*Transcrevo um ensaio publicado no «Caderno Luta Social» Nº4, em maio de 2009. Não me pareceu necessário fazer qualquer actualização, pois o leitor compreenderá que certas passagens se referem ao momento político que se estava vivendo então, enquanto outras são reflexões que conservam a mesma validade hoje, como há 8 anos atrás.
Portugal, país
neocolonial?
O regime de Portugal tem uma grave
doença que precisa de ser diagnosticada.
Tenho reflectido sobre os rumos da
democracia em Portugal; cheguei à conclusão de que o problema é que se trata de
uma enfermidade não diagnosticada, ou um diagnóstico feito mas não reconhecido
pelas gentes.
Portugal, desde há pelo menos 200 anos,
passou de país colonizador a país colonizado, submetido por várias potências:
primeiro a Grã-Bretanha, depois pelos países ricos da UE, com participação dos
EUA.
Tudo se pode compreender melhor,
incluindo a enorme quantidade de corrupção e falta de vergonha da classe
política, se virmos este país como uma vulgar neo-colónia, como no continente
sul -americano, ou africano. Nessas regiões, é habitual verem-se regimes que
até podem ser formalmente democráticos, mas onde uma pequena oligarquia manda,
usando políticos corruptos para fazer o jogo da representação e manter assim o
povo quieto.
Existe um falhanço histórico da
intelectualidade, das pessoas que têm maior responsabilidade, porque detêm
saberes e meios de os divulgar. Ou seja: têm essa responsabilidade porque detêm
meios (os instrumentos, as ferramentas intelectuais) que os podem apetrechar a
fazer a análise (diagnosticar a doença) e - desde logo - a apontar caminhos
para a «cura» ou a esclarecer quais as opções que se colocam.
Devemos perceber que estamos perante um
fenómeno de ocultação não intencional, não deliberado. Não cabem aqui quaisquer
«teorias da conspiração». O problema, tão simples na sua essência, é o
seguinte: como se explica o atraso crónico e secular deste país, à beira-mar
plantado?
Um país que poderia ser um «jardim», mas
não é; mais parece um lugar de exílio («Pátria, lugar de exílio», para retomar
o título dum dos mais belos livros de poesia portuguesa do séc. XX). Vamos
continuar A ASSOBIAR PARA O LADO E IGNORAR ESTE FACTO FUNDAMENTAL ou teremos a
coragem de olhar a realidade em frente? Reconhecemos que somos um antigo
império, convertido numa NEO-COLÓNIA? Que, se Portugal tem sido colonizado
económica e politicamente, o tem sido sobretudo porque um complexo mental,
cultural se apoderou da intelectualidade e do povo, em geral?
Considero que esta visão da história portuguesa
marcada pela sua transformação em neo-colónia é totalmente evidente, para quem
conheça razoavelmente a história dos últimos 200 anos. A ocultação sistemática,
intencional desta evidência, dos seus mais relevantes factos, tem sido obra de
vários historiadores, das mais diversas simpatias ideológicas, provavelmente
para sustentar as suas teses.
Muitas pessoas abordam criticamente a
realidade portuguesa e dizem «o mal está nisto», «o mal está naquilo…». Mesmo
que tenham razão em absoluto nos males que apontam, a sua crítica é
superficial, na medida em que traz implícita que a cura, estaria na eliminação
desses males, mas eles são sintomas e não a própria doença. Eu questiono a
origem destes sintomas; a incultura é sintoma, a corrupção é sintoma, a falta
de civismo é sintoma... sintomas de quê? Da existência de um complexo económico
- político -cultural chamado neo-colonialismo. O facto de se reconhecer, não é
a cura do referido mal, mas aponta o caminho para se estabelecerem as
estratégias para sairmos deste processo degradativo, deste ciclo vicioso.
Com razão, várias pessoas têm notado que
uma revolução, que não se dirija à raiz dos males sociais, apenas será uma
sacudidela e depois tudo voltará a ser como dantes.
Se queremos que as coisas mudem verdadeiramente
e em profundidade, temos de ir ao âmago da questão: Temos de nos pôr de acordo
sobre a origem do complexo que atinge Portugal como se fosse uma maldição... de
certeza que não se trata de um problema «endógeno» ou «genético» da nossa
população. Estamos ou não perante uma situação neo-colonial?
