sexta-feira, 1 de novembro de 2019

[OBRAS DE MANUEL BANET] ROTEIRO PARA ESCAPAR DA MATRIX/LABIRINTO (versão integral, corrigida)

                           

                     ROTEIRO PARA ESCAPAR DA MATRIX/LABIRINTO

            
         
[parte I]


Por vezes, a mente é levada a construir complexas construções, as quais se apoderam do próprio funcionamento do indivíduo. A sua consciência é auto-adormecida, pela falsa evidência, aparência, ou ilusão, de que a realidade que o cerca se conforma ao modelo interior, por ele construído. 
Por outras palavras, temos a tendência - forte e generalizada - de interpretar as informações, tanto o que nos chega pelos sentidos, como o que entra pela via do «universo medio-cognitivo», duma maneira que se encaixe no modelo interior que construímos (não conscientemente) do mundo e de nós próprios.
Quando nos deparamos com evidência de que assim é (como escrevi acima) e, sobretudo, que o nosso ponto de vista não pode ser senão o ângulo subjectivo do indivíduo, que interpreta as coisas de acordo com a sua conveniência, podemos ser tentados a adoptar uma postura cínica, como: «se as coisas são assim, então irei fabricar a minha narrativa do real, de acordo com a minha conveniência».
Mas, a narrativa do real, não é o real. O real está para além do alcance da mente humana, não porque não exista... nem porque a mente humana seja conceptualmente deficiente para alcançar tal conhecimento. 
- Não, a impossibilidade de ver o real é ontológica. 
É o que nos transmite o Koan seguinte: 

«os olhos não podem ver-se a si próprios.» 

Dirás: «mas os meus olhos, que se reflectem no espelho e dos quais vejo a imagem, são reais, pois os fluxos de ondas luminosas que chegam aos meus olhos, o são ... 
Para lá da explicação imediata, de que os olhos não podem ver senão o reflexo (ou seja, ondas luminosas) ao espelho, de si próprios.... devemos ter em conta que o próprio tecido do real é composto de uma grande complexidade. 
Estaremos convictos de que «vemos» algo, que os olhos não nos estão a enganar, no instante preciso em que estamos a sofrer uma ilusão. 
Além disso, a realidade física, as leis da reflexão dos objectos num espelho, a luz que incide e é reflectida, o modo como isso acontece, etc...existem, mas, também elas não proíbem que determinados parâmetros variem, e isso fará com que o observador interprete - de modo erróneo - uma determinada imagem. 
Deve-se ler a discussão acima, não meramente no sentido literal, mas também metafórico: compreendemos que estamos permanentemente a nos enganar a nós próprios, com os «olhos da mente» coloridos por lentes, de cores diversas, como um caleidoscópio que varia, consoante nossos estados internos.
Poderia desenvolver e ilustrar longamente o que acima delineei, mas peço ao próprio leitor para fazê-lo, reflectindo, recorrendo a memórias da sua experiência pessoal, ao que tem ocasião de observar no mundo que o rodeia. 
Assumindo pessoalmente os pressupostos acima, como é que eu me poderei libertar desta «teia», desta «matrix», que me impede a ver o real sem «filtro», sem as ilusões de «óptica» decorrentes da minha própria pessoa? 
- Fará sentido procurar «sair de mim próprio»? 
- Será que posso me desdobrar em «observador do real» e «observador do observador do real» ... num jogo de espelhos sem fim, até ao infinito? 
- Não será melhor eu assumir que - faça o que fizer - estarei sempre imerso nesta matriz, neste vai e vem entre o mundo real e a minha percepção do mesmo, a qual não é mecânica, nem automática, mas sim uma construção?
O meu cérebro tende a procurar «fazer sentido» da informação, porque foi feito para isso, geneticamente. Também foi treinado pela educação, reforçando este comportamento na vivência de todo o tempo de vida... 
Mesmo que tente descolar do realismo ingénuo - a realidade é «aquilo que vemos» - o certo, é que não comando as minhas pulsões, o meu «fundo animal», pelo que - no melhor dos casos, somente poderei «a posteriori», depois duma ocorrência, tentar compreender o que se passou. 
Também neste caso, terei necessariamente de recorrer às experiências passadas e ao armazenamento das mesmas na memória, não poderei raciocinar de outra forma, senão da maneira como me foi ensinado, condicionado, habituado a fazê-lo. Em qualquer situação, haverá sempre um subjectivismo irredutível, no centro da interpretação do que vejo.  

A consciência da não-distância ao real, da não-descolagem do personagem que observa, em relação à informação que lhe chega pelos sentidos (ou mecanismos cognitivos), poderá ser um princípio. 
Tendo em conta esta complexidade, não deverei ter a veleidade de saber tudo, nem de ter uma clara visão do que vejo. Terei uma grande prudência em relação aos meus juízos. Nomeadamente, de que sendo eu centrado, ancorado, na minha existência (e isto não pode ser de outro modo), não poderei abarcar a realidade numa visão global, como se fosse «Deus».
A impossibilidade de uma parte (nós) ter um total conhecimento e consciência do todo, no qual está incluída (o Universo), foi demonstrada matematicamente por Gödel, um dos mais brilhantes matemáticos do século XX.
Eu adopto a posição de um realismo prudente, não trivial, não «materialista», não ingénuo em relação à ciência, nem à sua ideologia (cientismo) que muitas vezes nela se esconde. 
Mas sou realista e reivindico esta minha opção, pois me parece ser a única que poderá alimentar uma abordagem saudável e construtiva dos problemas éticos, que se me deparam a cada passo.
Se falamos de ética e de consciência, estamos a falar de quê? 
- Estou a fazer algo pelo sentido do dever ou do prazer? 
- Estou a auto-avaliar a minha escolha, a minha acção, por valores que poderão ser adoptados pelo conjunto da sociedade e até do universo, ou estarei meramente a jogar com as palavras, para me «enganar» a mim próprio?
Muito poderia e deveria ser dito e escrito sobre estas questões, mas aqui irei apenas dar uma indicação de caminho:  A consciência de si e a noção do real, da realidade, são dois aspectos indissociáveis do «ethos» do indivíduo; tal pode também ser aplicado, com modificações, à ética social, à «moral pública».

