quinta-feira, 15 de junho de 2017

NÃO SOU «UMA CASSANDRA»

Imagem:  Fresco de Pompeia representando Cassandra, ao centro, profetiza a destruição de Troia. 
Á esquerda, Priam com Pâris criança. À direita, o guerreiro é Heitor.

 
Cassandra, filha do Rei de Troia, segundo a lenda, tinha o dom divinatório; mas o deus Apolo amaldiçoou-a com a incredulidade dos seus contemporâneos, para se vingar de ela se ter furtado aos seus avanços.  

Não serei eu a posar como Cassandra, com certeza. Limito-me a ouvir diversas vozes que se erguem, nos vários sectores de analistas de política, geoestratégia, de economia e outras disciplinas, tentando fazer uma ideia própria do que se está  passando, nestes  últimos decénios e na atualidade. 

Um dos fenómenos que tenho observado, é que o público em geral e, sobretudo, aqueles que teriam mais a ganhar em ouvir atentamente previsões e análises de indivíduos esclarecidos, negam peremptoriamente ou diminuem o valor de quaisquer análises, quando estas contrariam os seus preconceitos. 
Estão muito mais atentos à identidade do mensageiro do que à natureza intrínseca da mensagem que ele (ou ela) transporta.

 Um indivíduo aderente a uma dada escola da economia, a uma dada corrente da política, etc. tem o ouvido atento às vozes, exclusivamente das suas fileiras, que vêm reforçar os seus preconceitos (mas que considera verdades insofismáveis). 
 Porém, repudia ou menospreza de forma altaneira, quaisquer análises, reflexões, mesmo se baseadas em informações factuais, caso estas tenham proveniência de sector que não seja o seu, ou venham de quem ele considera contrário.

Uma situação assim ocorreu comigo, para minha perplexidade, ao me debater com a não-inscrição de um professor universitário de economia. Ele tem  protagonizado uma campanha pela saída de Portugal do Euro. Porém, contrariamente a outros críticos do euro, não põe em causa o papel dos bancos centrais na crise financeira que ocorreu em 2007/2008 e cujos efeitos desastrosos se têm prolongado até hoje. A sua reação de denegação da realidade que lhe apresentei não é racional, mas emotiva. 
Tem uma ideia apriorística, preconiza um determinado caminho para a saída de Portugal da Eurolândia, juntamente com outras pessoas. Curiosamente, deste grupo de pessoas, muitas são marxistas, possuem portanto outra ideologia, travestida de ciência. 

Longe de mim pretender ser Cassandra. Nem aconselho ninguém a sê-lo, num país de vistas tão curtas, tão mesquinhas e em que as pessoas não são capazes de reconhecer que se enganaram, não são capazes de se auto-criticar. 

Compreendo que muita gente queira ignorar os perigos para os quais tento dar o alerta, tal como acontecia com os que ouviam e não acreditavam em Cassandra. 
Pois eu digo verdades que não são ao seu gosto, digo coisas que não possuem os acordes e melodias usuais nas suas capelinhas ideológicas, sobretudo mostro coisas que eles/elas preferem ignorar, porque, se as encarassem de frente, teriam de rever a sua falsa noção de normalidade: teriam de descolar do preconceito da normalidade, ou seja, do futuro como mera projeção do presente, com algumas modificações de pormenor, mas essencialmente na mesma... 

Eu não pretendo ser Cassandra... porém vou buscar os dados aonde eles estão; vou buscar a verdade esteja ela onde estiver, não vou fechar-me a uma informação só porque essa informação é veiculada por alguém que não partilha as minhas convicções. 
No fundo, apenas pretendo exercer o espírito crítico na análise política, geopolítica, económica, sociológica. 
As metodologias e formas de tratar o real, corriqueiras nas ciências «duras» (a biologia, a química, etc.) são adaptáveis às ciências humanas. Em biologia, por exemplo, é claro que se deve evitar a subjetividade, que se devem examinar todas as hipóteses, sem descartar a priori as que são emitidas por alguém que não seja do nosso agrado, etc. 
Nas ciências humanas (das quais a Economia faz parte) este tipo de comportamento sofre muitas vezes desvios significativos. Nada é «desapaixonado» nas ciências humanas, pois tudo é esgrimido, de uma ou doutra forma, para fazer avançar determinada corrente teórica, que se traduz in fine num determinado ponto de vista político.

As pessoas deviam estar conscientes da voluntária cegueira de muitos intelectuais. 
Deveriam aperceber-se que existe um enviesamento, retirando às suas análises a fria lucidez, fruto de um espírito racional, que eles pretendem ser. 
   

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