Várias pessoas que se interessam por
política, sobretudo na esquerda, consideram os problemas com um certo
fatalismo, o que as leva inevitavelmente para uma atitude atentista,
sebastianista, de esperar que se dê um câmbio mundial para que algo mude em
Portugal. Ora, não tem que ser assim: muita coisa há que mudar e que pode ser
mudada no imediato. Podemos e devemos agir, mas com um sentido de rumo.
O debate que proponho parece-me muito
importante, porque as políticas destinadas a emancipar o indivíduo e o
colectivo, hoje em dia, têm de ser equacionadas numa série de patamares
paralelos e não apenas de forma unidimensional.
Podemos lutar contra o capitalismo sem
lutar contra o estado e a sua organização, que é o principal sustentáculo do
mesmo? Obviamente que não! Pelo menos não de forma coerente.
A nossa luta, mesmo sendo justa, pode estar focalizada apenas nos efeitos de uma deslocação do poder para centros distantes, como a Comissão Europeia, a NATO...
A nossa luta, mesmo sendo justa, pode estar focalizada apenas nos efeitos de uma deslocação do poder para centros distantes, como a Comissão Europeia, a NATO...
A nós, não deveria interessar-nos muito
o «daqui a 100 anos». Deveríamos estar centrados no aqui e agora; deveríamos
levar o debate a vários sítios simultaneamente, de preferência presencial e
aberto a todos/as as/os que estivessem disponíveis para uma participação
construtiva e responsável.
Afinal de contas, há uma esquerda que é
parte do problema, porque teima em não ver, não ouvir, não falar: Ela teima em
«pensar» com frases feitas, com slogans, em vez de ser crítica... o que
significaria auto-crítica, pois ela teve poder, fatias não desprezíveis do
poder e ainda tem: se não o vê, é porque não lhe convêm!
De novo, aqui encontramos uma expressão
e reflexo da situação neo-colonial multi-secular. Este autoritarismo que se
nega em palavras, enquanto se afirma por variadíssimos actos, configura um
complexo de culpa; uma enorme má consciência que se varre «para debaixo do
tapete», vezes e vezes sem conta.
No fundo, trata-se duma característica
portuguesa muito especial que foi muito bem analisada por José Gil, a não – inscrição.
Ou seja, artifícios para não agir.
O mais recente «acto de não-inscrição»
prende-se com o episódio grotesco da atribuição do nome de Salazar à praça
principal de Santa Comba Dão, por decisão da autarquia, governada por um eleito
do PSD, partido com larga história de governo pós 25 de Abril e que se pode
considerar um dos partidos constituintes (aprovou a constituição de 76). Estão
a fazer uma campanha bem pensada, bem orquestrada, para fazer aceitar um novo
regime de medo, de terror, que fecham os olhos perante homenagens destas e não
tiram (ou recusam tirar em público) as consequências políticas de tais actos.
Parece fora de qualquer dúvida que esta
provocação foi orquestrada e preparada, como parece ser impossível de outro
modo. Um golpe de teatro destes não se improvisa… há uma conivência pelo
silêncio, pela não-inscrição, das estruturas nacionais do partido. Creio que
isto demonstra a falta de coerência da chamada «democracia» portuguesa.
Neste país, a incultura passa por
virtude. O ataque à Escola Pública veio disfarçado como «reforma» para melhorar
a escola: é visto com simpatia por muitas pessoas, nomeadamente, pelas de menor
formação cultural, que se sentem «lesadas» por aquilo que consideram
privilégios da «classe» docente.
Nomear uma «classe» profissional como
bode expiatório, foi uma atitude logo tomada pelo poder PS, tanto mais que se
tratava de quebrar o estatuto que conferia uma certa dignidade, porque oferecia
certa garantia de estabilidade e de progressão na carreira dos docentes. Foi
este estatuto da carreira docente não universitária destruído e transformado
num instrumento que eu caracterizei como «estatuto de escravidão docente».
Nenhum sindicato de professores se
atreveu a subscrever um documento tão ofensivo para os seus representados, após
um simulacro de processo negocial.
Mas, na base, os professores, embalados
num sonho (ideológico) de «escola democrática», de «escola do 25 de Abril», não
viram logo o que lhes tinha presenteado o poder PS, senão quando se desenrolou
perante os seus olhos horrorizados a kafkiana máquina da «Avaliação de
Desempenho».