[parte II]
                        
Quando me decidi a escrever algo do «sumo» da minha experiência, relativamente a questões que só superficialmente são tidas como do foro íntimo - a consciência, a autonomia do indivíduo, a responsabilidade individual e social - não estava querendo dar «lições de moral», mas antes motivado pelo desejo de arrumar - na minha própria cabeça - conceitos e experiências. 
Depois descobri que, ao arrumar este conjunto de questões, estava a tornar tudo muito mais claro, na minha mente. Este era um «fio de Ariadne» que me poderia conduzir, no futuro, para fora de situações embaraçosas e de constrangimento, como acontece nas vidas de quase todas as pessoas. 
Este «fio» talvez seja demasiado frágil e talvez apenas uma hipótese. Porém, se tal hipótese se confirmar, mesmo que só eu consiga recorrer a ele para sair do labirinto, já é muito.
Para si, leitor/a, isso significa que o/a leitor/a pode encontrar o seu próprio método, também! Não será isto uma boa notícia?  
As pessoas todas precisam de um «vestido aureolar», uma roupa invisível que proteja a nudez do seu ego. Elas deslocam-se na sociedade, exibindo esse traje, embora estejam nuas, face a alguém com o olhar ingénuo duma criança.
É curioso ver as pessoas imbuídas das suas roupagens e adereços, como se fossem personagens de teatro, ou de ópera. Serão elas capazes de descolar de suas próprias «representações teatrais», verem-se a si próprias e o papel que estão desempenhando?
- Os personagens da história (os monarcas, chefes militares, etc) construíram deliberadamente um «avatar» de si próprios, um ser mítico, que os súbditos adoravam, um símbolo, algo que não tinha realidade, senão na imaginação dos seus adeptos.
Assim procedem, igualmente, os «ídolos» do desporto, do cinema, da música pop, da política-espectáculo, enquanto manipulação hábil desse «vestido-aureolar». 
Do lado dos adeptos, do lado das massas, existe um desejo, não-satisfeito, de amor, de um amor impossível de satisfazer porque é o amor que uma criança com poucos meses de vida possui/recebe do seio materno, que o nutre e lhe dá tudo, calor, carinho, segurança, prazer. 
A nostalgia dos humanos pelo seio materno é universal. Aquilo que não é tão universal é um desejo sôfrego pela satisfação do retorno ao seio materno, mesmo que seja de modo totalmente simbólico, ou o mais  irrisório, até. 
Mas devemos compreender que em larguíssima escala, na sociedade, existe uma regressão infantil de certo número de pessoas. São estas pessoas com grande pulsão para «se entregarem», que procuram uma identificação com um ídolo. Elas colocam-se (interiormente) na postura do «bebé que mama o seio materno». Isto não deveria surpreender, pois estas pessoas não conseguem encontrar na sua vida - que, elas próprias desprezam - algo que supere a quase perfeita felicidade do bebé. É como uma droga, como a «soma» do romance de Aldous Huxley.  E a isto, pode chamar-se alienação.
Note-se que, quanto mais frustradas, mais se agarram à sua «droga» preferida: numas, pode ser  mesmo «droga» no sentido usual de substância aditiva. Noutras, pode ser a identificação com e adoração do ídolo. 
Tal mecanismo é patológico, na medida em que vai escamotear a realidade: o ídolo, não é assim na realidade, mas é essa a imagem retida pelos adeptos que o adoram. Além disso, o reforço constante da imago do ídolo, na media popular de massas, cria e alimenta em permanência, o mecanismo de identificação com ele: os adoradores recebem através da imago, um pouco de sua aura, do seu poder mágico, etc.
As pessoas podem estar de tal maneira reprimidas ou anuladas, que não têm a coragem - nem pensam sequer - de viver a sua vida, construindo os seus projectos, aceitando desafios, lutando pelos seus objectivos. Assim, um pequeno grupo consegue perfeitamente manter controlo das restantes pessoas, dominadas. A receita é simples e muito velha: 
- Fazer com que a imagem da(s) pessoa(s) dominante(s) coincida com um mito pré-existente, vestindo a mesma roupagem do mito, ou um pouco diferente, mas facilmente reconhecida pelas massas, o vestido-aureolar de que falei acima.
Mas, nada disto seria possível se não houvesse, profundamente, em todos nós, uma tendência genética, hereditária, para o gregarismo.
Esta tendência já está presente, antes do aparecimento dos humanos, no mundo animal, não sendo portanto uma contribuição original da evolução humana, mas antes uma herança ancestral, transportada pelos homininos, até a Homo sapiens e presente em todas as culturas humanas, passadas e presentes.

Irei desenvolver este tema no capítulo seguinte.



[parte III]



