Muitas pessoas estão
polarizadas numa fractura ideológica
«esquerda-direita». No entanto, esta fractura é mais aparente do que real.
O facto da
globalização capitalista hegemonizar a cultura de massas, permite que as
referências de pessoas «de esquerda» e de «direita», neste momento, sejam
essencialmente as mesmas.
Nomeadamente, isto
permite que – com facilidade – as pessoas troquem de postura, pelo simples
facto de que, tanto a sua postura prévia como a nova, são impulsionadas pelo
desejo de consumir, pelo desejo de afirmação, pelo efeito que têm sobre elas determinadas
figuras mediáticas «não políticas» (estrelas de cinema, modelos, actores,
desportistas, apresentadores de televisão, etc…).
A ignorância política atingiu um extremo. A política, no sentido elevado, no seu aspecto
fundamental de «gestão da coisa pública», está completamente arredada dos media,
que apenas se especializaram em escândalos, em fazerem campanhas de imagem contra os que designam como «grandes demónios» (Putin e Trump…de momento).
Neste quadro, é previsível que o meu inquirir frio e sereno sobre a noção de
«nação» levante um certo número de vozes indignadas, sobretudo de pessoas que
se apressam a fazer juízos depois de leituras enviesadas e apressadas das
opiniões alheias.
Mas, adiante….
Primeiro que tudo,
devemos fixar, duma vez por todas, que o conceito de nação é sobretudo um
conceito surgido no fragor da Revolução Francesa, com os mais radicais, na
época, a apelarem ao povo em defesa da nação, identificada não apenas como
território, como vista como o conjunto dos cidadãos em armas, imbuídos dos ideais
revolucionários.
Esta visão não é muito diferente da que a propaganda
bolchevique se esmerou em transmitir, logo após o triunfo da revolução de 1917,
para mobilizar vontades e combater os exércitos invasores de vários países
europeus, coligados com os russos «brancos». De novo, o mesmo patriotismo ou
nacionalismo foi invocado para mobilizar o povo soviético contra a invasão
nazi.
Idem em relação a Mao, durante a Longa Marcha e após a proclamação da RP
da China: os «nacionalistas» eram invariavelmente descritos, não como autênticos
nacionalistas, mas como lacaios do imperialismo.
Será necessário evocar
as diversas guerras de guerrilha e de libertação nacional… Em que, tanto o
braço político como o militar dos movimentos de libertação tinham como
pressuposto básico um «nacionalismo revolucionário»?
De facto, estes movimentos
foram perdendo os seus atributos revolucionários, infelizmente, uma vez que
tomaram conta do poder. Quanto ao «nacionalismo», nem sequer isso se pode
considerar que permaneceu, após o seu triunfo. Com efeito, múltiplos foram
aqueles que - uma vez no poder- literalmente venderam os recursos do seu país
à potência que mais vantagens lhes oferecia … a eles, não ao povo.
O fiasco estrondoso
da «revolução bolivariana» na Venezuela, não nos deveria fazer esquecer que o
regime instaurado por Hugo Chavez se apoia tanto numa versão autoritária de
«socialismo», como num sentimento de nacionalismo difuso, presente - não só na
Venezuela - como em toda a América do Sul. Este nacionalismo popular exprime-se nas classes mais humildes e encontra-se muito associado com reivindicações
sociais, naturalmente.
Classificar o
nacionalismo como sendo de «direita» ou de «esquerda», não faz sentido.
Qualquer espécie animal
é formada por populações e estas populações ocupam territórios distintos. Estes
territórios são muito mais fluídos, em geral, no caso de animais não humanos. No
início da humanidade seria assim, também. Não esqueçamos que os humanos foram nómadas,
provavelmente assim viveram, como Homo
sapiens, durante duas centenas de milénios (idade provável da espécie humana moderna:
aproximadamente 200 mil anos).
Evidentemente, o
aparecimento de Estado veio consolidar determinadas fronteiras, sendo esse
território considerado propriedade ou posse, directa ou indirecta, do monarca
que dominava a região.
A transformação dos
Estados, de monarquias em repúblicas, que aconteceu durante o século XIX e XX,
principalmente, não conduziu a um atenuar desse nacionalismo, desse apego ao
território… Pelo contrário, todos os poderes, fossem eles absolutistas, democráticos,
liberais, socialistas ou fascistas… sempre apelaram para esse sentimento e
sempre o exaltaram.
Para todos eles foi considerado razão «nobre» para verter o
seu sangue - isto é - o sangue dos súbditos, dos pobres, dos proletários…
A
carnificina da 1ª Guerra mundial e todas as que se seguiram são factos
insofismáveis, que mostram como os poderes recorrem ao argumento da pátria e do
nacionalismo, para justificar a guerra.
Um pensamento de
esquerda realista e tendo em conta os factos da antropologia, deveria aceitar
pacificamente que o ser humano é territorial. Mas há muitas maneiras de uma
espécie ser territorial, como podemos ver, em múltiplos exemplos, no mundo
animal.
A grande plasticidade
das culturas humanas, que as distingue de todas as outras espécies animais,
permite que as populações inventem modos de vida, uma nova organização social, nova cultura,
de acordo com o ecossistema particular em que se encontram, mas sobretudo, de
acordo com uma série de parâmetros sócio culturais, históricos.
A incapacidade de pensar
a «nação», o território, faz com que o discurso sobre o mesmo seja
completamente açambarcado pela extrema-direita. Esta, «tem as mãos livres» para
inocular, numa boa parte das pessoas, despolitizadas ou desiludidas, a versão mais
retrógrada do conceito de «pátria», de «nação», o qual tem um inegável apelo
junto das pessoas, devido ao seu instinto territorial, profundamente ancorado na história
biológica, evolutiva.
A esquerda inteligente
deve recusar que uma esquerda estúpida continuamente lance anátemas sobre
quaisquer pessoas que tentam debater sobre o que é a nação, a pátria, se existe
ou não nacionalismo revolucionário e se sim o que é, afinal.
Esta esquerda estúpida
(porém, maioritária nalguns meios) é o exemplo acabado de autoritarismo e
cobardia … pois não se bate no plano das ideias com outras pessoas, fazendo
efectivo uso da liberdade de opinião; antes quer, a todo custo, calar a voz dos
que ela considera serem inimigos… nestes últimos tempos, o «politicamente
correcto» revelou-se claramente como o que sempre foi implicitamente: a expressão
de desespero de classes médias em perda de estatuto, que pensam recuperar esse
estatuto arvorando-se em detentores da verdade, do saber, etc. Bastante triste,
na verdade. Mas isto não tem que ver com uma outra esquerda, que sempre se
colocou ao lado e no seio dos humildes, dos espoliados, dos oprimidos.
Negar a existência
fundamental da nação, da pátria, não tem que ver com uma esquerda classista e, portanto, esta não deve ter complexos em desenvolver um pensamento, uma
política e uma acção dirigidas ao território e à nacionalidade.
Pelo contrário; esta
esquerda classista tem ainda maior responsabilidade em fazer uma escolha clara e
responsável, clarificando conceitos e derivando daí as escolhas. Ou seja, tem
de fazer uma política própria, não se deve deixar arrastar por modismos.
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