Os protestos atingiram uma amplitude
inédita no nosso país. Os professores mais velhos compreenderam que estavam a
retirar-lhes uns restos de dignidade que ainda conservavam, mau grado os
ataques mediáticos e no terreno. A campanha orquestrada contra eles, apontados,
pela voz da ministra da educação e seus acólitos, como responsáveis pelos
fracassos do sistema educativo pós-25 de Abril, surtiu efeito; muitos optaram
pela reforma antecipada, alguns com penalizações pesadas no montante da sua
pensão.
Como tem sido costume e como eu tinha
previsto, prepara-se (agora, no inicio de Maio) uma simulação de «luta», uma
encenação para deixar «contentes» os militantes sindicais, embora a massa dos
professores fique descontente. Os burocratas sindicais não se importam; no
fundo, pensam que está correcto canalizar este descontentamento para as urnas.
Com enorme desplante vêm dizer que não querem que «esta luta morra na praia»,
depois de a terem esvaziado, de terem desperdiçado, em sucessivas ocasiões, a
onda de protestos!
É caso para nos questionarmos sobre a
auto-infligida impotência de uma população maioritariamente de esquerda, com
saber académico (quase todos com o grau de licenciatura, no mínimo), porém que
não reconhece a realidade da manipulação política, não vê que o combate deve
incluir a apropriação das estruturas sindicais, para serem realmente
instrumento de luta de todos os trabalhadores. É uma população de «esquerda
sentimental», mas não no sentido crítico, na análise crítica que possa fazer da
realidade.
Assim, verifica-se a «castração» do
professorado, reforçando o complexo de país neo-colonial. Isto agrada aos
poderes, visto que o quotidiano das escolas é moldado, num grau muito elevado,
pela mentalidade difusa que prevalece no seio dos professores.
Este país tem uma cultura provinciana, como se pode verificar pela vida cultural em geral, em particular da capital e das suas principais cidades. Nesta cultura demasiado estreita, avultam as modas; elas tomam conta da cena mediática, sendo assim como vagas sucessivas, que anulam quaisquer outras correntes estéticas e ideológicas. Dá-se portanto um fenómeno de monopolização do espaço público, com «figuras» do momento, cuja obra, por meritória que seja, é amplificada de maneira desmedida pela televisão. É o que se verifica na literatura, na filosofia, ou em quaisquer domínios das artes. Esta situação estimula a postura de subserviência em relação aos poderosos, aos que estão em posição de controlo da media.
Este país tem uma cultura provinciana, como se pode verificar pela vida cultural em geral, em particular da capital e das suas principais cidades. Nesta cultura demasiado estreita, avultam as modas; elas tomam conta da cena mediática, sendo assim como vagas sucessivas, que anulam quaisquer outras correntes estéticas e ideológicas. Dá-se portanto um fenómeno de monopolização do espaço público, com «figuras» do momento, cuja obra, por meritória que seja, é amplificada de maneira desmedida pela televisão. É o que se verifica na literatura, na filosofia, ou em quaisquer domínios das artes. Esta situação estimula a postura de subserviência em relação aos poderosos, aos que estão em posição de controlo da media.
O português «médio» é consumidor de
filmes de Hollywood, conhece a vida das stars americanas, tem uma cultura de
música «ligeira» (pop, rock, etc.) exclusivamente anglo-saxónica. Tem poucas
leituras, quando lê. Escolhe, quase exclusivamente, «best-sellers» traduzidos
para português.
Num país neo-colonial, a cultura é quase
toda de importação, facto ocultado pelo Estado, que pretende fazer crer que
existe cultura própria: assim, nas escolas, é obrigatório ler-se um certo
número de autores portugueses. São esses livros de leitura obrigatória que
permitem manter em vida o mercado editor e livreiro.
Num país neo-colonizado não existe
cultura autóctone, mesmo nos estratos populacionais que não beneficiam dos
privilégios de classe.
O «povo» contenta-se com música popular
do nível mais medíocre que se possa imaginar e os programas de «humor popular»
das televisões são de um nível confrangedor, em regra. Não existe cultura
popular genuína, porque aquilo que é normalmente assinalado como cultura popular
de qualidade é – de facto – música e poesia eruditas, feitas por artistas
«usando elementos da cultura tradicional»: na realidade, transpuseram para a
canção de autor, de intervenção, elementos da cultura rural totalmente
desaparecida, tal como as comunidades rurais que estiveram na sua origem.