Nas espécies animais mais próximas da espécie humana do ponto de vista evolutivo, os grandes símios antropóides, a existência de comunidades estruturadas de modo muito idêntico, de geração em geração, reforça a noção de que existe uma determinação genética nos seus modos de se relacionarem e de se estruturarem em sociedade. 
Nos gorilas, a estrutura social é diferente da sociedade dos chimpanzés, e nestes difere grandemente da dos seus «primos», os bonobos. Porém, a distância genética entre eles não é muito elevada. 
Estão todos muito dependentes do grupo para a criação e integração dos infantes e dos jovens. A sociedade está estruturada de modo hierárquico e familiar nos gorilas, hierárquico e supra familiar nos chimpanzés e não hierárquico,  sexualmente promíscuo, nos bonobos.
A estruturação dos grupos pré-humanos - ou homininos - pode ser inferida pelos vestígios quer da anatomia, quer de restos arqueológicos, permitindo inferir a estrutura dos bandos, a partir de uma série de parâmetros. 
Mas, só podemos ter a certeza sobre os detalhes dos modos de organização social, na nossa espécie - o Homo sapiens - a qual terá cerca de 300 mil anos, segundo as descobertas mais recentes.
A estrutura familiar foi - em muitos casos- o único nível de complexidade que muitos humanos das épocas mais remotas conheceram.  Isto não invalida a existência de agrupamentos supra familiares, como os clãs ou as tribos, mesmo nas etapas anteriores ao «homem anatomicamente moderno». 
Porém, a estruturação das sociedades em conjuntos maiores é típica das épocas pós-paleolíticas: neolítico, calcolítico, idade do bronze, do ferro… Nas sociedades agrárias e pastoris iniciais, já existia uma hierarquia dos géneros, das idades, do poder e da riqueza. 
As relações eram, porém, quase sempre «cara a cara», havia um conhecimento directo dos chefes pelos súbditos e vice-versa. A complexidade crescente e o tamanho dos conjuntos humanos, veio trazer uma distância cada vez maior entre os dominantes e seus subordinados. Nas sociedades do paleolítico e do início do neolítico, aquele que se impunha pessoalmente como chefe do bando, do clã ou da tribo, seria quase sempre um homem forte e respeitado pela sua coragem e argúcia. 
Nas sociedades agrárias mais tardias, como no Egipto, a casta de sacerdotes dominava o poder, pondo e dispondo de monarcas divinizados. 
Irrompe, nas sociedades humanas, a partir de há cerca de oito mil anos, a religião organizada e de estado, um elemento decisivo de organização da sociedade. Nesta, o exercício do poder estava integrado na ordem cosmológica havendo, portanto, uma vinculação comum a esse poder, como emanado directamente da ordem divina. 
Só num período muito curto e recente a humanidade não esteve submetida a um poder patriarcal, autoritário, fortemente apoiado na religião. O restante, foi o período das sociedades pré-históricas (cerca de 300 mil anos), mais o longuíssimo período superior a 5 milhões de anos, em que os homininos se foram afastando do ancestral comum a estes e aos grandes símios. 
Claramente, isto mostra-nos que os comportamentos sociais têm uma profunda raiz na nossa história propriamente biológica. 
Também as formas de organização das sociedades humanas, ao longo da História e que antecederam a civilização contemporânea, mantiveram, de alguma forma, relação com este fundo comum da espécie.
Para inúmeras gerações, a questão central da vida não era a liberdade do individuo, mas a subsistência. O conseguir alimento suficiente para si e para os filhos, era a preocupação quase exclusiva de inúmeras gerações de homens e mulheres.  
A questão da submissão ao grupo ou gregarismo nasce dessa situação. 
Nunca foi fácil o ser humano ou hominino sobreviver. Nos primeiros milhões de anos, os homininos tinham de contentar-se com o que os grandes carnívoros deixavam das carcaças das prezas mortas por eles. 
Existem muitas indicações de que a humanidade (e as formas que a antecedem) vivia na carência ou no limiar desta, além de que eram muito mais frequentemente presas do que predadores: não faltam evidências disso, desde marcas de dentes de grandes carnívoros nos ossos fossilizados de homininos, até às composições isotópicas dos dentes, que nos dão uma ideia da composição da sua dieta. As estimativas da densidade populacional, correlacionadas com a abundância ou escassez de alimento, mostram uma humanidade no limiar da fome em vastos períodos históricos. 
Tem de compreender-se então o gregarismo como uma tendência forte, no ramo da evolução animal ao qual pertencemos. Forte, no sentido de ter havido muitas forças societais que favoreceram este comportamento, que até o reforçaram com dispositivos sociais (as castas, as classes, as ordens...) numa superestrutura ideológica.  Mas, as coisas são muito mais complexas, pois em simultâneo, surgem forças que se exercem no sentido contrário. Estou a referir-me à plasticidade do comportamento humano, que alguns assimilam ao livre-arbítrio, mas que - afinal - se pode resumir à capacidade de autodeterminação do indivíduo, em relação ao grupo no qual está inserido. Esta liberdade face ao grupo, obviamente, tem mais oportunidade de se exprimir e desenvolver numa sociedade onde exista uma certa abundância, ou onde os indivíduos não estejam tão constrangidos, tão dependentes do entorno social, para a sua simples subsistência. 
Os ideólogos do individualismo colocaram as liberdades e garantias individuais como direitos inerentes e inalienáveis de todos os humanos, claramente acima de quaisquer direitos de grupos. 
Os direitos humanos foram assim entendidos como coisa absoluta, independente das sociedades. Nalguns filósofos, foram tidos como independentes da contribuição dos indivíduos para as mesmas sociedades.
Porém, pouco tempo depois, a partir da segunda década do século XX, desenvolveram-se regimes totalitários, como o nazismo e o bolchevismo, em que o indivíduo era subordinado ao Estado todo-poderoso.  
As guerras e enormes destruições ocorridas conduziram ao Direito Internacional, aos princípios da ONU, à sua Carta e Convenções, aos organismos supranacionais. Infelizmente, todo o edifício está fortemente posto em causa pela própria utilização abusiva dos poderes dominantes, que violam impunemente esta legalidade internacional. 
O gregarismo é um mecanismo biológico e não adianta muito contrariá-lo. Mas, deve-se compreender que a manipulação deste gregarismo, que está na nossa biologia, é um dos ingredientes da propaganda ou das «relações públicas». Esta manipulação está integrada no âmago das nossas sociedades, condicionando de forma inevitável praticamente todas as pessoas. 
Através de mecanismos psicológicos infundem a ilusão nas pessoas de uma liberdade no consumo, na política, na religião, etc. Isto consiste, claro, num processo hábil de neutralizar as salvaguardas racionais e a verdadeira autonomia dos indivíduos, sem que estes tomem consciência disso. 
A questão da propaganda (ou «public relations») na sociedade contemporânea será tratada, em pormenor, na parte seguinte.   

[parte IV]                          

