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terça-feira, 7 de novembro de 2023

OS CEMITÉRIOS DE PALAVRAS

 



E se as palavras têm vida, também morrem, é fatal!

Quem leu escritos datando de há uns dois ou três séculos, sabe como é difícil captar o sentido das frases, mesmo que o idioma teoricamente seja o mesmo. Pois é frequente haver algumas palavras-chave para o sentido geral de um texto, que só podemos perceber com a ajuda de um dicionário. 

Há palavras completamente desaparecidas, nem as podes ler no melhor dicionário académico. Mas, outras, embora se possam ler no dicionário e saber o que significam, estão fora de uso, talvez por se referirem a instrumentos ou práticas agrícolas (ou outras), elas próprias  caídas em desuso.

Mas existem obras, como a Bíblia, os clássicos da literatura universal, etc., cuja linguagem é constantemente atualizada. É como refazer filmes antigos, com o mesmo enredo, mas com atores e cenários atuais, prática muito vulgar nos filmes de Hollywood. Aliás, na literatura, também foram reescritos romances, contos, peças de teatro, poemas, fábulas, etc. Obviamente, se um poeta reescreveu no século XVII uma fábula de Esopo, não é de admirar que o tenha feito com palavras da sua língua, para que se compreendesse bem o sentido dessa fábula. 

Há palavras que os literatos «ressuscitam», palavras esquecidas às quais eles tentam dar um novo sopro de vida. Porém, em geral, essas palavras ficam restritas a pequenos círculos de eruditos. Tal como usar palavras estrangeiras, quando existem palavras adequadas na nossa língua, trata-se dum «snobismo linguístico», o de trazer palavras mortas e enterradas, de novo para a luz do dia.  

Não cabem na categoria atras descrita, as palavras compostas, em geral, a partir de raiz grega ou latina e que servem para descrever novos objetos ou conceitos. Nas diversas ciências, em particular na biologia (mas também noutras), isto é banal. Uma palavra nova, para um objeto ou conceito novo. Com efeito, mesmo que sejam compostos por vocábulos de idiomas mortos, são palavras com vida. Por vezes, difundem-se e ganham uma presença, que ultrapassa largamente o dominio científico.

É difícil delimitar o campo das palavras mortas, realmente mortas. Seriam aquelas que certos dicionários especiais registam, na melhor das hipóteses. Mas, as palavras, assim como as vidas, morrem todos os dias e todos os dias nascem outras. 

As que nascem podem permanecer num caldo de cultura restrito: Quer se trate dum calão específico a dado lugar e setor da população, ou dum neologismo criado por intelectuais, num círculo mais ou menos fechado. Por vezes, elas espalham-se rapidamente: Por efeito de moda, ou porque vêm satisfazer uma real necessidade de expressão.

Assim, os cemitérios de palavras,  justapõem-se aos seus berçários, e às palavras que andam na rua, no dia-a-dia. É uma tarefa infinita, a de construir dicionários duma língua. A língua é algo impossível de fixar, é fútil tentar «tirar uma foto» da linguagem numa dada sociedade, em dado momento histórico. 

Sabemos que os dicionários, embora fatalmente incompletos, são instrumentos indispensáveis em qualquer época e para qualquer língua. Mas, devemos ter a noção de que existem palavras ausentes de todo e qualquer dicionário. Podem não estar mortas. Podem ser palavras com uso num dado meio, numa dada profissão, etc.

 Por outro lado, a fixação do sentido de uma palavra é tarefa ainda mais fútil, pois sua utilização varia no tempo, no espaço e também, consoante quem a pronuncia. O sentido das palavras é algo muito variável. Um dicionário não poderá nunca dar definições que abrangem todos os seus sentidos. Nem sequer recorrendo a muitas citações em que uma palavra é usada, pois as nuances da sua utilização no discurso são quase infinitas.

Ao contrário da semântica, a etimologia (ou raiz, origem) pode ser determinada de modo bastante definitivo.  Nalguns casos, porém, a etimologia é incerta. Mas, que importância tem a etimologia? Ela é afinal muito útil, pois nos dá uma ideia da deriva semântica dos vocábulos, mostrando a relatividade e historicidade do seu significado.