Quanto ao pensamento político em geral,
as «modas», além de importadas da Europa e dos EUA, são uma apropriação serôdia
pelos actores/actrizes da tragicomédia política que é a vida pública deste
país.
Se tivéssemos de escolher o cenário para
um Lilliput das ideias, das mentalidades, seria muito provável que a escolha
recaísse sobre este rectângulo à beira-mar plantado. A «classe política», como
ela própria se costuma designar, compõe-se dumas centenas, duns poucos milhares.
A maior parte, apenas «célebre» na sua vila ou bairro; muito longe da
popularidade das estrelas do futebol.
O futebol, o «espectáculo rei», destrona
qualquer «paixão política». Basta simplesmente olhar para os infinitos
comentários na TV, antes ou após um jogo importante. Nota-se, nestas ocasiões,
uma diminuição significativa do trânsito nas estradas, à saída das cidades
maiores, que se explica pela debandada mais cedo para casa, por causa do jogo.
Todos os «actores políticos» concordam
que a «Europa» é um factor fundamental (de forma positiva ou negativa) para as
políticas nacionais. As eleições europeias sucessivas são sempre as que têm
menor participação (da ordem de 60% de abstenção). Este sistema político não
tem nada a oferecer, senão umas cadeiras douradas para alguns «eleitos do
regime», que têm assim a recompensa por terem andado anos a fio a enganar o Zé
Povinho, a vender-lhe a «banha da cobra» do seu respectivo partido.
Num país neo-colonial, o povo não é mais
«estúpido» ou «inteligente» que noutro qualquer país, não dominado. Apenas
poderá ser menos informado, menos culto. Apesar de tudo, no caso português, não
perdeu o seu bom senso e sentido prático, não confia nos actores políticos, que
se desfazem em promessas e têm imenso desprezo pelo povo, dizendo que são seus
fiéis servidores.
O povo de Portugal está habituado a
«desenrascar-se» por si só; a confiar nas redes de amizade, de família
alargada, etc. Estes são os fios que tecem a estrutura social profunda; nesta,
as escolhas partidárias pouco peso têm.
O cidadão comum tem tendência a ser
indulgente perante o político que «facilitou» a aprovação de tal ou tal obra.
As pessoas assimilam essas trocas de favores ao mais alto nível do Estado e dos
negócios, com as pequenas trocas de favores, o «conhecer» alguém nesta ou
naquela repartição pública. Tais compadrios não são vistos como criminosos, nem
como abusos, sequer.
Além disso, o político profissional é
visto como alguém de «outra espécie», a quem a lei comum não se aplica, que
vive numa esfera diferente do real, pois está sempre a aparecer no espaço
hiper-mediatizado.
Os que estão encarregues de fazer
marketing político com a imagem de José Sócrates e seu governo, cedo perceberam
isso: orientaram seu desempenho para a mediatização e personificação extremas
do personagem.
O discurso de Sócrates apela sempre aos
sentimentos, a uma sinceridade falsa, mas que é bem encenada. Esta encenação
inclui personagens auxiliares, tais como o inenarrável bufão, ministro Mário
Lino ou a antipática ministra Mª de Lurdes Rodrigues. Só assim ele pode
sobressair – por contraste - como «líder».
Ele - na realidade – é apenas joguete de
interesses capitalistas poderosos, que preferem ficar na penumbra. A sua
política tem sido uma sucessão de recuos sociais, obedecendo ao dogma
neo-liberal, para além de qualquer expectativa que se pudesse ter dele e do seu
partido, há 3 anos e meio.
Os políticos, em regimes neo-coloniais,
não se sentem nada presos pela palavra dada ao eleitor; sabem que aquilo que os
sustenta no poder é muito mais a sua fidelidade (vassalagem) aos negócios e à/s
potência/s dominante/s. No caso português, não é necessário ir buscar muito
longe, nem ser um «águia» em política, para se perceber que os patrões de
Portugal são os países ricos da EU e os EUA.
No essencial, toda a política observável
em Portugal deve ser entendida como epifenómeno, decorrente do papel
geoestratégico que lhe está reservado, na nova ordem mundial, instaurada com a
uma NATO triunfadora do Pacto de Varsóvia.
Para consolidar essa dominação mundial,
os donos deste mundo unipolar precisam de demonizar outras culturas, outras
civilizações, fabricando, tanto quanto for necessário, o cenário artificial dum
choque entre civilizações (avançado pelo politólogo reaccionário Hungtington).
