PÁGINAS SOBRE MÚSICA

domingo, 5 de junho de 2022

MITOLOGIAS (VI): ASTROLOGIA

                                           


Nesta curta nota, não pretendo abordar todos os aspetos da questão. A história da astrologia confunde-se com a história das civilizações e não se pode dissociar da conceção tradicional do Universo, dada pelas diferentes religiões.
Parece-me mais adequado pensar a astrologia como parte integrante de crenças que se cristalizaram - em várias civilizações - em ciclos de mitos. Com efeito, se os mitos são narrações produzidas e reproduzidas em determinadas culturas, tendo valor exemplar (como na Grécia Antiga, por exemplo), esses mitos são também visões do Mundo, da Génese ou das Origens. Têm como função explicar os mistérios do Cosmos, da Natureza, da existência Humana.
 
Na astrologia terão operado dois níveis distintos:
- O empirismo, com a observação de estrelas e planetas, em geral, das suas trajetórias na abóbada celeste, dos ciclos, da sua periodicidade, a repetição das figuras do zodíaco, cada constelação zodiacal aparecendo sobre um dado ponto da abóbada celeste no mesmo período do ano. Este nível tem uma importância prática, sobretudo a partir do momento em que é preciso determinar o tempo de semear em função da época do ano, ou outras tarefas do ciclo agrícola anual. Ou seja, a civilização agrária, a revolução neolítica, implicam o domínio, não apenas das espécies vegetais cultivadas, ou de animais domesticados e selecionados, como também o domínio do calendário, da meteorologia e de todos os fenómenos associados. Trata-se de saberes absolutamente indispensáveis, quer para a agricultura, quer para a pastorícia. 

- A religião, no sentido etimológico, tem a função de religar o homem com o cosmos, com o sopro divino, a harmonia natural e a criação. Como tal, a ordem de baixo tem de ser análoga à ordem o alto (Tábua de Esmeralda, dos Alquimistas). Isto, tanto no caso da astrologia, como da alquimia, é do domínio das correspondências: A relação do dia e hora do nascimento, com os astros (planetas, constelações) que se encontram por cima do indivíduo, nesse momento. Esta é uma relação direta, determinista e indelével. 
               
                                                     

Aquilo que hoje se designa por astrologia é uma forma de divinação, baseada na «carta dos céus» astrológica, correspondente à configuração astral no local e data do nascimento da pessoa. Mas, este conjunto de crenças tem uma origem muito evidente: Corresponde ao universo mental do politeísmo.
A astrologia é uma prática divinatória com a qual o cristianismo teve de se acomodar desde as origens. Mas, na sua essência a religião dos Evangelhos é contrária às práticas e teorias implícitas na astrologia. Basta reparar no que se passou com muitas festas «cristãs» como a festa do Natal cristão (o festival pagão do Sol Invicto e solstício de inverno) ou a Festa de S. João Baptista (celebração dos Deuses do fogo e solstício de verão). A religião cristã institucionalizada teve de acomodar práticas pagãs milenares presentes no império romano e em todas as áreas para onde o cristianismo se expandiu.
Mas, ao nível dos arquétipos, da psicologia profunda, a crença na astrologia desempenha um papel especial. Hoje, muitas pessoas absolutamente normais, cultas e equilibradas, têm uma crença na astrologia, nos signos. A um nível profundo, elas estariam à procura duma identificação com um animal fétiche, um totem: Trata-se, afinal, da mesma necessidade que os povos ameríndios têm de estar associados ao animal-totem. Mas, neste caso, trata-se de identificação coletiva, ao nível da tribo, enquanto na religião dos signos trata-se de identificação individual. Muitas pessoas na nossa sociedade têm desejo de pertença, mas não seguem uma religião aparente, institucional. A crença nos signos não é vista como «religião», mas preenche o papel central que é desempenhado por qualquer religião: RE- ligar o humano com o cosmos.
Será a astrologia de hoje, uma forma degradada e inconsciente de culto pagão? Note-se que ela permite às pessoas «justificar» o seu fatalismo. A crença num mecanismo que determina o indivíduo desde a nascença, é um determinismo férreo. Está-se perante a negação explícita do livre arbítrio, um conceito importante na teologia e filosofia ocidentais. O determinismo pode ser reconfortante para alguns: Possibilita mecanismos psicológicos de identificação e de conciliação consigo próprio.
Nas sociedades ocidentais, hedonistas e individualistas, a religião aparentemente não existe. É o que parece, mas -afinal - não é assim: É frequente ouvir-se dizer que «não acredito em Deus, nem na vida para além da morte». Porém, ao mesmo tempo, acredita-se que a configuração astral, no momento do nascimento, foi determinar todos os aspetos da personalidade. Além disso, as conjunções de astros traçariam o percurso da vida inteira, desde as escolhas no plano amoroso, às profissionais, etc. É uma forma da pessoa não se assumir como responsável pelos seus atos: «Aquilo que sou, aquilo que fiz, é devido ao meu signo».

Em resumo, os mitos nas cabeças dos contemporâneos, não serão assim tão diferentes da mitologia dos Sumérios, Fenícios, Egípcios, Gregos, etc. Há milhares de anos atrás, estes usaram o conhecimento empírico dos movimentos dos astros, de maneira que puderam viajar em terras incógnitas, ou por mares não navegados, ou fazer previsões corretas sobre as estações do ano e fenómenos meteorológicos associados. Estes, sempre foram conhecimentos muito úteis para agricultores e pastores. Eles banhavam num universo mental politeísta. Por dentro da matriz politeísta construíram explicações para os fenómenos astronómicos observados: O retorno periódico dos astros, correlacionado com fenómenos dos mares, da vegetação, das migrações das aves, etc.
Hoje, porém, uma «mitologia astrológica» parece desempenhar um papel de religião, mas degradada ao nível de crença. A crença, para sobreviver, tem de se fechar em relação à realidade, ao saber científico. A crença aposta na transformação interior do indivíduo e não busca coerência, nem com o mundo, nem com os saberes científicos. Isso não é importante para ela; é antes um obstáculo. No entanto, hoje, para se compreender os fenómenos cósmicos, é indispensável o conhecimento científico da Astronomia e da Cosmologia, que são tão diferentes da astrologia, como a Química é da alquimia.
Porém, note-se, há quem se interesse pela astrologia numa perspetiva não-ingénua, não-ocultista, como assunto antropológico. Compreender os mitos e as crenças, não só do passado ou de povos exóticos, mas igualmente de nossas sociedades contemporâneas, faz todo o sentido. É uma chave para o universo mental individual e para as ideologias que moldam as sociedades.

MITOLOGIAS (V) : COSMOGONIAS, OS MITOS DAS ORIGENS

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