Esta grande mudança era tida como inevitável pelas altas esferas financeiras que controlam o mundo, hoje.
Note-se que o sistema financeiro foi levado a um extremo. O da financiarização, que colocava «de pernas para o ar» toda a economia, ou seja, punha a parte produtiva (produção de bens e de serviços), como subordinada da finança. Nos séculos anteriores, incluindo uma boa parte do século XX, a finança detinha uma fatia, mas não a maioria, ou parte que lhe desse o controlo das alavancas da economia.
Podemos datar a viragem decisiva, o bascular de uma economia produtiva, para uma economia financeirizada, no Ocidente, à década de 1990, em que os EUA e seus aliados surgem como vencedores da Guerra Fria contra a URSS, ficando em situação de super-potência única no Planeta, ditando a todos, quer directamente, quer através de instituições internacionais que controlam, como os países e respectivos governos se devem comportar.
O acto legislativo emblemático que acompanhou esta «húbris*» no campo geo-estratégico, foi durante a presidência de Bill Clinton, o repudiar da Lei americana Glass - Steagall , passada na altura da Grande Depressão, na presidência de Roosevelt. A finalidade da referida lei era evitar as catástrofes induzidas pela especulação financeira, separando bancos e instituições de crédito em duas categorias: Os bancos de investimento, cuja finalidade era captar capitais para investimento na economia; os bancos de depósitos cuja função era assegurar o depósito de poupanças, com investimento prudente em veículos de rentabilidade baixa ou moderada (obrigações do tesouro, por exemplo), mas que garantia uma rentabilidade um pouco acima da inflação.
Os indivíduos eram estimulados a poupar, pois - no mínimo - o poder de compra das suas poupanças estava salvaguardado. Este sistema funcionou, durante as três ou quatro décadas do pós IIª Guerra Mundial. Noutros países além dos EUA, havia mecanismos legislativos assegurando a separação dos dois tipos de actividades financeiras.
A partir do momento do desaparecimento destas separações legais, a banca comercial teve liberdade para utilizar, do modo que lhe apetecesse, com muito poucas e ineficazes restrições, o dinheiro dos seus clientes, dos depositantes.
As crises sucederam-se então. Dá-se-lhes nomes, que não revelam a natureza dos problemas subjacentes: «crise mexicana», «crise russa», «crise asiática» (em 1997), crise das «dot-com» (em 2000), crise das «sub-prime» (crédito hipotecário, em 2008).
A presente crise é chamada do «Covid», mas teve início em Setembro de 2019, cerca de 5 meses - pelo menos -antes de se ouvir falar do novo vírus. Em Setembro de 2019 deu-se a subida brusca e acentuada dos juros do crédito inter-bancário de curta duração. O desmoronar deste, obrigou o banco central americano (a FED) a acorrer com biliões, semanalmente, até ao final de 2019. Só assim conseguiu evitar o congelamento do crédito interbancário, coisa que ocorrera na crise de 2007/2008, e fora um dos sinais mais sérios de que o sistema estava a desmoronar-se.
Mas, as coisas abaixo da superfície são ainda um pouco piores. Com a liberalização completa dos mercados financeiros, os bancos produziram derivados, instrumentos financeiros completamente novos e artificiais, que se negoceiam «ao balcão», ou seja não surgem nos balanços destas instituições.
Muito haveria a dizer sobre esta deriva especulativa financeira, encorajada pelos governos e bancos centrais. Vale a pena investigar todas as ramificações destas construções artificiais, o mercado dos derivados, cujo valor global ultrapassa - em muito - o PIB mundial: Será de 5 vezes, de 10 vezes o PIB mundial? -Ninguém pode dizê-lo, ao certo, pois este mundo financeiro dos derivados é muito opaco (fora dos balanços oficiais dos bancos), sendo mantido assim intencionalmente.
Desde 2008, a economia dos países ocidentais tem estado de rastos; para nos apercebermos disso basta indicar que na década passada, que deveria ser de recuperação, segundo Jamie Dimon (CEO do maior banco dos EUA, o «JP Morgan»), o PIB dos EUA experimentou um crescimento cumulativo da ordem de 18%. Isto pode parecer muito, porém, após os outros períodos de recessão, durante as expansões que se seguiram, o crescimento cumulado era da ordem de 40% em dez anos. Portanto, nesta última década observou-se menos de metade da média do crescimento cumulativo em dez anos, nos EUA e nos países da Euro Zona (um pouco pior, neste caso): houve uma «recuperação anémica», depois da grande recessão de 2008.
Apenas 11 anos depois (2008- 2019), surge uma nova crise, em todos os aspectos mais grave, mais profunda e com bancos centrais que não dispunham de margem para diminuir as taxas de juro de referência. Estas têm sido, historicamente, a única variável que os bancos centrais podem facilmente manipular para estimular a economia.
Quando começaram a surgir obrigações soberanas com taxa negativa, entrámos em pleno reino de fantasia financeira e monetária. Nunca na História se vira o emprestador dar um juro (é este o significado de «juro negativo»), para que o devedor aceitasse contrair um empréstimo. Eis o grau de absurdo a que chegou a completa financeirização, no Ocidente, em apenas 30 anos!
A constante monetização, ou seja, a compra de activos aos bancos comerciais e aos Estados, pelos bancos centrais, origina as bolhas especulativas a que temos assistido:
- Podemos considerar como bolha, a quase gratuidade dos empréstimos, devido a uma artificial quebra dos juros, incluindo as taxas de juro muito baixas nas obrigações soberanas. Lembremos que, quanto mais baixa for uma taxa de juro, mais valor uma obrigação tem: ou seja, a entidade que emite este instrumento de dívida consegue colocá-la a um determinado juro. Quanto mais baixo for o juro, mais os compradores valorizam a obrigação, ao ponto de a aceitarem, recebendo um juro muito baixo.
