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Por António Barata,
publicado em «Bandeira Vermelha»
O recente pacote de medidas do governo PS destinado a minorar os efeitos da carestia, agravada primeiro com a pandemia e depois a guerra na Ucrânia, e que está a lançar na pobreza cada vez mais trabalhadores, foi recebido com o aplauso e a simpatia da maioria dos comentadores. Mas não foram precisas muitas horas para que o tom começasse a mudar, à medida que se começaram a fazer contas.
Partido destas constatações, toda a oposição, da direita ao BE e PCP, a que se juntou timidamente parte do PS, faz acompanhar as suas críticas de propostas construtivas sobre o que deveria ter sido feito para que as esmolas às classes trabalhadoras fossem mais generosas.
Sem surpresa, a direita põe a tónica na descida do IRC e do IVA e em dar prioridades as ajudas às empresas enquanto vai regateando a paternidade das partes do pacote do PS que considera boas.
Por seu lado, a “esquerda” ordeira, como já nos habituou, desdobra-se em conselhos construtivos e responsáveis sobre como o governo deveria conduzir a economia e o combate à crise neste momento de aflição: taxar os lucros “inesperados” das grandes distribuidoras de energia, baixar a taxa do IVA e gastar a receita excedente (relativamente aos anos anteriores) dos impostos arrecadados este ano. Tudo isto devidamente embrulhado em apelos moralistas “à responsabilidade e solidariedade social” do patronato e mostrando-se indignada com os “lucros excessivos” da EDP, GALP e demais distribuidoras.
Certamente que muito do que o BE e o PCP criticam é acertado. Mas a questão não é essa. É antes a de saber se essas críticas servem para alimentar a ilusão de que é possível sensibilizar a burguesia para os problemas dos debaixo, tornando-a menos gananciosa ao capitalismo menos rapace, ou se vão no sentido de desfazer essas ilusões mobilizando assim os trabalhadores para a luta radical contra o capital e não só contra o governo de serviço e os políticos “ladrões e corruptos”. Se esses partidos, que se dizem de esquerda e a favor do socialismo, realmente agissem de acordo com o que dizem ser, não se ficariam por estas críticas superficiais e tão óbvias quanto inócuas, que até parte da direita as subscreve. Preocupar-se-iam antes em elevar a consciência das classes trabalhadoras fazendo-os perceber que o problema é o capitalismo e não o capital financeiro, os maus políticos, a incompetência, a troca de favores e a satisfação das expectativas das respectivas clientelas.
Teriam de começar por dizer que no nosso país a pobreza é estrutural. Que a carestia não é só de agora nem só consequência da pandemia e da guerra na Ucrânia. Que a pobreza estrutural é uma constante com mais de 20 anos, vitimando 1 em cada cinco trabalhadores, incidindo principalmente nas mulheres, crianças e idosos; que a crise e a austeridade (que agora dá pelo nome de “contas certas”) iniciada em 2008 não terminou nem houve nenhum “virar de página”. E, acima de tudo, por dizer não ao Pacto de Estabilidade e Crescimento e ao pagamento da dívida; que não é possível melhorara as condições de vida das classes trabalhadoras portuguesas sem rejeitar o “memorando de entendimento” imposto pela troika ao PS, PSD e CDS, e que ainda continua em vigor, o qual obriga os governos a respeitar as metas do deficit, a degradar a segurança social e os salários, a precarizar e flexibilizar as relações laborais, a cortar prestações sociais, a aplicar os empréstimos naquilo que o BCE determina e não no que é necessário ao desenvolvimento económico do país, etc. É este o compromisso subserviente que une toda a burguesia portuguesa, e de que ninguém fala, que explica e dá sentido à prática continuada dos governos de António Costa (com e sem geringonça) de prometer e não cumprir, orçamentar mas não gastar, fazer e desfazer acordos segundo as conveniências sem se preocupar em cumprir o que acordou com os seus parceiros de circunstância, e também às opções do actual Orçamento de Estado e a esta sua proposta.