Veja-se o papel desempenhado pelo
governo e presidência da república de Portugal na cimeira dos Açores, de
preparação para a II guerra do Iraque; ou ainda, na guerra contra a Jugoslávia,
na «pacificação» da Bósnia, do Kosovo ou, mais recentemente, do Afeganistão.
Estes desempenhos não deixam dúvidas. É típico de países neo-coloniais, que as
suas tropas sirvam como auxiliares para guerras da grande potência, sempre no
quadro fictício de uma «aliança». Trata-se de ter em conta este facto político
básico, fundamental.
Não nos devemos contentar com isto,
porém; devemos questionar-nos porque motivo este discurso não tem eco, porque
não suscita debate, porque há um «silêncio ensurdecedor» em torno deste tema. É
um autêntico «tabu»! Trata-se de outro exemplo de não inscrição, de «arte» da
omissão, pelos actores da política.
Quando ruiu o «socialismo real» (na
verdade, apenas capitalismo de estado, totalitário) a esquerda ficou órfã, não
de uma ideologia, mas sim de uma motivação prática. Ela não consegue ver-se
senão como «gestora» de um Estado, onde estejam nacionalizados os principais
meios produtivos. Tem tendência a associar-se à construção do super-estado
europeu (EU), mesmo quando rejeita o tratado de Lisboa e critica o projecto, de
cunho inegavelmente neo-liberal.
Esta esquerda, sem quaisquer ideias e
baseada em estruturas nacionais, apenas fala dum «internacionalismo» do século
XIX. Ideia totalmente esvaziada. Nesse século, era um poderoso factor de
mudança, pois permitia juntar a auto-determinação dos povos submetidos ao jugo
de potências imperiais, à luta pela emancipação do proletariado, quer dos
países dominantes, quer dos dominados.
Na realidade, esta esquerda guarda uma
visão nacionalista de esquerda, que se faz passar por «internacionalismo», mas
que se resume a clamar por «soberania», como se as nações ou os povos fossem os
principais ou mesmo exclusivos protagonistas da arena política internacional.
Sobretudo, «esquecem» que essa tal soberania – afinal - é somente o
reconhecimento pela burguesia internacional, do direito da burguesia de um
determinado país em explorar - a seu bel-prazer - os «recursos humanos e
naturais».
Hoje, trata-se antes de fazer viver um
novo cosmopolitismo, uma visão não inter-nacional, mas sim trans – nacional.
São transnacionais os monstros que
impedem a felicidade humana no século XXI, os grandes conglomerados, as grandes
corporações: dominam não apenas os mercados, mas toda a economia; não apenas
extraem lucros fabulosos, como condicionam os governos dos países (os mais
poderosos incluídos) a governar de acordo com seus interesses.
Mas a crise presente veio demonstrar,
para além de qualquer dúvida, que não há salvação para o género humano, dentro
do capitalismo.
Face a este estado de coisas, veremos
uma série de políticos profissionais a clamarem contra o capitalismo, como um
bom estribilho eleitoral, como se vê já em França e noutros países europeus. Portugal,
também, tem muito «anti-capitalista» sério, cordato, racional, dizendo - em
resumo - que é preciso mudar este sistema, mas mudá-lo através do voto, para
que não seja através da revolução, com seu cortejo de barbaridades, banho de
sangue, etc.
Em suma, vemos já a entrada em cena dos
reformistas eleitorais procurando iludir o povo trabalhador e sacrificado a
cada crise, com a ilusão de que a mudança está nas suas mãos, mas através do
voto. Estes mesmos gostam de «argumentar» com Obama, como se este tivesse
mudado algo de fundamental na estrutura do poder dos EUA. «Mudar sim, de
maneira ordeira e progressiva, pelo voto apenas e somente», dizem os lobos ao
rebanho de cordeiros.
O truque consiste sempre em dar às
campanhas o tom por que as pessoas anseiam, dando-lhes a entender que eles,
políticos, captaram a sua onda, prometendo realizar os anseios da multidão. É
um truque velho da «democracia» por delegação; nuns países, este jogo é mais
descarado que noutros. Em Portugal, este jogo é tido como «legítimo», não
penalizador da popularidade de políticos, que jogam a cartada do populismo para
se fazerem eleger e rasgam as suas promessas na noite das eleições, caso
obtenham «maioria absoluta».
