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terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Les Corbeaux (Arthur Rimbaud / Léo Ferré)

Van Gogh, outro artista maldito, deixou-nos este «Campo de trigo sobrevoado por corvos»

Contrariamente a certas análises do poema, tenho ideia que Arthur Rimbaud se refere a uma derrota (da Guerra Franco-Prussiana, de 1870) para, indiretamente, invocar a morte da Comuna de Paris e a destruição do movimento operário («La défaite sans avenir»).
Certos críticos fazem a amálgama da derrota dos exércitos de Napoleão III em Sedan, com a «derrota» pessoal, resultante da indiferença ou hostilidade, que o jovem Athur Rimbaud teria encontrado em Paris, para onde se dirigiu a pé desde Arras (Norte da França), para se encontrar com poetas simbolistas que ele admirava. É verdade que o jovem sofreu um fiasco: os poetas mais em voga rejeitaram suas teorias de «desregramento dos sentidos», que ele preconizava como espécie de «via sacra» para obter a matéria-prima poética que iria florescer, mais tarde. Porém, ele não foi assim tão mal acolhido; devem tê-lo considerado um «garoto» que queria mostrar-se original.

            
   Detalhe de Quadro de Henry Fantin-Latour de 1872, com Verlaine e Rimbaud

Rimbaud era um jovem vagabundo, pobre. Ele esteve em contacto com jovens de classes populares, de costumes sexuais muito mais livres do que a burguesia da qual era oriundo, envolvendo-se em relações com tais filhos do povo. Ele assumiu-se como sendo um deles. Coloca-se claramente ao lado dos communards, dos operários que tomaram as armas em rebelião contra a capitulação vergonhosa dos políticos republicanos.
Mas, em 1872, a memória da Comuna de Paris de 1871 estava bem viva e, sobretudo, da «semana sangrenta», a repressão que se abateu sobre seus defensores, em Junho de 1871, com dezenas de milhares de mortes, decapitando o movimento social e político do proletariado francês. Como poderia ele publicar um poema em memória dos communards? - Impossível!
-Então, ele jogou na ambiguidade. Ele refere-se, de forma não muito explícita, aliás, à derrota do exército francês em 1870, os mortos de anteontem, mas fica implícito para alguém que conheça o contexto da época, que a derrota de ontem, a derrota «sem futuro», foi a da Comuna de Paris.
É muito original o modo como trata o exército de corvos, aqueles que anunciam/lembram o «dever»...Não lhes atribui qualificativos que tradicionalmente se atribuem aos corvos: Aves de «mau-agoiro», aves alimentando-se dos cadáveres após as batalhas, etc. Pelo contrário, os «chers corbeaux délicieux» são pintados como um exército, que progride ao longo das estradas e dos rios, dispersando-se pelos campos de França. Eles gritam, severos, enquanto esvoaçam por cima das cabeças dos peões: «soit donc le crieur du devoir» (sê pois o arauto do dever). A «nossa fúnebre ave negra», por quem estará ela de luto, a nossa ave? Penso que será pelos humildes, que foram esmagados, quer na guerra franco-prussiana, quer na repressão da Comuna de Paris, que lhe seguiu.
Ele pede, para os que ficaram presos (pour ceux qu'au fond du bois enchaîne), depois da derrota sem futuro (La défaite sans avenir), que Deus (Seigneur, é a primeira palavra do poema, portanto, trata-se de uma oração) lhes deixe as toutinegras de Maio (les fauvettes de Mai), símbolo da esperança e renovo da vida. O sentido geral é obscurecido intencionalmente, mas é possível decifrar a intenção de Rimbaud, em homenagear os caídos da Comuna. Não se pode esquecer que este poema foi escrutinado pela censura.

Léo Ferré compõe uma canção magnífica, em correspondência com o significado subjacente do poema de Arthur Rimbaud.

                                         


SEIGNEUR, quand froide est la prairie,
Quand, dans les hameaux abattus,
Les longs angélus se sont tus ...
Sur la nature défleurie
Faites s'abattre des grands cieux
Les chers corbeaux délicieux.

Armée étrange aux cris sévères,
Les vents froids attaquent vos nids !
Vous le long des fleuves jaunis,
Sur les routes aux vieux calvaires,
Sur les fossés et, sur les trous
Dispersez-vous, ralliez-vous !

Par milliers, sur les champs de France,
Où dorment des morts d'avant-hier,
Tournoyez, n'est-ce pas l'hiver,
Pour que chaque passant repense !
Sois donc le crieur du devoir,
Ô notre funèbre oiseau noir !

Mais, saints du ciel, en haut du chêne,.
Mât perdu dans le soir charmé,
Laissez les fauvettes de mai
Pour ceux qu'au fond du bois enchaîne,
Dans l'herbe d'où l'on ne peut fuir,
La défaite sans avenir.