Na parte III desta série, propunha que nos debruçássemos sobre a questão da propaganda ou das relações públicas (PR = public relations), em conexão com o gregarismo; este foi seu fio condutor. 
Agora, na parte IV, é tempo de aprofundar o que afinal liga esse mecanismo largamente endógeno, o gregarismo, com algo que é - para todos os efeitos  - uma construção das sociedades.
A teoria da propaganda ou das «relações públicas» foi fundada e desenvolvida por Edward Bernays, um sobrinho de Sigmund Freud, mas depois dele um grande número de especialistas - psicólogos, sociólogos, etc. - foram acrescentando e refinando os conceitos. Se esta teoria foi inovadora no seu tempo (primeiras décadas do século vinte), ela não é mais do que a versão banal dos achados de Freud sobre o inconsciente, sobre as pulsões, enfim sobre a psicologia das profundezas, e a sua aplicação ao homem e mulher comuns, ao cidadão que cruzamos no quotidiano, com o objectivo de induzir um comportamento, que pode ser de consumir algo, mas também pode ter a ver com a escolha política ou outra. 
Noutro escrito detalhei bastante este aspecto, pelo que evitarei aqui repetir-me: o leitor poderá reportar-se ao artigo aqui, deste blog.
O que me interessa agora detalhar estas técnicas como meios de manipulação, que fazem com que as pessoas adoptem, em aparência, atitudes e mesmo valores que pensam ser próprios, resultantes de sua escolha, quando - na verdade - são induzidos e resultantes de um condicionamento. 
Qual a relação isto tem com a manipulação? 
Penso que tem tudo a ver, pois «manipulação» deve ser o termo apropriado para indução de certos comportamentos ou ideias, sem que haja consciência disso. 
Logicamente, os métodos abertamente autoritários, repressivos, estão excluídos da minha definição, embora, mesmo nestes sistemas políticos, os poderes possam recorrer à manipulação, para que as populações adoptem determinado padrão de comportamento. 
Neste caso, porém, existe uma secreta, mas real, consciência por parte de certo número de indivíduos dominados, de que tais comportamentos estão a ser forçados sobre eles, mesmo que eles não possam exprimi-lo. 
Mas, a propaganda ou o «public relations» consiste em algo muito diferente, pois as pessoas são levadas à ilusão de que escolhem fazer isto ou aquilo, que a sua escolha da máquina de lavar roupa é inteiramente racional, ou é inteiramente baseada numa avaliação que elas próprias fazem das suas características, como produto... Este exemplo é um bocado simplista, mas é intencional; mesmo nas questões mais subtis, afinal de contas, a propaganda infiltra-se, fazendo as pessoas acreditar que estão a raciocinar por elas próprias. Por exemplo, se lhes dão notícias que pintam a realidade de determinada maneira, só uma minoria consegue compreender um escrito ou discurso que venha negar a narrativa habitual e desmascarar os parâmetros «normais» daquelas notícias. Desta minoria, um número ainda menor estará capaz de ter outra forma global de encarar a política, sociologia ou economia. 
Igualmente, a chamada Educação tem muito mais de doutrinação, de amestrar, do que de educação, no sentido humanista de fornecer instrumentos de autonomia, de raciocínio crítico, de capacidade de ver o mundo social e natural pelos seus próprios olhos. 
Mas, por que razão isso resulta? Porque razão resulta a publicidade? Por que razão resulta a propaganda política e ideológica? ... ou qualquer outra forma de incutir modos de pensar alheios ao indivíduo?
A resposta a esta interrogação tem necessariamente de passar por vários planos:
- Em primeiro lugar, passa pelo mecanismo da auto ilusão. O eleitor, o adepto deste ou daquele, gosta de ouvir as suas «próprias» ideias, nos discursos, notícias, aquilo que reforça a sua convicção, a sua visão do mundo, a sua escolha pessoal, em todos os campos. Assim, terá tendência a aplaudir e a mobilizar-se por candidatos que apelem para esses mesmos valores ou ideias, que os reforcem, que os coloquem de maneira forte, enérgica, ao nível do discurso. 
Terão mais votos, os candidatos que tiverem maior facilidade em produzir o discurso que agrada ao eleitor, não os que tenham realmente coisas importantes e originais a dizer, ou que tenham verdadeiras soluções para os problemas, admitindo que esses candidatos existam.
A «escolha» tende a ser inteiramente emotiva, baseada na impressão que tal ou tal candidato causa, junto do eleitor, não havendo relação nenhuma com o conteúdo concreto do discurso ou prática. 
Se analisar os discursos eleitorais em várias décadas, verá que os conteúdos se tornam cada vez mais banais, mais insípidos de ideias, mais abrangentes, de forma a agradar a «gregos e troianos», com o tempo. Notará também que esta tendência se verifica em todos os partidos e correntes políticas que concorrem aos actos eleitorais.  
Podia-se também verificar um processo análogo com o fetichismo da mercadoria: por exemplo, o consumo de luxo, de prestígio, teria a virtude mágica de colocar o consumidor entre a «elite» dos «muito ricos» e «superiores», visto que assinalaria o «status» de excepção do mesmo consumidor. Para outra categoria de produtos a sua utilização daria, ou restituiria, a juventude, o charme, o «sex-appeal», etc...
O mecanismo da auto ilusão é muito forte. Podem muitas pessoas auto-convencer-se das coisas mais extravagantes, desde a sua aparência física (naturalmente, a sua beleza é vista pelos próprios olhos...), aos seus dons intelectuais ou morais. 
Outro aspecto importante, é o que se prende com a pressão grupal ou - dito de outro modo - com a pressão de conformidade ao grupo, relacionado com o gregarismo.
Nos adolescentes, em particular, é comum observar-se sua colagem com uma norma geracional implícita... para serem aceites dentro do grupo, da sua faixa etária. Esta forma de coação social pode ser benigna, no melhor dos casos, resumindo-se ao uso de determinada indumentária, de certas expressões na linguagem, de gostar de determinadas músicas, etc. Mas, também pode ter aspectos muito menos anódinos, que passam pela criminalidade de grupos, ou gangs, pela sistemática utilização do interdito, do socialmente condenado, do vandalismo, do uso de drogas, da utilização de motas e motociclos de forma perigosa (para os próprios e os outros), etc. Tudo isto, para afirmarem, ou serem aceites, ou manterem, uma dada posição (hierárquica) dentro do grupo...
A tendência para o gregarismo é muito forte. Os psicólogos e sociólogos, ao serviço do sistema, sabem manipular os sentimentos das «massas» no sentido delas adoptarem este ou aquele padrão de comportamento. 
Ninguém, ou quase, gosta de sentir-se excluído do convívio com os seus semelhantes. O medo da exclusão, de ser apontado a dedo, inibe muitas pessoas de tomar certas atitudes, de fazer as coisas de acordo com sua consciência, por causa desse receio. É, portanto, uma força de coação social e psicológica muito importante. O esforço para uma pessoa se libertar de tal complexo, não é algo que se observe correntemente. A conformidade, para não dizer o conformismo, é a norma.
As pessoas são induzidas a conformar-se com a norma, «adaptando-se», quer na escola, quer na empresa, a essa norma, mesmo a mais absurda ou contra-produtiva. Os críticos são vistos, no melhor dos casos, como maçadores… nos piores, como loucos ou subversivos.

 A sociedade tem mais tendência para reforçar comportamentos gregários (ficar dentro do rebanho), do que encorajar a inovação, a criatividade, a procura de novas formas de abordar as questões. 
O conservatismo das sociedades permitiu que - nas eras remotas, em que, de geração em geração, a vida era perfeitamente semelhante - houvesse um máximo de estabilidade. 
Mas, agora, nas sociedades sacudidas pelo caos, onde nem nos podemos inteirar, quanto menos adaptar, aos efeitos das inúmeras mudanças, a educação conformista, autoritária e repressiva, surge como um anacronismo, como factor de regressão. 
Não admira que a educação, enquanto instituição, esteja em crise profunda e que não haja muita gente, dentro do sistema, capaz de tomar um recuo e perceber quais as causas profundas das disfunções. Este fenómeno ocorre de forma mais ou menos intensa, ou dramática, consoante os países, mas está patente em todas as sociedades.
Diria que a educação é a questão nº1, mas não o digo no sentido de preconizar a «enésima reforma do ensino». Acho que é hoje a questão pior tratada, de todas as questões, nos discursos políticos ou pseudo filosóficos, que se possam ouvir ou ler. Nos dias de hoje, a crise da educação é varrida para debaixo do tapete, é um claro caso de denegação. 
Como este problema é particularmente importante, a meu ver, merece que nos debrucemos sobre ele no próximo escrito (parte V), pois está no cerne de problemas sociais e das repercussões nos indivíduos contemporâneos. 

