!




Um belo dia
saí de casa, fui ao mar alto



                                   Mas voltarei, outro dia.
                                   Outro dia darei à costa 


Estrela de luz
no céu 
das estrelas do mar...



PAISAGENS INTERIORES


«Paisagem interior», desenho a lápis sobre cartão, por Manuel Banet datado de 14-04-2016



   

sábado, 21 de maio de 2016

[NO PAÍS DOS SONHOS] Frottola «Vergene Bella», Bartolomeo Tromboncino





Versos a Afrodite, Deusa da Geração do Amor e da Vida

A cada passo meu, dentro deste jardim, se vai aproximando o coração da luz. Em ti encontrei o fruto escondido do amor sem pecado. Do amor que se estabelece entre dois seres de luz, fora do tempo e do espaço, porque estão no plano universal do amor de Deus.

As guerras que nos atormentavam, as de ferro e fogo, as de corações inflamados pelas paixões terrenas, não desapareceram, mas não nos causam já esse abalo que nos desvia de Ti.

No meu coração te transporto sem o dizer a ninguém, pois o que há de bom e precioso deve ser preservado do olhar cobiçoso.

O ouro que é meu, esse que é verdadeiro, não é o que se encontra nos cofres e nas baixelas. O ouro que está em mim, não reluz e nem se pode cambiar, tem só uma existência: a do espírito comparticipando no Todo.

Estou em comunhão contigo, Deusa, com a beleza imóvel e intensamente compassiva do teu olhar poisado sobre mim. Em teu coração eu me refugio, recebo tua proteção. Sou teu, dou-te a minha fidelidade e a verdade de meu ser.


[NO PAÍS DOS SONHOS] Tento do Primeiro Tom, Manuel Rodrigues Coelho




O horizonte está entrecortado por colinas, onde tufos incertos de bosquedos teimam em assinalar a sua presença. O rio está quase seco, apenas serpenteando um fio de água por entre pedras e juncos. Oiço gritos ao longe, de uma aldeia ou quinta a duas léguas do ponto onde descanso. O cavalo entretém-se com os raquíticos pastos, ressequidos pelo longo Verão da meseta. O calor ainda é demasiado para nos pormos a caminho. Não consigo pregar olho, pois as moscas zumbem em torno de nós, sem descanso. O Sol ainda está acima do horizonte; quando o crepúsculo chegar, retomarei caminho na estrada de Toledo.

Penso no que acabo de deixar para trás, os olhos humedecem-me. Desterrado, por mim próprio, para o todo sempre, condenado pelo amor impossível que me atormenta. Leal e dignamente, apenas me resta a opção de tomar o hábito de monge numa ordem religiosa.
Ela sabe onde me irei acolher, somente ela e mais ninguém. 
Ao entrar nesta fraternidade monástica irei receber um nome, atribuído pelo superior: somente ele saberá a minha identidade, o meu nome civil, o título nobiliárquico de que sou portador, desaparecerão. As minhas propriedades, todos os meus bens terrenos, pertencerão à ordem monástica. 

Isto custa-me infinitamente menos do que o facto de nunca mais vê-la, a Dona e Senhora de meu coração, a única.



[NO PAÍS DOS SONHOS] Fantasia em Fá menor Op.49, Chopin






Num subterrâneo mundo, onde as águas são iluminadas por debaixo, vogam algumas canoas com misteriosos movimentos ondulantes, muito suaves. Tudo o que se pode entrever do local é adivinhado aquando de brevíssimos clarões azulados, que mostram instantâneos de cenas petrificadas. 
Homens nus reclinados, com a cabeça rapada, deixam-se transportar nas canoas. Estas movem-se sem nenhum gesto de seu passageiro. Cada canoa acosta, sucessivamente, a um pequeno cais. Aí, mulheres muito belas, nuas, vistas de costas, entram sucessivamente, uma em cada canoa. Afastam-se e perdem-se as suas silhuetas no fundo da gruta, que é afinal um rio subterrâneo, que serpenteia por debaixo da terra, silencioso. 

Agora estou numa dessas barcas. Ela dirige-se a uma abertura ao longe, enquadrada pela vermelhidão de archotes. O rio subterrâneo desemboca numa enseada. Observo a paisagem calma da noite com estrelas e sem luar. Oiço claramente o ruído suave da onda a lamber a areia da praia. O vai e vem da maré deixa um rasto fosforescente, desenhando um contorno sempre em mudança a cada ondulação levemente esboçada no limiar das águas. 

Os vultos que caminham desde umas rochas a uns duzentos metros, vão-se aproximando do ponto onde me encontro. Todo o grupo está silencioso, apenas se ouve o ruído do chapinhar da água ao nível de seus calcanhares, pernas, coxas e por fim, mergulham, num deslizar calmo. Nadam longamente, mas a uma distância curta do ponto onde estou. 

Emergem por fim e aproximam-se da praia, fosforescentes, corpos esplêndidos, bem proporcionados, apenas se distinguindo o seu contorno. Tudo é magnífico e nada assustador. Estes corpos espectrais passam perto de mim, mas sem notar-me.

O sonho deixa-me uma sensação de alegria serena; estou envolto num halo de luz e contemplo o céu estrelado, com profunda gratidão.