Mostrar mensagens com a etiqueta Polifonia. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Polifonia. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 17 de outubro de 2025

GROUND em DÓ MENOR por William Croft



 Este Ground em Dó menor foi, durante muito tempo, atribuído a Henry Purcell. Recentemente, foi reconhecido que seu autor é William CroftMuitas pessoas aprenderam este «ground», como sendo de autoria do famoso Purcell. A peça - em si mesma - é uma pequena obra-prima, além de ser uma curiosidade da História da Música ocidental. 
Decidi escolhê-la para ilustrar a técnica de escrita musical conhecida como «a variação». 

No caso do Ground, trata-se de variações baseadas sobre um baixo repetitivo (Ostinato), sobre o qual o tema melódico é tratado de várias maneiras: A variação pode incidir sobre os aspectos melódico, rítmico ou modal.

Desde os inícios da polifonia (Séc. XII-XIII), que um dos processos mais usados na composição, é o da construção a partir de um baixo. Deste baixo, o compositor extraía a textura harmónica, ou seja, a sequência de acordes. A partir do baixo e da voz mais aguda - portadora, em geral, da melodia - procedia-se ao «enchimento», ou seja, compunham-se as vozes intermédias. Estas deslocavam-se em movimento paralelo ou contrário ao da melodia. Esta «receita» para a construção duma peça musical tornou-se muito utilizada desde a época renascentista e dominou a escrita musical no Barroco. Note-se que muitas peças onde não figura explicitamente o termo «variação» no título, são - apesar disso - construídas sobre o referido princípio.

Na música posterior, seja ela Clássica, Romântica, Pós-romântica ou Contemporânea, continuou a ser aplicado o princípio da variação, em múltiplas peças vocais e instrumentais. 


------------------------

- EXEMPLOS DE OBRAS BASEADAS NO PRINCÍPIO DA VARIAÇÃO:


AS FOLIAS, DO FOLCLORE AOS MEIOS ARISTOCRÁTICOS


Ária com variações, dita «A Frescobaldina»


FANDANGO- FLAMENCO - FOLIA - PASACALLES - CHACONA 


 Louis Couperin, «Pasacalle em sol menor»






segunda-feira, 2 de setembro de 2024

GUILLAUME DUFAY e a polifonia da Escola FRANCO-FLAMENGA (Segundas-f. musicais nº15)


                           Retrato de Guillaume Dufay 

Guillaume Dufay (c. 1397-1474) foi uma figura crucial no forjar das técnicas da polifonia. As obras de Dufay e dos outros mestres franco-flamengos estabeleceram o «idioma-base» de todo o Renascimento, nos séculos XV, XVI e XVII.

Um procedimento muito usual na época, era basear uma peça comprida e com várias secções, num «Cantus Firmus», ou seja, numa linha melódica que servia de base, sustentando as outras vozes. 

O Cantus Firmus podia estar presente na voz do tenor, ou do baixo. As suas notas forneciam uma base harmónica à estrutura polifónica.  

A melodia do Cantus Firmus podia ser extraída do cantochão (canto gregoriano). Mas, com muita frequência, também eram usadas canções profanas, como é o caso de «Si la face ay pale». Em ambos os casos, desempenhavam um papel unificador de todas as  partes da missa.

[Pode-se ter acesso às partituras contendo a Missa «Se la face ay pale» e outras peças musicais atribuídas  a Guillaume Dufay, na «Opera Omnia» compilada por Alejandro Enrique Planchart. A missa em análise, encontra-se no pdf seguinte: https://www.diamm.ac.uk/documents/184/04_Du_Fay_Missa_Se_la_face_ay_pale.pdf ]

(Abaixo, a letra da canção, em francês arcaico, com as expressões em francês moderno, ao lado)

  Se la face ay pale

I

Se la face ay pale      (si j'ai le visage pâle)

La cause est daymez (d'aimer)

C'est la principale

Et tant m'est amer      (et il m'est tant amer

Amer qu'en la mer       d'aimer qu'en la mer

Me voudroye voir;        je voudrais me voir)

Or scet bien de voir    (c'est bien de voir )

La Belle a qui suis      (la belle à qui j'appartiens)

Que nul bien avoir      (je ne peux avoir

Sans elle ne puis         aucun bien sans elle)

 

II

 

Ce pesante malle        ((comme) cette pesante malle

De dueil a porter,        de deuil à porter)

Ceste amour est male (cet amour est difficile

Pour moy de porter;     pour moi à porter)

Car son deporter         (car son bon plaisir

Ne veult devouloir         veut qu'on n'obéisse

Fors qu'a son vouloir    qu'à sa volonté

Obeisse, et puis            et puisque telle

Qu'elle a tel vouloir,      est sa volonté,

Sans elle ne puis          sans elle je ne peux)

 

III

 

C'est la plus reale        (royale)

Qu'on puist regarder,   (que l'on puisse)

De s'amour leiale         (de son amour loyal)

Ne me puis guarder,    (je ne peux me garder)

Fol suis de agarder      (je suis fou d'attendre

Ne faire devoir              ni ne mérite

D'amour recevoir          de recevoir d'amour

Fors d'elle, je cuis ;      seulement d'elle, je crois

Se ne veil douloir         (si je ne veux pas souffrir,

Sans elle ne puis.        sans elle je ne peux)

 

- Os 'Warner classics' fornecem-nos uma gravação pelo 'Early Music Consort', de Londres. No vídeo abaixo, pode-se ouvir a obra profana composta por Dufay. Primeiro, o motete «Se la face ay pale» em versão vocal; em seguida, a versão para órgão, que se encontra no Buxheimer Orgelbuch(1):


                                       

A Missa «Se la face ay pale», executada pelo mesmo grupo, encontra-se reproduzida nos links abaixo:

       Kyrie  Gloria  Credo  Sanctus  Agnus Dei


A arte de Dufay e doutros mestres franco-flamengos é resplandecente. Podem considerar-se como iniciadores do renascimento musical, tanto em França, como na Flandres . A polifonia franco-flamenga tem a qualidade requintada das catedrais do gótico tardio da região e das delicadas iluminuras de van Eyck.
---------------------------------------
(1) NOTA:  No Renascimento, as glosas (ou seja, variações) sobre canções, fazem parte do reportório mais antigo, anotado em tablaturas, para o órgão e outros instrumentos de tecla. Em Portugal e Espanha abundam exemplos precoces de transcrições para instrumentos de tecla, de várias peças vocais profanas. Muitas delas eram chansons franco-flamengas.