[parte V]
                         
Nos capítulos anteriores vimos alguns dos métodos que permitem ao sistema de escravidão contemporâneo se apoderar das alavancas fundamentais das sociedades e - a pouco e pouco - ir controlando os indivíduos. Poderia insistir e desenvolver, detalhando os métodos de controlo social que estão despontando, com muita eficácia, em países muito diversos. Mas esta sequência de escritos propõe-se ser, antes de tudo, um roteiro para escapar da matrix ou labirinto... 
Trata-se de uma afirmação arrojada, pois não pode haver duas situações iguais, quaisquer duas pessoas são diferentes, neste mundo; cada qual terá de construir a sua escada metafórica, para se evadir da ilusão, da falsa realidade que o cerca e lhe faz andar sempre, em infindável caminhar, pelos corredores do labirinto, sem jamais vislumbrar a saída do mesmo. 
No entanto, creio que se nos centrarmos naquilo que é efectivamente idêntico no ser humano, por muito que cada um de nós seja único, podemos chegar a algum lado, podemos encontrar o fio de Ariadne que nos permita sair do Labirinto.
As necessidades básicas têm de ser satisfeitas, será esse o primeiro nível de auto-transformação. O reconhecimento de que o equilíbrio de todo o ser passa por uma alimentação, um estilo de vida, uma regularidade nas horas de repouso e sono, uma harmonia essencial do indivíduo consigo próprio, que se vai traduzir também por maior harmonia com a Natureza e com tudo aquilo que o cerca.
Uma disciplina adequada ao nosso próprio ser, levada a cabo no longo prazo, tem de ser interiorizada por convicção profunda, não por mera atitude de entusiasmo momentâneo. Pois, se o nosso ego se sobrepõe ao verdadeiro eu, comandando e dominando todos os aspectos da nossa vida (hoje em dia, isso é muito mais frequente do que se pensa), não haverá possibilidade de um indivíduo sair da matrix. Note-se que a matrix é completamente interiorizada por nós próprios. É assumindo os seus parâmetros inconscientemente, devido à nossa persistente adesão ao seu mundo falso, ilusório, que estamos encerrados nela. 
A matrix é (... ou tornou-se parte de ... ) o nosso ego.
No segundo nível, corresponde ao acordar para o facto de que as realidades que nos cercam, não são tão poderosas como parecem. De novo, estamos muitas vezes condicionados a imaginar coisas - geralmente inibitórias - sobre a realidade social que nos cerca, sobre os outros. A realidade do entorno social, o seu funcionamento, é como uma meta-linguagem, tem de ser compreendida, para ser desencriptada. Enquanto linguagem, tem uma gramática e uma sintaxe próprias. Quem está atento e consciente desta realidade básica, não poderá ser apanhado de surpresa, nem ficar indefeso, porque está desperto e atento a todos os sinais que vêm do entorno, dando-lhes uma «leitura» adequada. 
A leitura do real, analogamente à linguagem, é como quando analisamos a fundo um texto: não olhamos para as palavras isoladamente. Vemos as relações entre elas, avaliamos a importância relativa das mesmas, na estrutura do texto. Sublinhamos as palavras-chave, as que nos dão a chave para a compreensão global do texto em análise. Este modo de proceder, aplicado ao entorno social, não se aprende senão com muita experiência, com ensaios e erros. Mas, podemos acelerar muito a auto-aprendizagem, caso desejemos realmente nos emancipar, não da sociedade em si mesma, mas de nossa relação de submissão doentia aos  que a dominam.
O conhecimento verdadeiro de si próprio e da sociedade leva-nos à consciência das múltiplas instâncias em que nos auto-condicionamos e em que somos condicionados.  Tais mecanismos não são, em si mesmos, benéficos ou maléficos. Os indivíduos que já alcançaram aquele patamar de consciência, irão instituir - para si próprios - determinados condicionamentos e anular, ou neutralizar, outros. 
Os condicionamentos exteriores são poderosos, se adoptados e interiorizados inconscientemente. Porque, a partir desse momento, levam o indivíduo, sem que ele se aperceba, a adoptar automatismos, a ter respostas estereotipadas no seu comportamento em sociedade.  Penso que a maior parte, senão todos, os condicionamentos escravizantes, têm origem  na sociedade. Eles foram «naturalizados» de forma inconsciente, ao ponto de parecerem fazer parte de nós próprios. 
A verdadeira educação é sobretudo uma auto-educação. É uma educação da vontade, da capacidade de dirigir o barco do nosso ser... Aliás, a palavra «cibernética» deriva daí, na sua raiz grega: a palavra cibernética em grego, designa  o saber ou a ciência daquele que está ao leme dum navio. Por outras palavras, a nossa autonomia consiste na auto-condução do nosso ser pelos mares da vida.   
A falsa educação, que nos é imposta por anos e anos de condicionamento na escola, na família, na igreja, etc, tende a suprimir qualquer aspiração a exercitar nossa potencialidade cibernética.
O condicionamento skineriano ou pavloviano utiliza técnicas de amestramento, recorrendo à recompensa e à punição. Pode acontecer sem que as pessoas que protagonizam este amestrar tenham plena consciência do que estão a fazer. Elas estão convencidas de que isso é «educação» e de que o fazem «para o bem» da criança ou jovem.
Como poderá imaginar, não faria sentido nenhum eu propor-lhe um comportamento, seja ele qual for, pois somente o leitor/a está em condições de avaliar o seu próprio estado, a sua situação.
Sugiro apenas uma metodologia geral que lhe permita deslindar os problemas que tem encontrado na sua vida pessoal: 
- Procurar ver os próprios fracassos sem contemplações, mas compreender o que está na sua origem. 
- Ter clara noção do poder que está encerrado em cada um de nós, sem o hipertrofiar ou diminuir. 
- Avaliar as nossas qualidades, os nossos trunfos. A nossa avaliação deve ser realista e prudentemente optimista. 
- Devemos assumir o papel de «mestres» de nós próprios. 