Para as pessoas não especializadas nos mercados, pode haver um certo fascínio e tentação, nas bolsas de acções: No mercado de acções, as grandes empresas aproveitam os juros quase a zero e fazem auto-compra das suas acções, fazendo subir assim, artificialmente, sua cotação. O dinheiro constantemente fornecido, gratuitamente, pelos bancos centrais, tinha de ir parar a algum lado.
A inflação dos activos financeiros não será contida dentro destes, por muito mais tempo: mais cedo ou mais tarde, haverá um transbordar para a economia, com a inflação nos bens de consumo corrente a acentuar-se. Não se sabe se haverá, ou não, hiperinflação. Mas, o mais prudente é partir do princípio de que essa hiperinflação vai ocorrer, necessariamente. É como um tanque ou um reservatório de água, por muito grande que seja, se tiver um caudal de água a verter constantemente nele, acabará por transbordar...
O mercado do imobiliário tem experimentado inflação, sobretudo, o segmento mais alto, dos apartamentos e condomínios de luxo, em todas as grandes cidades do Ocidente. Este fenómeno também é consequência, directa e inevitável, do enriquecimento dos já muito ricos. Há uma classe que tem ganho muito com estas políticas de «quantitative easing». E, ainda por cima, tem ganho com os confinamentos desde Março de 2020. A situação de ruína para os pequenos comércios e industrias, gera uma situação de monopólio de facto, para as grandes superfícies e para as grandes empresas «on-line». São os mais ricos, nas várias sociedades que são os maiores detentores privados de acções cotadas em bolsa. Sabem que o jogo tem um fim, e têm vendido nos picos de especulação bolsista, para se retirarem logo, sendo esse dinheiro imediatamente investido em imobiliário de luxo, obras de arte, objectos de colecção, barras de ouro, etc. Eles sabem que - no longo prazo - quando esta crise tiver passado, tais bens não financeiros terão, no mínimo, conservado o valor (em termos reais).
Quanto ao valor do dinheiro que nós usamos, é completamente cilindrado. A operação já começou:
- primeiro, é destruído o seu valor real, a capacidade aquisitiva destas divisas: A operação em curso, com impressão monetária não-stop, pelos principais bancos centrais ocidentais.
- depois, é digitalizado - de modo total e legal: O dinheiro-papel deixa de estar em circulação. Os juros dos depósitos das contas (a prazo ou à ordem) serão muito negativos, os depositantes farão tudo para gastar esse dinheiro depositado, antes que ele perca mais valor.
- em paralelo com a digitalização a 100% das transacções, vai surgir uma unidade monetária digital, gerida pelos bancos centrais, usando a tecnologia «block-chain». O sistema será análogo ao Bitcoin, mas com a diferença de que este é totalmente descentralizado e as moedas digitais dos bancos centrais serão totalmente centralizadas (e controladas).
- a economia real, dos bens e serviços, vai ficar ainda mais centralizada do que já está: Vai ser praticamente impossível as pessoas comuns adquirirem um apartamento, ou um carro. A sua vida terá de organizar-se de um modo diferente de hoje. É isso, basicamente, o que significa o lema de Klaus Schawb, «Não possuirás nada e serás feliz»...
- a instauração do Rendimento Mínimo Universal ou Incondicional, que todas as pessoas irão receber apenas por existirem, terá como consequência imediata que o custo do trabalho irá descer para os patrões, a níveis inconcebíveis hoje em dia. Os patrões apenas terão de pagar «uns tostões», para obterem a «escravização voluntária» dos que queiram viver um pouco acima do nível de subsistência. Aliás, já se pode observar o agravamento da exploração, nos países «ricos» do Ocidente, como no Terceiro Mundo.
Em conclusão: Se as pessoas não abrem os olhos, se não reagem individual e colectivamente, serão escravas; os seus filhos e netos, também. Será muito difícil haver uma rebelião, será mais difícil lutar de quaisquer formas e métodos, porque as pessoas ficaram sem direitos na prática, sem meios de defesa.
Se os projectos da oligarquia e do seu «Great Reset» continuarem a avançar como planificado, pode-se dizer adeus à liberdade, democracia, ou ao Estado de Direito ... Ou, então, o significado destas palavras será convertido em «novi-língua» orwelliana, como já fazem com o «passaporte de imunidade**», certificando que se tomou a vacina anti-Covid. Agora, chamam a isso «passaporte da liberdade»; a esse instrumento de escravização e controlo!
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*Húbris: palavra de origem grega, que significa embriaguez do vencedor, que tudo se julga permitido.
** Leia o excelente artigo do Prof. Anthony Hall AQUI
Interessante vídeo sobre as causas das bolhas especulativas e sobre a desvalorização das divisas, nomeadamente do dólar:
ResponderEliminarhttps://www.youtube.com/watch?v=YcI09uh6wxA
https://www.strategic-culture.org/news/2021/09/17/the-great-reset-how-managerial-revolution-was-plotted-80-years-ago-by-cia-neocon/
ResponderEliminarUm artigo que demonstra a constante determinação da oligarquia e seus vassalos em procurar obter a hegemonia. As raízes dos «neocons» datam, pelo menos, do final da II Guerra Mundial.