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sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

OS PROVÉRBIOS

                     

Este célebre quadro de Brueghel o Velho, representa os «provérbios flamengos». Os especialistas conseguem identificar perto de uma centena, sendo certo que alguns estão ainda em vigor, enquanto muitos caíram em desuso. No entanto, esta magnífica representação de «sabedoria popular» atravessou séculos e surge aos olhos contemporâneos como uma fantástica «feira das vaidades», um puzzle visual de adivinhas e de saborosos momentos de humor. 

Esta pintura fez-me reflectir na «proverbial» e muito longa história da utilização de provérbios. Não seria inapropriado dar uma (nova) leitura ao «Livro dos Provérbios», da Bíblia; quanto mais não seja, porque a civilização ocidental mergulha suas raízes na Bíblia. 

Mas, aquilo que recentemente me chamou a atenção para os provérbios (e o seu uso imoderado) foi a leitura do Dom Quixote de Cervantes, que demasiado poucas pessoas leram na versão original (e deliciosa). Neste romance picaresco, Sancho Pança é posto a proferir catadupas de frases feitas e provérbios, a propósito e a despropósito, em várias situações. Ele é admoestado por D. Quixote, defensor de uma oratória sóbria, concisa, provavelmente reflectindo o gosto de seu genial criador, Miguel de Cervantes.

A chamada «sabedoria» das nações não me parece dever ser encerrada em frases feitas. Lá porque uma frase rima com outra, será que é apropriado juntá-las numa mesma expressão? 
Verlaine, na sua Arte Poética, não deixa de verberar a rima:
Quel enfant sourd ou quel nègre fou
Nous a forgé ce bijou d'un sou
Qui sonne creux et faux sous la lime ?» [*]

Aqui, em Portugal, há muita gente que diz coisas absolutamente banais, com ar profundo, recorrendo a provérbios, como se fossem expressões de sabedoria. A estes digo-lhes a sentença, que me parece bem apropriada: «a rima é mentirosa». 

Convido os que têm gosto pela erudição, a lerem o pequeno opúsculo, composto por Benjamin Péret e Paul Éluard, um livro de provérbios «actualizados». Neste volume, 152 provérbios franceses são invertidos logicamente, mas o resultado dessa inversão é tão «sábia» como a versão habitual.
É o que se pode chamar «demonstração pelo absurdo». Se houvesse real profundidade nas frases rimadas, a inversão das afirmações não seria defensável. Porém, a inversão de sentido desses provérbios é perfeitamente lógica. 
De tal modo que, quem não conheça um determinado provérbio, pode pensar que a versão de Péret/Eluard seja a versão original.

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[*] Quem nos dirá os males da rima?
       Que criança surda, que negro louco
       Nos forjaram esta jóia fingida
       Que soa oca e falsa sob a lima?
  (em tradução de Manuel Banet)