A postura correcta face aos outros, face à sociedade, também se aprende e se aperfeiçoa.  Imagine-se um guerreiro com um escudo e uma lança: O escudo simboliza as tácticas defensivas e a lança, as ofensivas (ou contra-ofensivas). Para que seja bem sucedido num combate (imaginário), ele terá de guardar a boa distância, a que permite proteger-se dos golpes do adversário, mas conservando a capacidade de desferir - ele próprio - um golpe.
Esta analogia deve ser interpretada, não como algo bélico, mas como metáfora...O combate pode ser uma troca amistosa, uma relação amorosa, etc... Não fiquemos demasiado presos pelas palavras.
 Para que a vida não seja uma luta incessante e inglória, a postura de que falei acima não chega. Tem de ser complementada com outra, a qual se traduz no mais profundo Mandamento que existe.
Ele é reconhecido e ensinado, desde tempos imemoriais, em todos os povos, em todas as regiões. Pode-se formular do seguinte modo:
«Trata o outro, como queres que te tratem a ti próprio».
Isto significa o reconhecimento de uma série de coisas: 
- a igualdade humana (em dignidade);
- a necessidade de ver o outro (sairmos da nossa redoma, do nosso egoísmo);
- a troca igual, a ajuda mútua, a sociedade baseada na entre-ajuda... 
Deste mandamento extrai-se um sem fim de corolários.

Estou convicto de que é retomando este fio condutor, que podemos, colectivamente, ser felizes, pois a felicidade está absolutamente ligada ao bem-estar dos outros, ao estado de harmonia da sociedade que nos rodeia. É impossível ser-se feliz no meio da infelicidade, no meio da desgraça...  


Nesta série de textos «ROTEIRO PARA ESCAPAR DA MATRIX», preconizo o conhecimento para o auto-governo (autonomia), assim como o conhecimento do entorno (a ecologia social), a capacidade de avaliar a situação em que nos encontramos, do modo mais objectivo possível, a firme decisão de sermos mestres de nós próprios, o que não implica rejeitar o que nos vem de fora. 
O mundo exterior deve ser visto como algo que nos enriquece, como fonte, não só de informação, mas de aprendizagem. 
Mas, tanto no plano individual como social, devemos ter como finalidade ética o que é realmente elevado...
Pois, não se trata de nos colocarmos acima dos outros, mas de adoptarmos o princípio da reciprocidade, como base das relações pessoais. Este princípio pode e deve estender-se a toda a sociedade humana: quanto mais for praticado, numa dada sociedade, mais essa sociedade estará próxima dos ideais de equidade, respeito, justiça. Portanto, estará proporcionando as melhores condições para a felicidade dos indivíduos. 


quinta-feira, 31 de outubro de 2019

JOHN W. WHITEHEAD - CUIDADO COM O MAL NO NOSSO MEIO

                                      http://www.informationclearinghouse.info/52480.htm

RETIRADO DE https://nowarnonato.blogspot.com/


                                                  
Outubro 29, 2019

“Vêm-nos na rua. Observam-nos na TV. Podem até votar num deles, neste Outono. Vocês consideram que são pessoas como vós. Estão errados. Completamente errados. ”
- They Live (Eles Vivem)


Estamos a viver em dois mundos, vocês e eu.
Existe o mundo que vemos (ou que somos feitos para ver) e, a seguir, há aquele que sentimos (e, ocasionalmente, vislumbramos), o último dos quais é completamente diferente da realidade impulsionada pela propaganda fabricada pelo governo e pelos seus patrocinadores corporativos/empresariais, incluindo a comunicação mediática.
De facto, o que a maioria dos americanos percebe como vida - privilegiada, progressista e livre - nos Estados Unidos, está muito longe da realidade, onde a desigualdade económica está a aumentar, as agendas verdadeiras e o poder incontestável estão enterrados sob camadas de linguagem orwelliana incompreensível e de obscurecimento corporativo indecifrável e a “liberdade” tal como ela é, é administrada em pequenas doses de acordo com a lei, pela polícia militarizada e armada até aos dentes.
Nem tudo é o que parece.
Este é o argumento do filme They Live, de John Carpenter, lançado há mais de 30 anos e permanece, irritante e assustadoramente apropriado, para a nossa era moderna.
Mais conhecido pelo seu filme de terror Halloween, que assume que existe uma forma do mal tão sombria que não pode ser morta, a produção total de Carpenter está imbuída de uma forte inclinação lacónica anti-autoritária, anti-establishment, que fala das preocupações do cineasta sobre o desenrolar da nossa sociedade e, particularmente, do nosso governo.
Carpenter retrata, frequentemente, o governo a agir contra os seus próprios cidadãos, uma população fora de contacto com a realidade, com a tecnologia descontrolada e perigosa e um futuro mais horrível do que qualquer filme de terror.
Em Escape from New York, Carpenter apresenta o fascismo como o futuro da América.
Em The Thing, uma reconstituição do clássico de ficção científica de 1951 do mesmo nome, Carpenter pressupõe que, cada vez mais, todos nós estamos a desumanizar-nos.
Em Christine, o filme da adaptação da novela de Stephen King sobre um carro possuído pelo demónio, a tecnologia exibe vontade e consciência próprias e entra numa violência assassina.
Em The Mouth of Madness, Carpenter observa que o mal cresce quando as pessoas perdem “a capacidade de reconhecer a diferença entre a realidade e a fantasia”.
E depois existe o They Live de Carpenter, no qual dois trabalhadores migrantes descobrem que o mundo não é o que parece. De facto, a população está a ser controlada e explorada por estrangeiros que trabalham em parceria com uma elite oligárquica. Habitualmente, a população - felizmente inconsciente da verdadeira programação em acção nas suas vidas - tem sido embalada com suavidade, doutrinada em conformidade, bombardeada com distracções da comunicação mediática e hipnotizada através de mensagens subliminares transmitidas pela televisão e por vários dispositivos electrónicos, bem como através de cartazes de propaganda em lugares públicos e dispositivos semelhantes.
Somente quando o vagabundo sem abrigo, John Nada (interpretado ao extremo pelo falecido Roddy Piper) descobre um par de óculos de sol sofisticados - lentes Hoffman – é que Nada vê o que está por trás da realidade fabricada pela elite: o controlo e a escravidão.
Quando vista através das lentes da verdade, a elite, que parece humana até ser despida dos seus disfarces, mostra serem monstros que escravizaram os cidadãos para atacá-los.
Da mesma forma, cartazes de propaganda em lugares públicos emitem mensagens ocultas e que exprimem autoridade: uma mulher de biquíni num anúncio está realmente a exigir que os espectadores “CASEM E REPRODUZAM”. As prateleiras das revistas gritam “CONSUMAM” e “OBEDEÇAM”. Um maço de notas de dólar nas mãos de um vendedor proclama, “ESTE É O VOSSO DEUS.”
Quando vistas através das lentes , de John Nada, algumas das outras mensagens ocultas a ser marteladas no subconsciente das pessoas incluem: NÃO TENHAM NENHUM PENSAMENTO INDEPENDENTE, CONFORMEM-SE, SUBMETAM-SE, PERMANEÇAM ADORMECIDOS, COMPREM, VEJAM TV, NÃO USEM A IMAGINAÇÃO e NÃO QUESTIONEM A AUTORIDADE.

