Foto: Rei de Espanha, Filipe VI e Pedro Sanchez, presidente do governo
As ondas que agitam a vizinha Espanha são quase ignoradas pelos portugueses. Mas, não deviam, pois o momento é realmente grave.
Um coro de vozes indignadas, da direita, faz muito barulho, porque o presidente do PSOE, Pedro Sanchez, negociou com os independentistas catalães o apoio à votação do novo governo socialista, em troca duma lei de amnistia. Esta, iria resolver a situação dos políticos catalães independentistas que em 2017, organizaram e executaram um referendo pela independência da Catalunha. O referendo foi declarado anticonstitucional e seus organizadores foram presos ou tiveram que se exilar.
Eu não vou - aqui e agora- discutir questão do independentismo, tal como se colocou em 2017. A questão de fundo é importante e grave, mas não estou suficientemente por dentro dos assuntos políticos de Espanha, para opinar de modo esclarecido.
O que vou dizer aqui, é exprimir a minha estranheza por forças da direita considerarem que o indigitado presidente do governo estava a cometer uma falta grave, ao negociar apoio parlamentar junto dos deputados eleitos dos partidos independentistas catalães.
Indigna-se a gente de direitas, por esse apoio ter implicado negociar uma lei de amnistia. Porém, em muitos países e em diversas circunstâncias, foram feitas leis de amnistia para os crimes políticos. Inclusive em Espanha, os independentistas da ETA, do País Basco, foram amnistiados.
Os catalães perseguidos e condenados podem ter razão ou não, no que fizeram. Podem ter violado ou não, a constituição de Espanha. Mas, ainda assim, a sua ação foi realizada dentro dos limites da democracia representativa. Por outras palavras; não se tratou de um ato insurrecional.
Os que berram nas ruas contra o recém-empossado Presidente do governo espanhol, estão simplesmente a descarregar o seu rancor contra a esquerda, no que ela representa como posição mais tolerante, mais respeitosa do direito dos outros terem pontos de vista diferentes do nosso.
Amnistiar, não significa dar razão às pessoas que tinham sido condenadas, nem opinar se a condenação foi justa ou injusta. Significa que, no interesse da sociedade, o facto dessas pessoas serem amnistiadas, é preferível a cumprirem a pena até ao fim. É um processo de sarar as feridas resultantes dos choques políticos que dilaceraram o tecido da sociedade.
Para os direitistas que agitam «o papão» da ditadura, da perda da liberdade e do Estado de direito, o que seria «justo»? Seria que os implicados no processo sofressem o castigo mais severo? Seria só de prisão? Talvez mesmo, de pena de morte? Tudo isto, por se terem atrevido a desrespeitar a «sacrossanta» constituição espanhola. Lembro que a constituição atual foi negociada após a morte de Franco, entre governo, forças franquistas e os outros grupos e partidos, na chamada «transição*».
Para mim e para as pessoas com formação ética, qualquer que seja sua posição partidária, o extremar de posições - neste caso concreto - é criminoso, pois vai reabrir feridas antigas mas nunca totalmente saradas, da trágica Guerra Civil Espanhola de 1936-39.
Alguém, doutra região de Espanha que não da Catalunha, deveria ver com bons olhos a amnistia e também um referendo. Este, deveria ser de tal modo, que não fosse considerado anticonstitucional. Porque, mais vale um divórcio sem demasiados dramas, do que uma guerra civil. Além do mais, a entidade geográfica Península Ibérica foi sempre um conjunto heterogéneo de povos, de culturas e de reinos.
E, já agora, para lembrança dos portugueses, recordo que os Restauradores de 1640, que «traíram» o Rei (pois Filipe IV era Rei de Portugal, além de ser de Espanha), obtiveram sucesso nesta insurreição, porque havia uma revolução - em simultâneo - na Catalunha. A Restauração da independência de Portugal deve-se - em parte - aos independentistas catalães, que se revoltaram contra a coroa de Espanha e fracassaram. Os portugueses não tiveram que enfrentar logo os poderosos exércitos espanhóis, ocupados na repressão da revolta catalã; tiveram tempo para se organizar na defesa das fronteiras do território.
Mas, hoje em dia, é lamentável que demagogos de extrema-direita e ditos «de centro-direita», venham agitar suas hostes, criando um clima de alarme falso porque, na verdade, são eles que põem intenso dramatismo em torno dum processo que é - afinal de contas - banal: A negociação de apoio parlamentar para um governo minoritário. A amnistia para os independentistas catalães é equiparada por eles, a "traição à pátria".
Na verdade, eles querem criar uma situação de rutura ao nível institucional, político e sociológico. Eles querem uma grande agitação, um caos. O grande «argumento» deles é falso e nulo, quer em termos políticos, quer jurídicos. A agitação deles visa claramente o derrube do governo recém-nomeado. Pretendem assim reconquistar a maioria e retomar o poder.
Pelo menos, é o que vejo à distância de umas poucas centenas de quilómetros. Em todo o caso, os meus amigos espanhóis é que têm de resolver o problema, sem se deixarem arrastar por demagogias, de uns e de outros.
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*Veja-se os «Pactos de Moncloa»
A participação de Paulo Rangel (PSD português), parlamentar europeu, numa manifestação anti-governo de Espanha é uma demonstração clara, pelo seu conteúdo, de que a direita não tem qualquer preocupação (verdadeira) com a democracia. Com efeito, o que ele diz é um ataque direto ao governo espanhol e ao líder do PSOE: Diz que este último «não respeita» os princípios da separação dos poderes, etc, etc ... Porém ele, Rangel, não respeita o princípio da não-ingerência nos assuntos internos doutros países.
ResponderEliminarCom que direito vem imiscuir-se nas lutas políticas doutro país?
Se disserem que ele é um «eurodeputado», isso não é justificação: imaginem um eurodeputado, de qualquer cor política e que não seja português, a fazer o mesmo relativamente a Portugal, a ingerir-se descaradamente nos assuntos internos de Portugal...
Paulo Rangel não é digno de ser eurodeputado; não respeita a democracia, a soberania e o princípio de não ingerência!
Veja a provocatória e demagógica intervenção de Rangel:
https://www.youtube.com/watch?v=4eVwoM45jK8&t=262
Posição do presidente do governo de Espanha, que afirmou na visita a Israel um ponto de vista independente e favorável ao povo de Gaza:
ResponderEliminarhttps://www.youtube.com/watch?v=eUQiLpqDits