A forçada manutenção da taxa de juros muito baixa, por ordem direta de Erdogan, foi desencadear uma aceleração da inflação. Há, neste momento, uma inflação de 18-19%. É um ponto de fuga para a perda total de controlo da divisa e, portanto, o crescer da espiral da hiperinflação.
Temos um povo ansioso por vender as suas liras e comprar moedas «fortes» (dólar, euro, etc.). Há uma fuga maciça de capitais.
A ausência de «tampão monetário» como, por exemplo, abundantes reservas em divisas estrangeiras no banco central turco, conjugada com uma dívida externa importante, podem levar a uma falta de pagamento (os sovereign bonds deixam de pagar juros, ou o principal).
A possibilidade de reversão desta situação dramática implica que o banco central decrete uma subida muito acentuada dos juros (da ordem dos 20%), para tornar rentável o investimento nos «bonds» turcos e para estancar a hemorragia de capitais.
Esta hipótese seria viável, dado que nos últimos anos a Turquia comprou (o seu banco central, sobretudo) muito ouro. A venda do ouro no mercado internacional pode fornecer suficientes divisas estrangeiras de que tanto carece. Veremos o que acontece nos próximos dias/semanas.
Mesmo assim, não há garantia de sucesso, pois a situação agora criada acompanha-se da grande quebra de confiança quer do público turco, quer internacional.
Se não houver uma rápida e significativa descida da inflação, haverá consequências políticas: é matemático.
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PS1: Note-se que a posição de Erdogan, no fim de contas, não é qualitativamente diferente da posição da FED e dos principais bancos centrais ocidentais: Pois, estes estão constantemente a fazer engenharia financeira (Q.E. e outras manobras) para baixar artificialmente os juros. Dizem sempre, para «justificar» as suas políticas inflacionárias, que é para «estimular a economia».
Portanto, se é absurdo para o caso da Turquia, por que razão não o é também para os bancos centrais dos principais países ocidentais?
- Penso que há apenas uma variável que difere, nas 2 situações: É o fator mais instável e caprichoso, a confiança do público nas divisas, nos seus governos e bancos centrais. O volume de divisas em circulação não pode ser um justificativo. Onde é mais provável que haja uma avalancha de neve: Quando o montão acumulado for gigantesco, ou quando for moderado?
PS2: O caminho para a hiperinflação está bem encetado, com as pessoas a comprar o que podem, não o que precisam, com muita pressa em verem-se livres das liras, antes que estas desvalorizem ainda mais. Se o fenómeno da inflação é sempre, em última análise, um fenómeno monetário, também é verdade que é intensificado pela psicologia das massas.
PS3 (17-12-21): Erdogan não está a revelar o real propósito da sua política económica e financeira (e cambial). As «justificações» de que as taxas de juro altas é que «causam a inflação» ou os argumentos religiosos, são «camuflagens» da sua verdadeira política. A real motivação seria outra: embaratecer o custo do trabalho na Turquia. Assim, os produtos turcos podem vencer os competidores, embaratecendo seu custo de produção. Ele aceita, em troca, que a lira se desvalorize muito... Esta é tese defendida pelo blog «MoA».
Em todo o caso, Erdogan não poderá facilmente recuperar os capitais perdidos na sangria, por ele provocada, neste último ano. Estou cético em relação à explicação dada por MoA. O meu palpite é que, independentemente das intenções, esta política vai penalizar demasiado o povo turco e vai causar redemoinhos políticos.
PS4: Erdogan, numa manobra desesperada, faz a promessa de que os depositantes em liras nos bancos receberão uma compensação igual à perda de juros causada pela desvalorização. Assim, provocou a corrida para compra de lira, que teve uma espetacular subida.
No entanto, a bolsa, cujas ações tinham compensado, pela sua subida, a perda de valor resultante da desvalorização da lira, começou por subir e, logo de seguida, sofreu um «crach» de 7.1% na mesma sessão.
Penso que a Turquia está a seguir o mesmo percurso que a Venezuela, para a hiperinflação.