Esta campanha de doutrinação projectada pela elite em They Live, é dolorosamente familiar para quem estudou o declínio da cultura americana.
Os cidadãos que não pensam por si mesmo, obedecem sem questionar, são submissos, não desafiam a autoridade, não pensam de maneira inovadora e que se contentam em sentar-se e divertir-se, são cidadãos que podem ser facilmente controlados.
Desta maneira, a mensagem subtil de They Live fornece uma analogia adequada da nossa própria visão distorcida da vida no Estado Polícia americano, ao que o filósofo Slavoj Žižek se refere como ditadura em democracia, “a ordem invisível que apoia a vossa liberdade aparente”.
Estamos a ser alimentados com uma série de ficções cuidadosamente planeadas que não têm nenhuma semelhança com a realidade.
Os que detêm o poder querem que nos sintamos ameaçados por forças fora do nosso controlo (terroristas, atiradores, bombistas).
Eles querem que tenhamos medo e dependamos do governo e dos seus exércitos militarizados para a nossa segurança e bem-estar.
Eles querem que desconfiemos uns dos outros, divididos pelos nossos preconceitos e prontos para apertar as gargantas uns dos outros.
Acima de tudo, eles querem que continuemos a marchar juntos, progredindo exactamente à mesma velocidade e na mesma direcção, especialmente, de acordo com as suas regras.
Afastem as tentativas do governo para nos distrair, desviar e para nos confundir e sintonizar com o que realmente está a acontecer neste país, e irão defrontar-se com uma verdade inconfundível e desagradável: a elite endinheirada que nos governa, consideram-nos recursos dispensáveis a serem usados, abusados e descartados.
De facto, um estudo realizado pela Universidade de Princeton e Northwestern concluiu que o governo dos EUA não representa a maioria dos cidadãos americanos. Pelo contrário, o estudo descobriu que o governo é chefiado pelos ricos e poderosos, a chamada “elite económica”. Além do mais, os pesquisadores concluíram que as políticas adoptadas por essa elite governamental quase sempre favorece interesses especiais e grupos de lobby.
Por outras palavras, estamos a ser governados por uma oligarquia disfarçada de democracia e, sem dúvida, a caminho do fascismo - uma forma de governo onde governam os interesses corporativos privados, o dinheiro controla e comanda e as pessoas são vistas como meros sujeitos para serem controlados.
Não precisa apenas de ser rico - ou ser fiel aos ricos - para ser eleito hoje em dia, mas ser eleito também é uma maneira infalível de ficar rico. Como relata a CBS News: “Uma vez no cargo, os membros do Congresso desfrutam de acesso a ligações e informações que podem usar para aumentar a sua riqueza, de maneiras sem paralelo no sector privado. E quando os políticos deixam o cargo, as suas ligações permitem-lhes lucrar ainda mais.”
Ao denunciar esta corrupção flagrante do sistema político americano, o antigo Presidente Jimmy Carter criticou o processo de ser eleito - para a Casa Branca, para a mansão do governador, para o Congresso ou para as legislaturas estaduais - como "suborno político ilimitado ... uma corrupção do nosso sistema político como recompensa/”LUVAS” aos principais contribuintes, que querem e esperam e às vezes recebem, favores para si mesmos quando as eleição acabarem.”
Tenham a certeza de que, quando e se o fascismo finalmente se firmar na América, as formas básicas de governo permanecerão: o fascismo irá aparentar ser amigável. Os legisladores estarão em sessão. Haverá eleições e a comunicação mediática continuará a avalizar o entretenimento e as banalidades políticas. No entanto, o consentimento dos governados não será imprescindível. O controlo real terá passado, finalmente, para a elite oligárquica, que controla o governo nos bastidores.
Soa familiar?
É claro que agora somos governados por uma elite oligárquica de interesses governamentais e corporativos.
Mudamos para o “corporativismo” (preferido por Benito Mussolini), que é um ponto intermediário no caminho para o fascismo completo.
O corporativismo é onde os poucos interesses monetários - não eleitos pelos cidadãos - governam sobre muitos. Dessa forma, não é uma democracia ou uma forma republicana de governo, que é o que o governo americano foi estabelecido para ser. É uma forma de governo de cima para baixo e uma história aterradora, tipificada pelos desenvolvimentos ocorridos nos regimes totalitários do passado: Estados Polícias onde todos são observados e espiados, detidos por infracções menores pelos agentes do governo e colocados sob controlo da polícia e colocados em campos de detenção (também conhecidos como campos de concentração).
Para que o martelo final do fascismo caia, será necessário o ingrediente mais crucial: a maioria das pessoas terá de concordar que não é apenas conveniente, mas que é necessário.
Mas por que razão um povo concordaria com um regime tão opressivo?
A resposta é a mesma em todas as épocas: o medo.
O medo é o método mais usado pelos políticos para aumentar o poder do governo. E, como a maioria dos comentaristas sociais reconhece, uma atmosfera de medo atravessa a América moderna: o medo do terrorismo, o medo da polícia, o medo dos nossos vizinhos etc.
A propaganda do medo tem sido usada com bastante eficiência por aqueles que querem obter controlo, e está a agir sobre a população americana.
Apesar de termos 17.600 vezes mais oportunidades de morrer de doenças cardíacas do que de um ataque terrorista; 11.000 vezes mais hipóteses de morrer de um acidente de avião do que de uma conspiração terrorista que envolva um avião; 1.048 vezes mais possibilidades de morrer de um acidente de carro do que de um ataque terrorista e 8 vezes mais probabilidades de ser morto por um polícia do que por um terrorista, entregamos o controlo das nossas vidas aos oficiais do governo que nos tratam como um meio para atingir um fim - a fonte do dinheiro do poder.
Como adverte o homem de barba em They Live: “Eles estão a desmantelar a classe média adormecida. Cada vez há mais pessoas que estão a ficar pobres. Nós somos o gado deles. Estamos a ser criados para a escravidão.”
A este respeito, não somos muito diferentes dos cidadãos oprimidos em They Live.
Desde o momento em que nascemos até que morremos, somos doutrinados para acreditar que aqueles que nos governam o fazem para o nosso próprio bem. A verdade é completamente diferente.
