Estava eu na minha adolescência quando as imagens e palavras confusas do Maio-Junho de 68 vieram agitar a mente deste jovem burguês imberbe e afrancesado (no Lycée Français de Lisbonne), mas sem ter qualquer perspectiva do que realmente estava em jogo. Tinha esperança que uma revolução europeia varresse o continente, mas temia um endurecimento do regime fascista português, então encetando a transição «pós-cadeira partida de Salazar», ou seja, do salazarismo mais «moderado» de Caetano. Era «moderado» entre aspas, ou seja, para não embaraçar demasiado os seus verdadeiros donos: a grande banca e indústria, as grandes corporações internacionais e os governos da NATO, seus garantes e protectores.
No plano dos princípios, nada de muito perene restou: basta ver a deriva direitista de cerca de 90% dos protagonistas de então, quer na França, quer noutros países.
Em Portugal, os mais vocais «herdeiros» de 68 foram os chamados esquerdistas, nomeadamente marxistas-leninistas, tendo os grupos que se reivindicaram do maoismo um protagonismo particular. Porém, apesar de alguns indefectíveis dessa época, a imensa maioria tornou-se o mais reaccionária ou burguesa que se possa imaginar. Digo isto com pesar, pois muitos eram meus conhecidos; muitos, pois foram meus colegas na faculdade (entrei em 1973 em Medicina, para pouco depois me transferir para a Faculdade de Ciências, um «bastião» dos esquerdistas maoistas).
No plano das experiências auto-gestoras das lutas, talvez haja algo a aprender, mas não dos que se auto-proclamavam «revolucionários».
A classe operária de então, consciente da fraqueza do poder da burguesia, devido às revoltas estudantis, pôs-se em luta nas fábricas, dando origem a muitas greves-ocupação, formas revolucionárias de combate anti-capitalista e que assustaram verdadeiramente o patronato e o governo, na França e noutros países.
Em Portugal e Espanha, houve movimentações estudantis, acompanhadas de repressão, mas a classe operária de Portugal continuou largamente ignorante de tudo, salvo a que participou directamente nas grandes greves em França, nos meses de Maio-Junho. É dessas pessoas humildes que porventura estiveram envolvidas nos acontecimentos do Maio revolucionário, que valeria a pena ouvir os relatos... Muitos portugueses emigrantes dessa altura, estarão vivos, com cerca de setenta e tal anos...
O Maio de 68 não foi uma revolução, foi uma «válvula de escape», aproveitada pelas forças operárias (verdadeiras, as organizadas nos sindicatos).
Foi também um grande susto para a burguesia e para os seus suportes políticos/ideológicos, que souberam no imediato e na época seguinte, disfarçar-se de «revolucionários» para fazerem passar a sociedade de consumo de massas, o hedonismo, o egoísmo, como a «realização» das aspirações revolucionárias do Maio de 68: assim, de uma penada, desviavam e anestesiavam jovens ingénuos e desejosos de um caminho revolucionário «criativo», enquanto impunham discretamente na sociedade contemporânea a sua hegemonia ideológica, a sua ditadura «soft» (sempre convertível em «hard», quando as circunstâncias exigiam).
Pode-se dizer que o Maio-Junho de 68 foi uma revolução que ficou a meio... porém, todas as revoluções que ficam a meio... regridem: ou são completamente derrotadas e afogadas no sangue ou, muitas vezes, os regimes supostamente herdeiros do movimento revolucionário tornam-se mais opressores do que o regime pré-revolucionário...
Como o capitalismo e imperialismo cooptou intelectuais, que se tornaram falsos «arautos» da esquerda pós-maio 68:
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