NENHUM TERRITÓRIO É PERTENÇA DUM GOVERNO
Na realidade, os territórios em que não existe acesa contestação sobre «a quem pertençam» os mesmos, são a imensa maioria. Alguns são contestados, são reivindicados por dois ou mais povos; nestes casos, existe geralmente um governo, reconhecido internacionalmente, que «gere» o referido território e uma parte da população repudia esse governo, nega-lhe legitimidade para governar no referido território.
Mas, se não virmos as coisas de modo superficial, verificamos que não existe nenhum decreto, seja ele proveniente de «lei natural» ou «divina», que legitime a pertença de um dado território para um determinado povo, ou nação. Apenas, o argumento da tradição, a continuidade no povoamento, ou seja, o facto da imensa maioria dos autóctones ter nascido no referido território, tal sendo também o caso dos seus parentes e antepassados. Será este o significado etimológico de «pátria»: "minha pátria é a terra de onde são meus pais e onde eu nasci"...
Isto não exclui que certas pessoas se estabeleçam e vivam num determinado território, sendo reconhecido o direito de que os indivíduos - em certas condições, mais ou menos restritivas - possam adquirir a nacionalidade. Trata-se claramente de uma decisão política, de um ato político, por oposição a uma circunstância «natural», inerente ao estado das coisas. Lembremos que, durante a revolução francesa de 1789 e anos seguintes, a cidadania francesa foi conferida a indivíduos de variadas nações, que vieram apoiar o governo revolucionário. A Assembleia Nacional francesa achou por bem conferir-lhes o estatuto de cidadãos. Estiveram neste caso polacos, irlandeses e indivíduos doutras nacionalidades... Portanto, do ponto de vista político, muitos países reconhecem o direito de aquisição da nacionalidade a indivíduos não nascidos nesse território. São automaticamente nacionais os que nasçam no território dessa nação. A nacionalidade também é dada logo ao nascimento, a quem nasça no estrangeiro, de pai e mãe dessa nacionalidade.
No caso de aquisição de nacionalidade por estrangeiros, é preciso que satisfaçam certas condições, as quais variam de país para país, determinadas pelas respectivas entidades políticas ... Note-se que aqui entra em jogo uma dupla vontade: A do indivíduo, que procura adquirir a nacionalidade; a da entidade política, que a concede.
Tudo isso terá sido mais ou menos bem concebido pelos legisladores, sobretudo ao longo dos últimos duzentos anos, partindo do princípio de que a emigração seria um fenómeno marginal (em termos estatísticos), que as pessoas deixavam o seu país de origem com uma clara intenção de obter trabalho no outro país, e que finalmente eram propriamente «sangue novo» que se ia acrescentando a um rítmo que não subvertia o conjunto das características étnicas, culturais e mesmo políticas da nação receptora dessa imigração.
Porém, no nosso século e nos finais do século passado, a imigração já não é constituída por fluxos «naturais» de pessoas. Há muitas causas para a emigração, a mais frequente sendo económica, mas mesmo esta pode resultar dum empobrecimento acelerado de um país em consequência de uma guerra civil prolongada (veja-se o caso da Síria), pode ser devido a uma ruptura por fenómenos naturais (reativação de vulcões, terremotos violentos, alterações climáticas, etc.) com efeitos catastróficos nas condições de vida, até da própria habitabilidade num dado território. Ou seja, as condições na pátria dos indivíduos que aí viviam, tornaram-se muito insatisfatórias ou mesmo impossíveis de se viver. É natural que emigrem para outras paragens, de modo a terem a possibilidade de ganhar a vida, em termos humanamente decentes. Muitos destes casos dramáticos acabam por cair nas garras de redes de tráfico de seres humanos, submetidos aos mais bárbaros e cruéis tratamentos, enquanto as entidades dos países ricos costumam fingir que não sabem, ou que nada podem fazer.