Esta maioria dá-lhes um poder muito
grande, o de parasitarem o Estado: eles sabem-no e fazem uso descarado dele.
Foi assim com Cavaco Silva, quando primeiro-ministro, igualmente com José
Sócrates. Numa democracia liberal mais madura, tal não ocorreria tão
facilmente, não porque houvesse maior virtude dos seus protagonistas, mas
porque haveria contra-pesos, impedindo uma tomada do aparelho de estado pelos
militantes e protegidos do partido no poder. Mas Portugal é um país
neo-colonial.
Em que tipo de país podemos ver um
primeiro-ministro indiciado pela Scotland Yard, envolvido num escândalo de
tráfico de influências e de corrupção, mas que continua, sem se demitir, sem
sair do poder, apenas porque o detém e domina a máquina partidária e estatal
com mão de ferro? Em que regimes se vê um partido clientelar, mantido sob a
batuta absolutista do seu chefe, impedindo que surja uma qualquer alternativa
do interior? Onde, senão em países neo-colonizados, o demagogo de ontem costuma
transformar-se, paulatinamente, num ditador?
Além disso, os poderes neo-coloniais
costumam ser extremamente severos com as vozes independentes na comunicação
social, não toleram que belisquem os seu «bom nome» e «honra», ameaçando e reprimindo
todos aqueles que ponham em dúvida a sua probidade.
Os grandes que controlam essas
marionetes, das «repúblicas bananeiras», não se importam muito com o cortejo
obsceno de corrupção e de má gestão, desde que as marionetes façam o seu
trabalho, ou seja, reprimam o necessário para que o país neo-colonizado assim
continue; no tempo dos imperadores romanos chamavam-se sátrapas aos reis
vassalos. O objecto, a razão de ser profunda da dominação neo-colonial, do
ponto de vista da potência dominante, é a hegemonia sobre os recursos
económicos. Em todos os sectores os recursos mais valiosos estão a saque:
·
São as pescas e a
zona económica exclusiva, completamente entregues às frotas dos países
pesqueiros mais fortes da EU, nomeadamente de Espanha;
·
É o grande
capital financeiro, com sede em vários países europeus sobretudo Espanha,
Alemanha, Grã-Bretanha, França e Suíça, a tomar participação na banca e
seguradoras;
·
Também se nota
essa colonização no imobiliário, sobretudo escritórios e empreendimentos de
luxo.
Tudo o que possui elevada margem de
lucro é logo abocanhado por consórcios internacionais, em geral, com um «testa
de ferro» português.
Com a agricultura passou-se algo
diferente. Quando ambas as nações ibéricas aderiram à CEE, a Espanha invadiu o
mercado português com produtos agrícolas bem mais baratos, mesmo quando de
qualidade inferior. Os produtos portugueses não puderam competir. As falências
ocorreram em série, em grande parte porque o poder político, querendo
mostrar-se «bom aluno», antecipou a introdução da «PAC» (política agrícola
comum), precipitando assim a ruína deste sector, fulcral para a sobrevivência
de Portugal como entidade independente.
Não é necessário ser-se um génio da
economia, para se prever onde isto tudo iria desembocar: passados vinte e cinco
anos, estamos na cauda da EU, em inúmeros aspectos. Houve uma regressão da
qualidade de vida para, pelo menos, dois terços da população.
Os portugueses recomeçaram a fazer o caminho da emigração, repetindo assim o dos seus pais e avós, que nos anos sessenta tiveram de ir trabalhar para os países ricos da Europa.
Mas agora, muitos dos emigrantes são jovens com elevada competência científica e técnica, que não encontram aqui um reconhecimento mínimo: a fuga dos cérebros está a acontecer em ritmo acelerado. São mais de 50 mil, estima-se, os jovens com grau de licenciatura ou mais elevado (num país com poucos licenciados) vivendo e trabalhando no estrangeiro: são emigrantes definitivos, encontraram nesses países as condições e reconhecimento, que não tiveram aqui. Cresceram e formaram-se com pesado investimento de suas famílias e do Estado, mas irão enriquecer as economias dos países mais fortes.
Os portugueses recomeçaram a fazer o caminho da emigração, repetindo assim o dos seus pais e avós, que nos anos sessenta tiveram de ir trabalhar para os países ricos da Europa.
