A
História da Segurança Social, a peça central do funcionamento do chamado Estado
Social, é desconhecida da maior parte das pessoas. Mesmo as pessoas com uma
formação cívica e política relativamente elevada têm falhas gritantes a esse
nível, tão essencial para a compreensão da nossa História coletiva. Certamente
não sou a pessoa mais indicada para retraçar essa História, que se poderia
fazer iniciar muito mais cedo, mas que em termos práticos, nos países da Europa
ocidental e América, se pode situar no pós-II Guerra Mundial.
Nestes
países, quer fossem vencedores, quer vencidos, ou mesmo «neutrais» como
Portugal, houve uma transformação das relações de trabalho e da relação dos
cidadãos com o Estado. Já não era possível o Estado ser indiferente ao que se
passava com os trabalhadores, com os pobres, com os doentes e inválidos, com os
idosos. O chamado Estado Social foi a resposta do «Ocidente» ao perigo
vermelho, ou seja, ao efeito sedutor da propaganda do socialismo «real» nos
países do bloco de Leste, conferindo direitos e condições de proteção social
inauditas do lado de cá da «cortina de ferro».
Houve
negociação com os sindicatos sobre toda uma série de assuntos, criando-se uma
ideia de «parceria»: o conceito de que os parceiros sociais poderiam entender-se, numa sociedade
onde o patronato e os trabalhadores teriam interesses contraditórios, por
vezes, mas compatíveis. O papel de «conciliador» caberia ao Estado e seus
representantes vistos como neutros, como «fiel da balança», etc. Esta ficção
convinha a uns e a outros, impedindo uma viragem dos trabalhadores para uma visão
revolucionária, contentando-se estes em reivindicar dentro do quadro
institucional.
Esta
política só começou a sofrer fraturas quando houve uma série de crises sistémicas
que abalaram a visão interclassista de «coesão nacional». Esse período ocorreu
na década que vai de 1968-69 a 1978-79, variando os momentos agudos de país
para país, mas no geral, em quase todos os países do «Ocidente» (e mesmo,
vários países do Pacto de Varsóvia) houve momentos de grande desestabilização
política e social nessa década.
A
resposta do capital internacional, que saiu vitorioso do confronto, foi logo a
partir de 1980 e não se fez esperar: desmantelamento programado do «Estado
Social», mas peça por peça… para não gerar convulsões.
Em
Portugal, com o 25 de Abril de 1974 houve, não só uma revolução política, como
também foram desmanteladas fatias importantes do tecido produtivo.
- O país foi
acumulando défices, que eram preenchidos, nos orçamentos sucessivos, com
receitas da Segurança Social, através de «empréstimos» mais ou menos avultados,
a juro muito inferior ao dos mercados. A reposição destas verbas forçadamente
emprestadas, era tardia e como o juro era irrisório, isso equivaleu a uma
descapitalização dos fundos próprios durante dezenas de anos. Recorde-se que, nalguns
anos, as taxas de inflação eram acima de 10 %; isto foi um dos fatores mais importantes
para socavar a sustentabilidade do modelo de Segurança Social,
herdado do regime de Salazar-Caetano.
- O outro fator foi a destruição programada
(pela entrada na então CEE) dum tecido produtivo frágil, mas do qual dependia a
sobrevivência da população portuguesa: destruição da agricultura, das pescas, da
pequena e média indústria. Os grandes interesses financeiros/industriais e as
grandes «coutadas» agrícolas reapareciam, mas numa perspetiva de saque, pondo
os despojos a salvo em «offshore», protegidos do olhar intencionalmente míope dos
governos …
A
proporção capital/trabalho, no que toca à sustentação do Estado, é
completamente desequilibrada neste país. Existe também esse desequilíbrio noutros
países; também noutros países as classes mais abastadas conhecem e usam todas
as artimanhas para diminuir legalmente impostos ou praticam fraudes. Mas
aqui, em Portugal, o que o Estado extrai sob forma de impostos, dos que
trabalham ou trabalharam, para alimentar o orçamento, é sem dúvida muito mais, proporcionalmente.
Costumo
dizer que o Estado Português sujeita o povo trabalhador a um regime de impostos
de nível semelhante ao da Suécia. Porém, para nosso infortúnio, a qualidade dos
serviços que o Estado presta em retorno aos cidadãos não corresponde - em nada - à do povo sueco! Em qualidade de serviços públicos, a população
portuguesa pode realisticamente ser colocada ao nível do «Terceiro Mundo».
Na
verdade, o Estado impõe esse pesado nível de impostos áqueles que não podem
fugir, fazendo a retenção obrigatória do IRS (Imposto sobre Rendimento de Singulares)
nos salários e pensões, tendo aí a base de sua receita.
A partir daí, não faz muito
esforço para ir buscar os impostos às empresas, aos acionistas, em especial à
banca. Porém, em caso de insolvência, os empresários e banqueiros podem contar com a
mão amiga do Estado, que irá recapitalizar – com os nossos impostos- os bancos
descapitalizados e mal geridos. É o modelo «assistencial» (ou «Welfare State») para
os ricos e o capitalismo mais inflexível para os pobres, em toda a sua
plenitude.
O
povo e os trabalhadores deste país devem tomar consciência de que a Segurança
Social é deles: Só poderão recuperar alguma dignidade e segurança económica se
não permitirem que o fruto do seu trabalho seja «gerido» por alguns
incompetentes ou criminosos, que nunca lhes prestam contas, que não lhe
devolverão nunca o devido!
A gestão da segurança social pelos próprios trabalhadores é possível: ela foi a
base do modelo, em vários países ocidentais, com participação dos sindicatos,
associações de reformados, etc.
Em Portugal, as «Caixas de Previdência» do
regime fascista de Salazar estavam nas mãos das «câmaras corporativas» e
portanto, nunca poderiam estar sob controlo dos trabalhadores.
Lamentavelmente, aquando
do 25 de Abril e anos subsequentes, perdeu-se a oportunidade das «Caixas
de Previdência» serem geridas pelos trabalhadores, através de seus legítimos
representantes.
Houve
preocupação de manter este manancial de dinheiro nas mãos de quem detivesse o
poder político, o governo. Os responsáveis da Segurança Social foram nomeados sempre
pelo poder político vigente, nunca foram eleitos pelos trabalhadores e
reformados.
Para
se conseguir mudar algo de significativo, terá de haver uma mudança profunda na
maneira como a população encara estes assuntos. A população portuguesa está muito alheada, para não dizer alienada do que se passa.
Ela terá de compreender que - de facto - a Segurança Social não é parte do governo, não é um ministério. Ela deveria ser devolvida ao povo, não privatizada, mas sim gerida por iniciativa e com participação do povo (através de sindicatos e outras associações). A Segurança Social, na verdade, é pertença dos trabalhadores ativos e reformados portugueses, tal como os capitais por ela geridos.
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