No caso da emigração de pessoas oriundas de países em catástrofe, os países de acolhimento são, ou as ex-metrópoles coloniais, ou outros países afluentes. Estes países já têm muita riqueza. Parte dela tiraram-na, no passado e com prolongamentos no presente, dos enormes benefícios obtidos com a exploração colonial (casos de Portugal, Espanha, Holanda, França, Grã Bretanha, Bélgica, Alemanha...). As migrações em massa não são um fenómeno natural, de modo nenhum. São resultantes do empobrecimento das regiões de onde são oriundos estes imigrantes, resultando de guerras fomentadas e atiçadas pelas potências coloniais e neocoloniais, da exploração desenfreada das riquezas desses países, ou mesmo pelas alterações climáticas antropogénicas. Em qualquer dos casos, «a culpa» não é certamente dos povos vítimas de tais situações catastróficas.
Porém, existe outro género de emigração, cujo efeito pode ser muito pernicioso para os países de origem desses emigrantes, embora não haja tão grande visibilidade como os fluxos migratórios em massa. Refiro-me à migração «dos cérebros» isto é, de pessoas, em geral bastante jovens, que atingiram um nível elevado como estudantes e como jovens profissionais, a quem lhes é dada a oportunidade de integrarem uma entidade pública ou privada noutros países, onde terão melhores condições salariais e de carreira que no país de origem. Acontece que o país de origem é mais pobre que o país de destino, mas está a fornecer gratuitamente os melhores jovens, já formados e capazes de dar o melhor de si nas suas atividades respectivas, aos países que realmente não precisam de mais cientistas, médicos, engenheiros ou técnicos superiores. Então, estes países ricos aceitam-nos, porque assim mantêm a supremacia técnico-científica sobre os países mais fracos, além de que desenvolvem ao máximo suas potencialidades na investigação e desenvolvimento a baixo custo, visto que não precisam de subsidiar os cursos universitários ou as especializações dos imigrantes intelectuais que chegam. Eles já estão parcial ou totalmente formados.
Muitos portugueses e portuguesas jovens têm - ao longo das últimas décadas - procurado no estrangeiro o emprego e as condições de vida que não encontram na sua pátria. Esta, tem-se mostrado muito incapaz de absorver o forte desenvolvimento ao nível educativo (em todos os níveis do ensino), que é - do meu ponto de vista - uma real conquista do regime saído do 25 de Abril de 1974. As/os jovens têm obtido no presente e em percentagem bem maior do que há 30 ou 40 anos atrás, diplomas que lhes dão habilitações para um trabalho especializado, técnico e superior, com os quais estão capazes de exercer profissões diversas. Eles/elas, pela sua qualidade, esperam obter uma remuneração semelhante à dos colegas de outros países europeus. Em demasiados casos, não existem condições para fornecer emprego adequado a estes jovens. Eles são empurrados para fora do país. Com o maior desplante, um ex-primeiro ministro dum governo de centro direita, Pedro Passos Coelho, propôs há uns anos... «eles que vão para o estrangeiro, se aqui não encontram emprego».
Naturalmente, muitos jovens portugueses acabam por instalar-se definitivamente nos países de acolhimento. Aí encontram condições de trabalho compatíveis com a sua formação, aí fundam família e encontram os meios de realização pessoal e profissional que não encontraram no seu próprio país. A pátria portuguesa é madrasta para os seus melhores filhos e filhas. Mas a burocracia rançosa, que vive de cunhas e do proteccionismo político, tem aqui - em Portugal - a sua terra de eleição.
O abandono do país pelas elites verdadeiras e a investida do mesmo por pseudo elites, que são apenas a medíocre turba da política, tornam este país equivalente a um país do Terceiro Mundo, com uma agravante: O não reconhecimento do facto, leva a que seja mais difícil desencadear o processo de desenvolvimento e mobilizar vontades, sem exclusões.
Nos outros países que têm o mesmo fenómeno de «fuga de cérebros», nota-se a perpetuação do ciclo da dependência, tal como em Portugal. Esse ciclo caracteriza-se pelo não desenvolvimento autónomo, que gera a necessidade de importação de tecnologia e de peritos, assim como de capitais estrangeiros, e esta situação envolve sempre uma dependência política, dos mais fracos em relação aos mais fortes. Uma vez que o governo dum país foi capturado, de um modo ou de outro, por potência(s) estrangeira(s), a tendência é para o agravamento desta dependência e para o marasmo do sub-desenvolvimento.