Mas agora, muitos dos emigrantes são jovens com elevada competência científica e técnica, que não encontram aqui um reconhecimento mínimo: a fuga dos cérebros está a acontecer em ritmo acelerado. São mais de 50 mil, estima-se, os jovens com grau de licenciatura ou mais elevado (num país com poucos licenciados) vivendo e trabalhando no estrangeiro: são emigrantes definitivos, encontraram nesses países as condições e reconhecimento, que não tiveram aqui. Cresceram e formaram-se com pesado investimento de suas famílias e do Estado, mas irão enriquecer as economias dos países mais fortes.
Que hipóteses restarão a este país? Terá
um «futuro», sem dúvida, se assim se pode chamar: servirá de estância de férias
para as classes trabalhadoras dos países mais ricos. À primeira vista o turismo
é uma coisa boa, pois traz divisas, traz emprego, é riqueza para a nossa
economia depauperada. Porém, não é assim tão simples:
·
Tal actividade
ainda é a mais geradora de desequilíbrios demográficos, a população toda
concentrada no litoral, as aldeias e vilas do interior a morrerem lentamente;
·
Causa impactos ambientais muito negativos,
basta ver as estufas e rega intensiva no Algarve, as construções em locais frágeis,
como a Costa Alentejana;
·
Quem não conhece os campos golfe, que se
multiplicam como cogumelos? São um
atentado ecológico, desde os herbicidas e pesticidas usados em grandes
quantidades, até à sua implantação em zonas desanexadas da Reserva Agrícola Nacional,
para não falar das quantidades absurdas de água de rega desviada para esses
consumos de luxo!
O interior, humanamente desertificado,
sem explorações agrícolas, vai sendo ocupado pelo «deserto verde», o eucaliptal
que tudo invade, não havendo sequer possibilidade de salvar o ecossistema do
montado de sobro, um dos mais produtivos e variados ecossistemas
mediterrânicos, um ecossistema que seria a base natural da nossa agricultura e
indústria, em bases sustentáveis.
O país depauperado é também explorado no
labor das suas gentes. Com o rebentar da crise internacional, descobrimos que o
tecido industrial é largamente composto (80% aproximadamente!) por empresas
sucursais ou subordinadas de empresas com sede noutros países. Estas empresas
chamam-se «maquiladoras», no México e noutros países da América Central; apenas
produzem para o mercado dos EUA. Cada unidade fabrica apenas alguns
componentes, algumas peças, que são depois concluídas, reunidas nos EUA.
Aproveitam assim o baixíssimo custo da mão-de-obra e a ausência de controlo em
relação a regulamentação ambiental. Em Portugal passa-se o mesmo.
Estas maquiladoras fecham logo que o seu
produto deixa de ser necessário à indústria automóvel ou de semi-condutores ou
outra, no país sede. Ou logo que encontram condições de exploração mais
impiedosas da classe operária noutros países. Isto acontece tipicamente com as
maiores empresas da nossa indústria, quer em volume de facturação, quer em
termos de postos de trabalho directos ou indirectos (ex: Qimonda, Ford Volkswagen).
O desenvolvimento, nos últimos 25 anos,
resumiu-se a vender mão-de-obra barata aos patrões das transnacionais. Estes
realizaram um óptimo retorno dos seus investimentos, com uma liberdade
ilimitada de exportação dos seus lucros.
O governo nunca se deu os meios, nem
esteve interessado em obrigá-los, quando decidiram deslocalizar (veja-se o caso
da Opel e de muitas outras), a restituir as ajudas à implantação, permanência,
ao emprego, etc. Desde isenções de impostos industriais ou das contribuições
patronais para a segurança social, até ao fechar de olhos perante esquemas de
facturação fraudulenta para escapar ao fisco, as grandes empresas
transnacionais obtiveram tudo o que quiseram, aqui.
Portugal é - de facto - mais um país
neo-colonial, um paraíso para o grande capital internacional. Pode ser uma
antiga nação europeia, pode já ter sido uma potência colonial, isso pouco
importa. O capitalismo não se importa com tradições históricas, ou com outra
coisa, excepto com o lucro.
Oxalá, se comece a compreender este
aparente mistério, de como um país, apesar de tão boas condições naturais,
estar neste estado lastimoso.
A análise destes factos, o
reconhecimento de que esta situação é típica duma neo-colónia, permitiria
situar o discurso e acção no terreno da realidade.
Seria condição indispensável para se
encetar um caminho de emancipação e desenvolvimento sustentável.