A crença partilhada pelo PSD, IL, PAN, PS, PCP e BE, de que é possível desenvolver a economia, criar riqueza e, ao mesmo tempo, cumprir o deficit e pagar os juros da dívida é uma falácia posta a nu pelo desinvestimento crónico na economia e nos serviços, e cujos resultados são o crescimento anémico da economia, a degradação acelerada dos transportes, o estado comatoso do SNS e do ensino, a degradação das infraestruturas e do meio ambiente, a crise da habitação, o florescimento do trabalho escravo (em particular na agricultura), a corrupção generalizada, os salários de miséria e a precarização crescente do trabalho. Situação esta que sofreu um forte agravamento com a pandemia e, agora, com a guerra na Ucrânia, e que não será revertida pelos milhões da dita “bazuca” nem pelo prometido PPR. Enquanto não se disser não à tutela europeia do BCE, ECOFIM e Eurogrupo, se recusar o pagamento de dívida, o espartilho das regras comunitárias e o diktat europeu, nada mudará a favor das classes exploradas.
Mas se a aceitação da tutela europeia explica as opções do governo e a unidade nacional em torno da “Europa”, dos “valores europeus”, do euro e da Europa fortaleza, ela não explica nem a desfaçatez nem a arrogância de António Costa e seus ministros, nem a compreensão benevolente do presidente Marcelo face às “habilidades” do governo. O que as explica é o clima social caracterizado pela falta de um modelo de sociedade alternativo àquilo que existe, tanto por parte da burguesia como do operariado, que não vá para além do Estado social.
Portugal não só é o país europeu com o maior fosso entre ricos e pobres, como esse fosso não tem parado de crescer, e ainda mais com crises. Enquanto os salários dos trabalhadores portugueses são em média metade dos dos seus congéneres, os dos gestores públicos e privados são superiores. Se na Alemanha um gestor ganha em média 10 vezes mais que um trabalhador, no nosso país ganha cerca de 40 vezes mais, e a tendência é para alargar essa diferença.
Situação que, ao contrário do que nos diziam, não se alterou com as receitas “purificadoras” do FMI, do Banco Central Europeu e da troika. E como nada se alterou e as finanças continuam à beira do colapso, a receita aí está, eterna, impondo a redução da despesa do Estado despedindo, baixando salários, cortando nas reformas, nas despesas e regalias sociais;
2) a mediocridade e corrupção da chamada “classe política” e o carácter rentista da burguesia portuguesa, que não está habituada a correr riscos, mas a viver da proteção e dos favores do Estado, das suas obras públicas, dos financiamentos comunitários por ele canalizados e, portanto, avessos a qualquer reforma que ponha em causa este status quo.
Como mais uma vez constatamos, a “esquerda” que temos, toda ela ordeira e sempre preocupada em “apresentar alternativas”, esteja dentro ou fora do parlamento, faz um silêncio absoluto sobre esta questão central da submissão à tutela comunitária, crucial para o crescimento de uma consciência revolucionária anticapitalista e internacionalista entre as massas trabalhadoras e o operariado em particular. Eternamente entretida a dar moral e conselhos à burguesia sobre a melhor condução dos negócios, em sensibilizá-la para os graves problemas sociais e os malefícios decorrentes da ganância e da falta de transparência, da preponderância do económico sobre o político, estamos condenados a pagar os custos das crises e os desmandos do capital. Como uma fatalidade, empurram-nos para uma opção viciada: a de escolher como vamos ser “espremidos”.
Nunca, como agora, foi tão necessária uma outra esquerda.
E bem de tomar em devida conta esta análise, mas não são ilusionismos - estes exigem outra arte. Só desejo assinalar que as posições do BE e do PCP não se podem confundir; também os comentários "oficiais" do PPD e da IL, não tendo a mesma subtileza comunicacional, não reflectem a mesma atitude política. Quanto ao PS, o seu comportamento através do porta-voz António Costa é simplesmente abjecto. Do PAN aguarda-se mais firmeza reivindicativa e mais oposição ao DesGoverno. O Livre fala como anémica entidade política - espero que se fortaleça.
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