Apesar da verdade nos confrontar, cara a cara, permitimos que nos tornassem zombies medrosos, controlados e pacificados.
Vivemos num estado perpétuo de negação, isolados da dolorosa realidade do Estado Polícia americano por notícias de entretenimento em telas de parede a parede e pelas televisões.
Hoje em dia, quase todos ficam de cabeça baixa enquanto olham obcecados, como zombies, para o visor dos seus telemóveis/celulares, mesmo quando estão a atravessar a rua. As famílias sentam-se nos restaurantes com a cabeça baixa, separadas pelos seus telemóveis e desconhecem o que está a acontecer à sua volta. Os jovens parecem especialmente dominados pelos dispositivos que seguram nas mãos, alheios ao facto de que podem, simplesmente, apertar um botão, desligar a coisa e ir embora.
De facto, não há actividade em grupo maior do que aquela ligada àqueles que assistem a telas - ou seja, televisão, computadores portáteis, computadores pessoais, telefones celulares, etc. Na verdade, um estudo da Nielsen relata que a visualização americana em tela está ao nível mais alto de todos os tempos. Por exemplo, o americano médio assiste aproximadamente 151 horas de televisão por mês.
É claro, a questão é, que efeito é que esse consumo de tela tem na mente de alguém?
Psicologicamente, é semelhante à dependência de drogas. Os pesquisadores descobriram que “quase imediatamente após ligar a TV, os indivíduos relataram sentir-se mais descontraídos e, como isso ocorre muito rapidamente e a tensão regressa rapidamente após a TV ser desligada, as pessoas são condicionadas a associar a visualização da TV à ausência de tensão.”A pesquisa também mostra que, independentemente da programação, as ondas cerebrais dos espectadores diminuem a velocidade, transformando-as, assim, num estado mais passivo e sem resistência.
Historicamente, a televisão tem sido usada pelas autoridades para acalmar o descontentamento e pacificar pessoas problemáticas. “Perante o número excessivo de pessoas nesses locais e os orçamentos limitados para reabilitação e aconselhamento, cada vez mais, os funcionários prisionais estão a usar a TV para manter os presos calmos”, segundo a Newsweek.
Dado que a maioria do que os americanos assistem na televisão é fornecido por canais controlados por seis mega corporações, o que assistimos agora é controlado por uma elite corporativa e, se essa elite precisar promover um ponto de vista específico ou pacificar os seus espectadores, poderá fazê-lo em larga escala.
Se estamos a observar, não estamos a agir.
Os que detêm o poder compreendem esta afirmação. Como o jornalista de televisão, Edward R. Murrow, advertiu num discurso de 1958:
Actualmente, estamos ricos, gordos, confortáveis e tolerantes. Presentemente, temos uma alergia embutida a informações desagradáveis ou perturbadoras. Os nossos meios de comunicação mediática reflectem-no. Mas, a menos que reduzamos os nossos excedentes de gordura e reconheçamos que a televisão, em geral, está a ser usada para nos distrair, iludir, divertir e isolar-nos, então a televisão e aqueles que a financiam, aqueles que olham para ela e aqueles que trabalham nela, poderão ver uma imagem totalmente diferente demasiado tarde.
Quando tudo estiver dito e feito, o mundo do They Live não é tão diferente do nosso. Como um dos personagens salienta, “os pobres e a classe desfavorecida estão a aumentar. A justiça racial e os direitos humanos são inexistentes. Eles criaram uma sociedade repressiva e nós somos os seus cúmplices involuntários. A sua intenção de governar repousa na aniquilação da consciência. Fomos embalados num transe. Eles tornaram-nos indiferentes connosco e com os outros. Temos a nossa atenção concentrada apenas no nosso benefício.”
Também estamos focados apenas nos nossos próprios prazeres, preconceitos e benefícios. Os pobres e as classes desfavorecidas também estão a aumentar. A injustiça racial está a agigantar-se. Os direitos humanos são quase inexistentes. Fomos, igualmente, embalados num transe, indiferentes aos outros.
Alheios ao que temos pela frente, temos sido levados a acreditar que, se continuarmos a consumir, a obedecer e a ter fé, as coisas vão dar certo. Mas isso nunca aconteceu com regimes que começam a ganhar notoriedade. E quando sentirmos o martelo cair sobre nós, será tarde demais.
Então, onde isso nos deixa?
Os personagens que povoam os filmes de Carpenter fornecem algumas pistas.
Sob o seu machismo, eles ainda acreditam nos ideais de liberdade e igualdade de oportunidades. As suas crenças colocam-nos em constante oposição à lei e ao establishment, mas ainda assim são os guerreiros em prol da liberdade.
Quando, por exemplo, John Nada destrói o hipo-transmissor alienígena em They Live, restaura a esperança, dando aos Estados Unidos uma chamada de despertar para a liberdade.
Essa é a chave: precisamos de acordar.
Parem de se distrair facilmente com espectáculos políticos inúteis e prestem atenção ao que realmente está a acontecer no país.
A verdadeira batalha pelo controlo desta nação não está a ser travada entre republicanos e democratas nas urnas.
Como deixo claro no meu livro Battlefield America: The War on the American People, a verdadeira batalha pelo controlo desta nação está a acontecer nas estradas, nos carros da polícia, nas testemunhas, nas linhas telefónicas, nos departamentos governamentais, nos escritórios corporativos, nos corredores e nas salas de aula de escolas públicas, nos parques e nas reuniões da Câmara da capital e das vilas e cidades, em todo o país.
A verdadeira batalha entre a liberdade e a tirania está a ocorrer perante os nossos olhos, se os abrirmos.
Todas as armadilhas do Estado Polícia americano estão agora à vista.
Acorda, América.
Se eles vivem (os tiranos, os opressores, os invasores, os senhores), é apenas porque “nós, o povo” estamos a dormir.


Este artigo foi publicado originalmente em The Rutherford Institute.
Categoria: Free Society

Escrito por: John W. Whitehead


John W. Whitehead, advogado constitucional, autor, fundador e presidente do Instituto Rutherford. Pode ser contactado em johnw@rutherford.org. Este artigo é uma versão revisada de uma peça que apareceu originalmente no site do Rutherford Institute, www.rutherford.org, e é reimpresso com permissão.