https://www.youtube.com/watch?v=KrAwyzZwcMc
Desde a brutal e inconclusiva guerra da Coreia, os dois regimes - a Coreia do Norte e Coreia do Sul - viviam numa situação de tréguas instável.
A Coreia
do Norte evoluiu para um curioso regime totalitário de carácter
autárcico, uma «monarquia vermelha», com uma sucessão hereditária de líderes
carismáticos, até ao actual líder, Kim Jong Un.
A Coreia do Sul
viveu intensa repressão anti-comunista e anti-trabalhadores, tendo-se libertado
dos aspectos mais odiosos da repressão através de um levantamento popular, nos
anos oitenta. Mas o regime foi sempre oficialmente anti-comunista, totalmente
alinhado com os EUA, os quais tinham neste período - pelo menos, até há bem
pouco tempo - ditado qual deveria ser a atitude da Coreia do Sul, sua aliada
nominalmente, mas na verdade sua colónia. Os sessenta mil militares
estacionados permanentemente em diversas bases, dispunham de armamento
sofisticado de defesa e de ataque. Sabe-se que passaram por estas bases ogivas
nucleares americanas, sem que estes dessem conta aos políticos e militares do
regime do Sul.
Para a estratégia
dos EUA, a Coreia do Sul tem constituído uma peça-chave do seu
dispositivo. Com efeito, a existência daquele outro Estado arque-inimigo - a
Coreia do Norte- tem sido muito conveniente, como pretexto para manter forças
importantes em estado operacional permanente desde há vários decénios, não
apenas na Coreia do Sul, como também no Japão. Graças a este pretexto, os EUA
dispõem de meios de exercer chantagem militar sobre a China, ou Rússia, visto
poderem também alcançar com seus mísseis, o extremo oriente russo.
Depois do fim
oficial da «guerra fria» em 1991, com a dissolução da URSS e o desfazer-se do
Pacto de Varsóvia, o regime Norte-Coreano, arcaico e super-repressivo foi
mantido, não por milagre, mas porque todos os vizinhos encontravam aí algo a
ganhar.
A Coreia do Sul
tinha um inimigo cuja ameaça tornava indispensável que o «Tio Sam» ajudasse e
protegesse a «frágil democracia» do Sul, dos «constantes intentos subversivos»
dos «comunistas» do Norte.
Os Chineses,
possuíam um aliado incómodo, mas apreciavam a existência de um «tampão» entre
as suas fronteiras e os dispositivos militares dos EUA, em bases permanentes e
dotadas de todo o arsenal bélico, para atingir o território da R.P. da
China.
Os russos, tinham
os mesmos motivos que os Chineses, em relação ao papel da Coreia do Norte como
«Estado tampão».
Os japoneses
também tinham vantagem, pois assim conseguiam manter a protecção dos EUA. Além
disso viam com bons olhos que a Coreia do Sul, seu concorrente
industrial, continuasse a braços com este problema, obrigada a
desviar somas colossais dos recursos do Estado coreano para a defesa, incluindo
a manutenção dum exército em pé de guerra permanente, para enfrentar uma
hipotética invasão, ou qualquer provocação vinda do «irmão inimigo» do
Norte.
A abertura da
Coreia do Sul à R.P. da China, os laços de comércio (70% do Comércio
Sul-coreano é actualmente com a R. P. da China) e as políticas de boa
vizinhança, além da existência de um grande cansaço da população em geral e
mesmo de parte da oligarquia sul-coreana, perante este estado de guerra
suspenso «sem fim à vista», levou a que, no início do novo milénio, a liderança
de um presidente da «esquerda moderada» levasse a cabo a «Sunshine Policy» de
abertura à Coreia do Norte: através de pequenos passos, do levantamento de
certas restrições, da implantação de uma zona industrial na Coreia do Norte,
onde as empresas do Sul poderiam investir, aproveitando baixos salários e boas
condições de funcionamento garantidas pelo regime do Norte, etc. Esta política
foi posta em causa - embora não completamente - pelos governos conservadores
que lhe sucederam.
Apenas com este
novo presidente, Moon, as coisas se modificaram. Desta vez, os Jogos
Olímpicos de Inverno foram ocasião para uma grande operação de
«degelo» e de diplomacia desportiva, como todo o Mundo pode testemunhar. Os
contactos prosseguem actualmente.
As duas Coreias
finalmente dialogam entre elas, sem pedirem autorização a nenhum dos
«protectores». A presidência dos EUA, apesar de uma série de afirmações
deselegantes e provocatórias do seu vice-presidente, durante os jogos Olímpicos
de Inverno, viu-se na obrigação de apoiar o novo rumo das relações, segundo o
conhecido ditado «se não os podes derrotar, junta-te a eles».
Tudo isto vai
evoluir; de uma forma ou de outra, nada ficará como dantes.
O destino que o
regime Norte Coreano tiver, oxalá dependa apenas e somente da vontade dos seus
cidadãos. Não acredito que, face a uma maior abertura ao mundo, havendo uma
garantia de não-ingerência, o status quo permaneça intacto por muito
tempo.
Ocorreram outras
transições de regimes totalitários, «vermelhos» ou não: nada garante porém que,
no caso da Coreia do Norte, se caminhe para um maior respeito pelos direitos
humanos, pelos direitos de participação política na sua plenitude. Mas não
há dúvida que, no interior do próprio regime, se irão fazer ouvir vozes
clamando por mudança.
A minha natureza,
essencialmente optimista, em relação à espécie humana, faz-me crer
profundamente que os povos, quando deixam de estar sujeitos ao medo, encontram
naturalmente o caminho próprio para a felicidade.
A felicidade deles
também é a nossa, pois significa - não meramente em termos simbólicos -
que a página da «guerra fria», esse longo período de grave ameaça para a Paz
mundial, estará definitivamente virada.